imagem da internet
A feminilidade
não é branca
Há tempo (põe tempo nisso) namoro a idéia de parar de
tingir meus cabelos. No fim do ano decidi. Já pensando nisso, há mais de dez
anos, troquei a tinta por colorante, imaginando que, quando o dia chegasse, o
colorido fosse se esvaindo, deixando o branco ou o grisalho emergir
naturalmente.
Pensava eu tratar-se de uma decisão de foro íntimo. Mas que nada! Não ouvi
nenhuma palavra de apoio nem da família, nem de amigos, nem de conhecidos:
"Você não pode!". "Não combina!". "Grisalho não é
jovial!". "Branco põe para baixo!". Na minha santa ingenuidade,
não atinava que estava afrontando um tabu. Entendi que a mulher não pode ser
grisalha, mas no homem isso é charme e distinção. Existem brancos azulados, bem
tratados, que inspiram respeito e até veneração. São os da matriarca, da
veneranda chefe de família que ostenta um poder, mas não os da sexualidade.
Exibir os cabelos
grisalhos é ostentar a fêmea morta no corpo vivo de uma mulher: é tabu
|
A questão não está apenas em "aparentar idade" -há quem defenda as
rugas. Mas a transformação natural dos cabelos com a idade é uma afronta. Não
chega a ser crime, mas senti que estava perto de cometer uma transgressão. Um
homem -inteligente e humanista- chegou a enunciar, com todas as letras, que
mulher não pode deixar de pintar os cabelos. "Põe uma hena", disse
ele. E eu aqui pergunto a mim e a você: por quê?
Olhando a minha volta, só vejo cabelos tintos. É bem verdade que meu círculo de
amizades inclui poucas figuras estilo "vovozinha". Minhas amigas são
profissionais, além de mães e avós. Conheço algumas exceções, mas elas chamam
mais atenção e atraem mais comentários desairosos do que uma "vamp".
Escrevo esta coluna em 22 de janeiro. Veraneando à beira-mar desde 23 de
dezembro, estou com os cabelos descolorados, de um jeito desgrenhado,
caminhando para o grisalho e, portanto, a caminho de uma auto-exclusão social.
Trata-se de uma condenação cruel. Podemos envelhecer, mas não tentar nem
disfarçar é descaso.
Ostentar a fêmea morta no corpo vivo de uma mulher é tabu. Os homens grisalhos
são charmosos, enquanto as mulheres grisalhas parecem lembrar alguma coisa da
qual todos queremos esquecer. O cabelo grisalho parece remeter a alguma
"cena temida" que conhecemos, mas não queremos rever.
Um colega baiano com o qual eu comentava minha desdita me contou um ditado
local. Segundo ele, pêlos pubianos grisalhos, lá no sertão, eram o primeiro
sinal de impotência senil.
A voz desse povo pode ser aquela que está me forçando a continuar a tingir os
cabelos. Lembrei-me ainda do livro "Amêndoa", da autora muçulmana
Nejdma, no qual a personagem principal relata sua dificuldade ao reencontrar um
antigo amante. Dizia ela que o que mais a amedrontava em voltar para a cama com
ele, 30 anos depois, era sua púbis esbranquiçada e rala. Será que vale para nós
também? O grisalho é, sem dúvida, um movimento entre a cor e o branco. Ostentar
o grisalho seria uma confissão de deserotização? Mas e o grisalho na cabeça do
homem, por que pode? Tenho muitas questões e poucas certezas.
Continuando a pensar, parece-me pouco freqüente (se é que existe) a imagem de
uma púbis envelhecida na iconografia universal. Na pornografia é claro que não
há, mas nem nas belas-artes me lembro de ter visto -e na história da humanidade
a maioria dos pintores é de homem. Não tenho respostas, aceito contribuições.
Dentro de dois dias tingirei meus cabelos. Se a cena é temida, abdico de
agredir meus semelhantes com a minha presença.
A experiência foi válida. Conheci na pele o que é pretender quebrar um tabu e,
ao mesmo tempo, conheci um tabu que eu não sabia que existia.
ANNA VERONICA MAUTNER é psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas
Entrelinhas" (ed. Ágora).
Eliete querida!
ResponderExcluirAdorei a postagem, verdadeira e sensacional...vim para te desejar uma feliz páscoa e saio daqui enriquecida! um beijo grande e até mais!
Tenho 68 anos e alguns cabelos brancos. Minha mãe morreu com 74 anos, nunca pintou o cabelo
ResponderExcluire não o tinha todo branco, quando morreu. Tinha poucos.
Também estou a pensar não os pintar, todavia como são só uns quantos brancos e mais à frente,
acaba por passar por desleixo(para os outros) daí que ande indecisa sobre o que fazer.
Obrigada pela sua visita a um dos meus blogues.
De tiver um tempinho e quiser visitar outro é o
http://sinfoniaesol.wordpress.com
Aproveito para lhe desejar uma Feliz Páscoa.
Bj.
Irene Alves
.
ResponderExcluir.
. eu mantenho a aspiração . de sermos sempre . ao longo de toda a nossa existência . naturalmente naturais . mas sempre cuidadosos em relação à manutenção do nosso aspecto exterior . ao mesmo tempo que lutamos por manter sã . a nossa mente .
.
. desejo.Lhe uma Santa Páscoa .
.
.
Penso que devemos ter nos cabelos a cor que corresponda ao nosso olhar interior...como queremos nos ver no espelho?
ResponderExcluireu não me sinto de cabelos brancos, faz tanto tempo que nem me lembro deles e quando começa aparecer a raíz , corro e passo colorante sem amônia para não estragar (rs)...enquanto der vai ficar assim e não é vaidade mas estado de espírito.
Um abraço
PS.o resto é detalhe (rs)