
Gostar de viver é uma arte que se aprende. Portanto, é preciso que alguém ensine. O quanto antes, desde a infância. Este é um dos grandes segredos das saudáveis culturas indígenas, que há séculos resistem ao violento assédio da civilização urbana: nutrem suas crianças com os elementos fundamentais do desejo pela vida. Com mitos e ritos cultivados ao longo das gerações, as nações preservadas dão exemplos simples e claros de como a sociedade dos “brancos” pode recuperar aquele valor essencial que ajuda os futuros adolescentes a ver, de cara limpa, algo emocionante no mundo.


Há um quê de especial em viver assim, um plus de energia para enfrentar a adversidade, mas é preciso sustentar estas referências na cultura. E os povos indígenas sabem fazer isso muito bem, ao preservar suas imagens e representações dos fenômenos e sentimentos. Os mitos dão nome, forma e até cara ao inominável, ao imponderável, ao incontrolável que está na natureza e nas pessoas, e isso alivia a angústia que todo mundo sente diante do universo que não cabe na compreensão humana, que excede em anos-luz a capacidade de pensar e entender. Quaisquer que sejam, os mitos sustentam o pensamento sobre a própria existência, e então é possível dar valor a ela.
Sabiamente, os pais da floresta não bombardeiam nem descaracterizam seus mitos diante dos filhos. Diferente do que se faz com um Papai Noel, por exemplo, que deixou de ser o nome da generosidade para virar garoto-propaganda e entregador de presentes. Arranhar estas imagens é abrir um vazio e plantar a insegurança, onde brotam o ceticismo mórbido, esse ar blasé de quem confia ma non troppo, a amizade com pé-atrás, os negócios sem palavra de honra nem fio-de-bigode, as relações à espera da traição. Ser ponta firme é coisa de quem cresce com imagens sólidas até que possa, já grande, amadurecer para a relatividade do mundo.
É coisa de quem vê cultivado seu desejo de viver, e isso os povos da terra também fazem com maestria através de seus ritos. As datas, festas e celebrações que marcam cada etapa do crescimento acendem nos pequenos a expectativa e o empenho, a visão de futuro e a confiança de muitas conquistas. Os ritos são, por si, a afirmação concreta da fé na vida. Mais que isso, envolvem toda a comunidade num projeto de esperança, com um processo completo de realização: a parceria, o plano, a preparação, o grande momento de prazer para si e para todos, e o fim de tudo com a volta à rotina.

Curumins amparados em seus mitos e ritos não precisam de constantes choques de adrenalina nem terão de atrair problemas e enroscos para que alguma razão momentânea ocupe um doloroso vazio pré-depressão. Algo comum em sociedades que quebram seus símbolos, que ficam áridas. Perdem facilmente o valor de existir e banalizam tanto a vida quanto a morte manifestado na inveja e no impulso de agressão ao que e a quem representar uma diferença. As nações indígenas que perderam seus rumos num holocausto de 500 anos já perceberam que a reconstrução depende do resgate deste conhecimento vital. Amparando-se nas comunidades mais sólidas, vão demonstrando como nunca a força da educação emocional. E indicam respostas para dúvidas que hoje amedrontam muitos outros povos do planeta.
Ivan Capelatto e Angela Minatti