O caminho que não tomei
Entre duas
possibilidades, que caminho tomar?
Um dos poemas mais
conhecidos da literatura norte-americana foi escrito por Robert Frost
(1874-1963). É o famoso "The road not taken", e foi traduzido pelo
poeta português Antônio Simões com o título "O caminho que
não tomei". Está numa recente antologia onde ele verteu competentemente 112
poemas do inglês para a nossa língua.
Entre duas
possibilidades, que caminho tomar?
Pode ser entre dois
amores, dois empregos, duas ruas, dois países. Pode ser uma encruzilhada
qualquer. O fato é que a escolha é às vezes algo complicado. Tão complicado que
uns psicólogos norte-americanos criaram a "teoria da dissonância cognitiva"
baseada nesse drama. Como escolhemos as coisas, seja uma simples geladeira, uma
proposta, uma roupa, e que racionalizações fazemos para justificar a direção
tomada?
O poema é simples,
Robert Frost foi um poeta que escrevia simples, e de tão popular que era foi
chamado para ler um poema na posse do presidente Kennedy, em 1961.
Diz o poeta que duas
estradas divergentes surgiram-lhe num bosque amarelado, e infelizmente ele não
podia viajar ao mesmo tempo pelas duas. Eram duas estradas e ele era uma pessoa
só. Ele estendeu os olhos sobre a primeira delas tão longe quanto podia até que
ela se perdesse na folhagem.
No entanto, mesmo diante
dessa sedução, ele tomou a outra via, que tinha uma agreste vegetação
dificultando-lhe o caminho. Fazer tal escolha foi, ao mesmo tempo, obter e
perder alguma coisa.
Na última estrofe, que
reproduzo aqui em português e inglês, ele resume a perplexidade da
situação:
"Suspirando, estarei contando a ti,
Daqui a
mil anos, o que aconteceu:
Dois
caminhos bifurcavam, e eu -
O menos
pisado tomei como meu
E a diferença está toda aí."
I
shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages
hence:
Two
roadas diverged in a wood, and I -
I
took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Ou seja, em minha vida
eu tomei a estrada mais difícil, menos usada, e isto fez toda a diferença.(...)
O poema de Frost fala de
algo mais ético e existencial. É inevitável associar a ele um outro poema, do
poeta português José Régio, intitulado "Cântico Negro", e que
começa assim:
"Vem por aqui!" - dizem-me alguns com olhos
doces,
estendendo-me os braços e seguros
de que
seria bom que eu os ouvisse
quando me
dizem: "Vem por aqui!"
Eu
olho-os com olhos lassos,
(Há, nos
meus olhos, ironias e cansaços)
e cruzo
os braços
e nunca vou por ali..."
E depois de repetir que
não segue os outros, que só vai por onde bem quer, o poema assim
termina:
"Não sei para onde vou
não sei
para onde vou.
- Sei que não vou por aí!"
André Gide
dizia que , nessa vida, o diabo é que dos cem caminhos a gente tem que escolher
um e ficar com a nostalgia dos outros 99.
É possível. E há quem
sinta nostalgia de todos os cem. Esse tipo de frase de efeito antigamente me
tocava. Mas hoje, menos pretensiosamente, acho que nos cabe tornar o caminho
escolhido mais belo e nele descobrir seus fascinantes mistérios.
Affonso
Romano de Sant'Anna -
Tempo de delicadeza