Entro nessa Quaresma sem fantasia, disposto às 
abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim mesmo, a minha verdadeira 
identidade.
Calarei a língua ferina e não macularei a fama 
alheia exposta em público no varal de minhas cordas vocais.
Não darei ouvidos a inconfidências, nem ao ruído 
ensurdecedor das palavras vãs de quem só escuta a própria voz.
Fecharei o olhos para ver melhor e abrirei as 
janelas à revoada dos anjos.
Contemplarei as montanhas ocas de minha terra e 
derramarei uma lágrima por seus úteros arrancados e sonegados ao meu 
povo.
Nesta Quaresma, riscarei de meu dicionário o 
vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei no coração 
solidariedade.
Irei ao encontro de quem ainda luta por direitos 
animais: comer, beber, educar a cria e abrigar-se das intempéries.
Só assim costurarei minha humanidade 
esgarçada.
Jejuarei da ânsia consumista e ofertarei meu 
supérfluo tão necessário ao próximo.
Abrirei a janela do carro e afagarei as crianças 
de rua, filhos de minha imobilidade frente a tantas injustiças.
Pagarei, com juros, a minha dívida 
social.
Farei de Jesus parceiro de aventuras e deixarei 
que o seu Espírito engravide o meu.
Buscarei o silêncio orante e meditarei para 
inebriar-me da espiritualidade do conflito.
Adotarei o Sermão da Montanha como estatuto 
pessoal e acertarei meus passos nas trilhas de Gandhi, Che Guevara e Luther 
King.
Arrancarei toda erva daninha - ciúme, inveja, ira 
- do canteiro de meus amores e cultivarei copas frondosas de quaresmeiras 
coloridas de ternura.
Serei perdulário com o bom humor e espalharei 
alegria como o ar que nos é dado a respirar.
Nesta Quaresma, participarei da Campanha da 
Fraternidade e direi não às drogas - as que me consomem horas de vida no cuidado 
envaidecido de meu corpo e as que me aprisionam no medo de lutar contra as 
iniqüidades.
Desfraldarei a bandeira de minha indignidade e 
revelarei esperanças que, olhos no futuro, me fazem acreditar num belo 
horizonte.
Peregrino solitário e solidário, irei às fontes 
do  transcendente.
Ao encontrar meu próprio poço,mergulharei como um 
menino em suas águas profundas, até que o Pai de Amor me acolha em seus braços, 
dando-me de beber o vinho pascal do homem 
novo.

