sábado, 17 de setembro de 2011



O que aprendemos até agora–Affonso Romano de Sant’Anna

"A vida vai nos levando e, às vezes, a gente pára e se pergunta: "Mas o que foi que aprendi de essencial até agora?

"Essas rugas, esses cabelos brancos, esses filhos, esses netos, todos esses corpos, casas e países habitados, todos os jornais e livros que lemos ( ou que nos leram), os animais que tivemos, tudo o que nos exibiram nos museus do espanto, enfim, tanta alegria e perplexidade, tudo isto, para quê?…

Salomão foi sintético demais quando resolveu, já no ocaso dizer"vaidade das vaidades, tudo é vaidade".Há algumas sutilizas nessa aprendizado.


Talvez o verdadeiro aprendizado comece quando descobrimos que certas perguntas não têm respostas, que a arte da vida não está em achar respostas, mas em trocar de perguntas, que as fundamentais são irrespondíveis, e que as perguntas são mais viscerais do que as respostas.

Então, como naqueles jogos em que se vai lançando dados e avançando nas casas a percorrer, a gente pode dizer para outro:"Ah! Você ainda está nessa pergunta? Olha , eu já estou nesta aqui, é ótima, ela tem me enriquecido , mobilizado, me feito viver intensamente".


Sobre o amor a julga ter aprendido algo, mas sempre se surpreende que está repetindo as lições. Ah! O amor-esse interminável aprendizado. Cada amor é um amor, cada amor um jeito de amar o próprio amor. E reconhecendo que o amor é a essência das essências, então a gente pode reconhecer que erraram os que disseram que era o trabalho, a luta de classes e a guerra que moviam a história. O que move a história e nossos pequenos gestos é o desejo. O desejo e seus desdobramentos: amor e paixão. O resto são máscaras do mesmo.

Aprendemos, então, que se ama diferentemente em cada idade. E a perícia maior na arte de amar é descobrir as sutilezas do amor que em cada idade o amor nos doa.


Aprende-se com isto que o amadurecimento tem o som, o ritmo do adágio. Para trás vai ficando o saltitante "allegro vivace", chega um tempo em que assumimos o ritmo do discreto outono. E a nossa figura incorpora aquilo que se chama a pátina do tempo. Aprende-se que as amizades são delicadas. São muito delicadas as amizades, e muitas podem se romper ao mínimo descuido, e cultivá-las está entre a arte do ikebana e a arte da porcelana.


Aprende-se também que país é mais que um mapa, mais que um conjunto de forças econômicas e sociais, que um país, no fundo, é um desejo, uma fantasia que não se realizará jamais. Que cada um tem um país na cabeça, e do confronto de todas essas fantasias com as impossibilidades é que se faz o país possível.

Aprende-se que, na verdade, precisaríamos de poucas coisas, que a volúpia de possuir e de acumular é uma perversão dos civilizados. Precisamos de uma casa, do amor, da família, de meia dúzia de objetos e de amigos, precisamos que nos respeitem e, no entanto, meu Deus! como é difícil obter isto. Em certos livros clássicos há sempre uma cena em que alguém experimentado dá conselhos a um jovem que parte para a vida. Adianta pouco. O jovem só vai entender aquilo quando tiver feito metade da travessia.


Às vezes tenho a pretensão de achar que já estou começando a entender certas coisas. Há muito que tenho esta sensação,de que um certo sentido vai se configurando.Daqui a uns cem anos, quando eu morrer, vou pedir para me colocarem esse epitáfio entre duas reticências:



"...logo agora que eu estava começando a compreender...".

foto: Geraldo Cascaldi

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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