terça-feira, 8 de maio de 2012


O poeta grego Konstantinos Kavafis ( 1863-1933 ) tem um intrigante poema chamado "À espera dos bárbaros", em que narra que uma cidade vivia em função da chegada desses estranhos. Tudo estava ligado a isso. Ninguém modificava mais nada, porque os bárbaros vinham aí. Senadores não legislavam mais, para quê? apenas esperavam; cônsules punham suas togas bordadas, aguardando; o povo reunia-se na praça principal especulando, e até o rei postou-se na porta da cidade para saudar os invasores.
Sucedeu, no entanto, que notícias vindas das fronteiras, espantosamente, afirmavam que não havia mais bárbaros. E o poema termina dizendo:

"Sem bárbaros o que será de nós.

Ah! Eles eram uma solução."

O que espera a pessoa que espera?

Qual a função da espera?

O que o esperar pode ocultar?

A psicanálise fala da "espera angustiante", que provoca pesadelos, alucinações e incômodos de toda ordem.

Não parece ser esta exatamente a situação descrita nesse poema. Ao contrário, as pessoas estão bem dentro dessa espera. Alojaram-se nela confortavelmente. A espera as faz adiar projetos, obrigações, enfim, a vida.

No caso brasileiro, um povo que há quinhentos anos espera ser "o país do futuro", há uma outra frase que também explica nossa vocação para a espera: "Calma que o Brasil é nosso".
Claro que, nesse caso, reconheçamos, o que era uma espera calma está se tornando uma espera angustiante.
Em O deserto dos tártaros, Dino Buzzatti descreve uma fortaleza na borda do deserto, esperando um ataque inimigo, que nunca ocorre. As sentinelas ficam ali aguardando-aguardando e nesse aguardar passam a vida.
Em O castelo, Kafka narra a situação do personagem que passou toda a vida inutilmente esperando que a porta do castelo se abrisse para ele, sem se dar conta que ela, na verdade, já estava aberta.
Em Esperando Godot, Beckett coloca dois personagens esperando um misterioso personagem, que está para chegar, o qual não sabem quem é nem quando virá, mas essa espera vazia preenche suas vidas.
Eis aí exemplos da espera como uma forma concreta e imaginária de preencher o vazio.
Tanto quanto na ficção, na realidade muitas vezes espera-se que a solução venha de fora. Ainda que através de um choque, revolução ou catátrofe. Neuróticos podem esticar sua neurose ao extremo para ver se alguém os socorre, como quem procura o lugar mais fundo da piscina para que outros, alarmados, o salvem.
Algumas religiões estipulam o juízo final como uma espécie de catástrofe redentora que, paradoxalmente, possibilitaria a redenção.
É também a salvação de fora para dentro.
Da mesma maneira outros concebem a danação vinda também de fora para dentro, como forma culposa de redenção.
É estranho, mas, às vezes, o oponente, o mal, o invasor, o bárbaro terminam por conferir sentido às pessoas e comunidades.
O desnorteante é descobrir que o mal às vezes é imaginário, o oponente está dentro de nós e os bárbaros não virão.

Crônica extraída do livro "Tempo de Delicadeza"
de Affonso Romano de Sant'Anna





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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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