quarta-feira, 27 de junho de 2012

James Jean
Pois os homens e as mulheres não são somente eles mesmos. São a região onde nasceram, o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, as brincadeiras que brincaram na infância , as conversas fiadas que ouviram por acaso, os alimentos que comeram, as escolas que frequentaram, os poemas que leram e o Deus em que creram.
Somerset Maugham

segunda-feira, 25 de junho de 2012


Oração da Criança

Abençoai o leite e o pão
E este macio colchão
Em que vou ficar deitada
Descansando, sossegada.
E fazei com que eu não tenha
Medo da noite que passa,
E durma até que o sol venha
Bater na minha vidraça.



Abençoai meus brinquedos
Que para mim não têm segredos;
Meus sapatos que aonde eu queira
Me levam; minha cadeira;
E a lâmpada, e o fogo ardente;
E essa mão boa e paciente
Que cuida tão bem de mim;

E os meus amigos; e enfim,
Minha mamãe, meu papai,
Sempre unidos. Abençoai Pelo mundo diferente
Os filhos de toda gente.
E fazei com que eu também
Durma e acorde em paz. Amém!

Versão de: Guilherme de Almeida

quinta-feira, 21 de junho de 2012


ALICE NO PAÍS DO PLEBISCITO


Há uma passagem muito conhecida de Alice no País das Maravilhas, na qual a pequena
heroína de Lewis Carroll dialoga com um gato. Ela não quer mais continuar onde está e pergunta ao animal:
"Como posso sair daqui?" O gato responde: "Depende".
A menina indaga: "Depende de quê?" E o gato esclarece: "Depende de para onde você quer ir."

O diálogo prossegue. A garota diz que quer sair de onde está, mas não tem nenhuma
preferência quanto ao lugar para onde vai. Então o bicho lhe retruca: "Se você não sabe para onde quer ir, então é indiferente o caminho que venha a seguir."

O episódio tem fascinado os leitores de Lewis Carroll desde o século passado. Como toda criação importante da fantasia literária, ele comporta diversas interpretações e não se deixa esgotar por nenhuma delas.

 Todos nos identificamos com Alice, na medida em que já vivemos situações nas quais estávamos em lugares de que desejávamos sair, fosse para onde fosse. E todos reconhecemos a sabedoria do gato, que nos lembra que o sentido do nosso movimento é aquele que nós mesmos lhe imprimimos.
 Sem garantias antecipadas de sucesso.

A advertência do gato vale para a experiência de cada um e vale, também, para a história política, que somos chamados a fazer coletivamente. Na vida privada, cada um faz suas escolhas, tenta decidir seu futuro: opta por um trabalho, por um casamento, por uma determinada estruturação da família, por uma determinada organização da existência quotidiana (com seus prazeres e suas responsabilidades). Na história política, procuramos nos articular com o nosso grupo, assumimos nossos compromissos, discutimos, fazemos propostas, optamos por um programa de transformações que consideramos exeqüíveis e convenientes à nossa sociedade. Em ambos os casos, implícita ou explicitamente, estamos
decidindo para onde pretendemos ir.

Quando têm consciência, efetivamente, das escolhas que estão fazendo quanto à direção que decidem seguir (e sabem dos riscos que tais escolhas sempre comportam), é normal que as pessoas fiquem tensas, é compreensível que elas tenham momentos de hesitação e angústia.
Convém recordarmos, entretanto, que a hesitação, tanto na vida particular como na história política, tem sua legitimidade. E às vezes as pessoas ou correntes que não vacilam nunca são apenas aquelas que jamais param para pensar na gravidade da advertência do gato de Lewis Carroll:
 simplesmente fecham os olhos diante dos perigos.
Algumas embarcam no ônibus da utopia, sem examinar o itinerário que ele vai percorrer;outras enveredam por qualquer caminho (só para sair de onde estão); e há as que acabam se resignando a ficar onde já se encontram, aguardando passivamente uma salvação mágica.
(Leandro Konder in “O Globo”, 20/03/1993)

quarta-feira, 20 de junho de 2012


"Há sempre uma diferença entre querer e desejar.
 Querer corresponde a uma necessidade. Querer é algo que o indivíduo compreende. Eu quero tomar água, eu quero dormir, eu quero me proteger do frio.

