
Sucedeu, no entanto, que
notícias vindas das fronteiras, espantosamente, afirmavam que não havia mais
bárbaros. E o poema termina dizendo:
"Sem bárbaros o que
será de nós.
Ah! Eles eram uma
solução."
O que espera a pessoa
que espera?
Qual a função da
espera?
O que o esperar pode
ocultar?
A psicanálise fala da "espera
angustiante", que provoca pesadelos, alucinações e
incômodos de toda ordem.
Não parece ser esta
exatamente a situação descrita nesse poema. Ao contrário, as pessoas estão bem
dentro dessa espera. Alojaram-se nela confortavelmente. A espera as faz adiar
projetos, obrigações, enfim, a vida.
No caso brasileiro, um
povo que há quinhentos anos espera ser "o país do
futuro", há uma outra frase que também explica nossa vocação para
a espera: "Calma que o Brasil é nosso".
Claro que, nesse caso,
reconheçamos, o que era uma espera calma está se tornando uma espera
angustiante.
Em O deserto dos tártaros, Dino Buzzatti descreve uma fortaleza
na borda do deserto, esperando um ataque inimigo, que nunca ocorre. As
sentinelas ficam ali aguardando-aguardando e nesse aguardar passam a vida.
Em O castelo, Kafka narra a situação do
personagem que passou toda a vida inutilmente esperando que a porta do castelo
se abrisse para ele, sem se dar conta que ela, na verdade, já estava aberta.
Eis aí exemplos da
espera como uma forma concreta e imaginária de preencher o vazio.
Tanto quanto na ficção,
na realidade muitas vezes espera-se que a solução venha de fora. Ainda que
através de um choque, revolução ou catátrofe. Neuróticos podem esticar sua
neurose ao extremo para ver se alguém os socorre, como quem procura o lugar
mais fundo da piscina para que outros, alarmados, o salvem.
Algumas religiões
estipulam o juízo final como uma espécie de catástrofe redentora que,
paradoxalmente, possibilitaria a redenção.
É também a salvação de
fora para dentro.
Da mesma maneira outros
concebem a danação vinda também de fora para dentro, como forma culposa de
redenção.
É estranho, mas, às
vezes, o oponente, o mal, o invasor, o bárbaro terminam por conferir sentido às
pessoas e comunidades.
O desnorteante é
descobrir que o mal às vezes é imaginário, o oponente está dentro de nós e os
bárbaros não virão.
Crônica extraída do
livro "Tempo de Delicadeza"
de Affonso Romano de Sant'Anna