 Enquanto desejar é aquilo que ninguém compreende, é algo muito particular, singular de cada um e jamais nós temos uma resposta que nos satisfaça completamente. Essa é a base da criação ou é a base do sofrimento.
 Na psicanálise o que acontece quando um desejo é realizado? São raros os momentos e nesse momento a pessoa tem uma sensação de uma quase morte. Os franceses chegam a chamar o orgasmo de uma pequena morte. A pessoa tem a sensação como se estivesse no olho de um furacão, uma sensação de perda de identidade, uma sensação de tontura, uma sensação de querer se agarrar no outro, e isso passa. O que é que vem depois? Pode vir uma depressão, de algo perdido, pode vir uma vontade de reinventar esse prazer tão rápido que é a realização de um desejo".
(Jorge Forbes)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mario de Andrade

Depois de mim existe uma cerca

Depois dessa cerca existe uma estrada

Depois outra cerca

Depois dessa outra cerca, um Ipê

Depois desse Ipê uma cerca
Depois outra estrada

Depois outra cerca

E depois existe você

quinta-feira, 14 de junho de 2012


TEMPO DE CRIANÇA

 

     Valdemiro Mendonça

O tempo que as princesas tinham tempo,

se foi no tempo das horas que já passou,

entre bordados, pincéis e bailes da corte.

ficou curto o tempo para coisas que amou.

 

Até o caramanchão de erva de passarinho

que eu fiz obedecendo à sua real quimera

não rebrotou com as chuvas  deste verão

também não quer florescer nesta primavera.

 

Quem sabe seja este jardineiro sem pratica

que não sabe cuidar de flores tão belas assim,

Ou quem sabe seja o doce olhar da princesa

Que não passeia mais pelo seu triste jardim.


Por isto desesperado plantei um canteiro

trevos de quatro folhas e arruda do norte,

quem sabe a princesa se lembre do jardim

e possa vir nos dar um pouquinho de sorte.

 


Pois ela nos mais loucos desejos se espalha

e suspira inebriada em seu sonho proibido,

tenta um reencontro da alma e seu encanto

na musica antiga que não tem mais sentido.


 
Hoje a torre norte não tem aquele doce canto

a voz bem timbrada saudando o brilho do luar,

pois fizeram um feitiço para a nossa  princesa

trocar o jardim sem flores pela estrela do mar. 

 

O cavalo alado que o príncipe deu de presente

anda tristonho, com saudade no esquecimento,

pois sua princesa nunca mais desejou cavalgar

voando nas nuvens brancas ao sabor do vento.


Vou fazer promessas para o São Jorge lá da Lua

para ele quebrar o feitiço desmanchando a teia,

para que toda noite que ela olhar da torre norte

veja sempre o brilho prateado de uma lua cheia.

 

Assim ela há de ver o jardim e talvez se lembre

da gangorra que eu fiz no pé de ipê antes florido,

quando eu empurrava e ela gritava, mais alto vai,

 hoje até ele não floresce pois se acha esquecido.

 
         Acho que a culpa não é só dela, sim da mãe natureza!

Que fez a princesa mudar modificando todo o seu ser,

e agora ela só fica sonhando aqueles sonhos malucos

por culpa desta tal natureza que fez a menina crescer.


terça-feira, 12 de junho de 2012

Vergonha
Aceitar-se com defeitos é o único jeito de suportar o olhar do outro sem ser aniquilado.
Se tiver que escolher entre sentir vergonha ou sentir culpa, o que você preferirá? Já respondeu? Agora respondo eu: prefiro sentir culpa.

Quando digo que errei, quero dizer que conheço o certo, mas não quis, não pude, não consegui fazer certo. Posso relatar circunstâncias que me levaram ao erro, pecado, transgressão. Se me sinto culpada, é porque acho que deveria ter feito o certo. Caberia a mim lançar mão do necessário para acertar.

A culpa parte de um conhecimento de causa ou de um conhecimento que eu supostamente deveria ter. Parece até que é de lei que o desconhecimento da regra pode atenuar, mas não isentar de culpa. Por aí se vê que a culpa é resultante de uma relação falha entre o sujeito e as regras do mundo. Cabe julgamento, perdão, absolvição. A culpa pode desaparecer sem deixar nódoa.

E a vergonha? A vergonha tem a ver com a autoestima. Com o que você imagina que deve ser para se gostar e se aprovar. Você pode morrer de vergonha de coisas pelas quais ninguém vai culpá-lo.

Quando nos envergonhamos, o olhar do outro se torna insuportável. O envergonhado quer deixar de existir para não ser visto na sua falha. A vergonha tem a ver com a depreciação instantânea de nós mesmos. Escorregar e cair nos deixa envergonhados. Sem condenação, sem perdão, sem absolvição.

Antigamente, chamava-se a área genital de "vergonha". O homem nu cobre seus genitais como último recurso para evitar a vergonha total. O tema chega a ganhar leis: é proibido desnudar-se em certos lugares. "Pode despir-se, eu sou médico", dizem os profissionais nos consultórios.

Temos vergonha de não poder pagar a conta de algo já consumido. Dizer que deixaremos nosso relógio em pagamento ou lavaremos pratos no restaurante são situações constrangedoras.

A vergonha pode ser paralisante. Vergonha do próprio corpo pode impedir a frequência a lugares esportivos. O gago fica mais gago por vergonha de ser gago. Quem enrubesce fica mais vermelho por vergonha de ter enrubescido. Quem sua nas mãos sua mais de medo de que percebam seu suor.
Todos queremos funcionar bem. Disfunções que não são culpa de ninguém diminuem a autoestima. Não saber quais talheres usar num banquete pode ser uma situação paralisante para quem se acha no dever de saber tudo. Quem acha que todos devem saber tudo tem vergonha de perguntar. Pedir orientação no trânsito é impossível para quem acha que tem que saber tudo.

A culpa não é paralisante. O juiz, as leis, os estatutos podem deliberar pela sua exclusão, por exemplo.

A vergonha só tem um remédio: aceitar-se com defeitos, o que significa se sentir com maior valor, melhorar a autoestima. Isso nos permitiria suportar o olhar do outro sem que esse olhar nos aniquilasse.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)
Folha de S.Paulo
12/06/2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012


O DESAFIO DO MAR

A construção de um navio parece com a formação das pessoas. Durante a gestação, o casco é construído até que é lançado ao mar: A Maior parte de um navio é colocada depois , como acontece com a gente.

Camarotes, porões, motores, guindastes, pinturas, enfeites, são acrescentados durante a infância e a adolescência, até o navio ficar pronto para a primeira viagem. Um navio fica pronto quando sai do estaleiro, mas com a gente é diferente e este é o desafio de cada um – pois crescemos todo dia e nunca ficamos prontos Apesar disso é preciso partir... mas nem todos tem coragem de ir e continuam atracados aos cais julgando-se incapazes de navegar sozinhos.

Alguns mal o dia amanhece, já partiram. Parecem muito ocupados e logo somem no horizonte. Desde cedo sabem o que querem e têm pressa de viver.

Outros navios também saem logo que podem, mas ficam dando voltas e mais voltas sem-chegar a lugar algum e acabam navegando só para comprar mais combustível todo dia e, o que ganham , mal dá para reformar o casco....

Os maiores desperdiçadores de seus próprios recursos são aqueles que não sabem  o que querem ...e o pior é que quando a gente não sabe direito o que espera do rumo que está tomando ou nem se tem um rumo , não pode corrigir a rota se estiver no caminho errado...

Nós somos os maiores responsáveis pelas tempestades que não conseguimos evitar.

Já outras pessoas deixam de navegar milhares de milhas para se conformarem com umas poucas centenas , porque têm medo de atrair ventos contrários ou então querem agradar ou impressionar alguém ..

Ninguém nos conhece melhor do que nós mesmos e, por mais que digam o que temos – ou não temos - que fazer,  ninguém pode viver a vida em nosso lugar .

Outras pessoas vivem frustradas e infelizes porque não conseguem ter as mesmas coisas que viram em outro navio. Algumas também ficam furiosas quando alguma coisa ou alguém não age ou sai como gostaria.


Não existe navio que não tenha passado por tempestade, e muitos afundam por não saberem evita-las por falta de comunicação ou por acharem que não precisam dos outros.
Vilmar Berna




·                                  


sexta-feira, 8 de junho de 2012


"A gente perde tempo respeitando as placas de sinalização da vida - pense, pare, reavalie, pondere, siga. Meu coração não tirou carta de motorista. 


Não entende de freios, pisa leve na terra. Segue cantarolando pelo caminho, pega atalho, planta flores, corre de medo, fala sozinho, chora, descobre paisagens surpreendentes, aprende com pessoas simples, inventa receita de bolo com cobertura de sorrisos. Deixou de se desesperar por pequenas batidas, poucas avarias. Sabe onde fica a estrada dos sonhos e quando se perde, se encontra, porque o caminho é físico, mas a direção é coisa divina."
(Renata Fagundes)



quinta-feira, 7 de junho de 2012



Queria os medos antigos, de eletricidade,

 de cobra, de defunto, não os de agora, 


sem eira nem beira.


 Adélia Prado

segunda-feira, 4 de junho de 2012


“O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas.

 Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fa- zendo.
Estou pen- sando.” Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia. O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem.

 Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas. O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
 O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski. Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco.

Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer. Resultado: não funciona. Chamado um técnico, a opinião deste era de que o aparelho estava tão estragado que o conserto seria caríssimo: mais valia comprar outro. Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e portanto estar tranqüilo. Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Aviso: não confundir bobos com burros.
 Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: “Até tu, Brutus?” Bobo não reclama.
Em compensação, como exclama! Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu. Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz. O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos. Ser bobo é uma criatividade e, como toda criação, é difícil. Por isso é que os espertos não conseguem passar por bobos. Os espertos ganham dos outros. Em compensação os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás não se importam que saibam que eles sabem. Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo.
 Ah, quantos perdem por não nascer em Minas! Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas. É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.
É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”

sexta-feira, 1 de junho de 2012


Renoir

“Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa, como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: - Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é mesmo um caso de poesia.”

(Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. A incapacidade de ser verdadeiro. Em: Poesia e prosa. Rio de Janeiro:

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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