quinta-feira, 30 de dezembro de 2010


"Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar.


Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: “Devo estar diminuindo de novo”. Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.


E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinicerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor".

(Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, in Para gostar de ler; São Paulo, Ática, 1979.)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010


Vai, ano velho

Vai, ano velho, vai de vez,vai com tuas dívidas e dúvidas, vai, dobra a ex-quina da sorte, e no trinta e um,à meia-noite, esgota o copo e a culpa do que nem me lembro e me cravou entre janeiro e dezembro.Vai, leva tudo: destroços,ossos, fotos de presidentes,beijos de atrizes, enchentes,secas, suspiros, jornais.Vade retrum, pra trás,leva pra escuridão quem me assaltou o carro,a casa e o coração.
Não quero te ver mais,só daqui a anos, nos anais,nas fotos do nunca-mais.


Vem, Ano Novo, vem veloz,vem em quadrigas, aladas, antigas ou jatos de luz moderna, vem,paira, desce, habita em nós,vem com cavalhadas, folias, reisados,fitas multicores, rebecas,vem com uva e mel e desperta em nossso corpo a alegria,escancara a alma, a poesia,e, por um instante, estanca o verso real, perverso,e sacia em nós a fome- de utopia.


Vem na areia da ampulheta com a semente que contivesse outra se-mente que contivesse ou-tra semente ou pérola na casca da ostra como se outra se-mente pudesse nascer do corpo e mente ou do umbigo da gente como o ovo o Sol a gema do Ano Novo que rompesse a placenta da noite em viva flor luminescente.
Adeus, tristeza: a vida é uma caixa chinesa de onde brota a manhã.Agora é recomeçar.

A utopia é urgente.

Entre flores de urânio é permitido sonhar.
Affonso Romano de Sant'Anna

domingo, 26 de dezembro de 2010


NA ESPERA DO AMANHÃ
Affonso Romano de Sant'Anna


Vou dizer uma coisa banal: sem o mito do amanhã não existiríamos.
Digo e assumo essa fundamental banalidade. Não fora o amanhã secaríamos à beira dos caminhos. O amanhã é que fermenta o hoje, que fermenta o ontem.
Por que migram as aves sobre os oceanos?
Por que os peixes sobem cachoeiras procurando as nascentes do futuro?
Os animais, aves e insetos ao redor, nos dão lição de aurora.
Ganhei duas crisálidas de borboletas. Aprendi a ver nesses casulos as asas que se desenharão em algum céu. Seguro nas mãos essas formas vivas disfarçadas de vegetal. Imagino o futuro dessas células. Mas tal imaginação não é privilégio só meu. No meu quarto, dependuradas num vaso de samambaia, duas crisálidas me contemplam a mim. Elas sabem, mais que eu, a que horas duas estupendas borboletas sairão do útero do tempo para esbaterem contra as vidraças do dia.
A trepadeira no terraço, que avança dois-três contímetros cada jornada, seguindo o fio de náilon do tempo, me ensina a direção das coisas. O vento sopra pelas costas de suas folhas e ela navega verde na pilastra como uma caravela reinventando seu concreto mar.
O suicida é o que decretou a morte do amanhã.
O idealista é o viciado que toma o amanhã nas veias, aspira-o, esfrega-o nos olhos e gengivas.

No entanto, dizemos: "está difícil", "a vida está dura", "assim não é possível", "esse país não tem mais jeito", mas no dia seguinte, amarfanhados, caminhamos junto ao mar para saudar a aurora.
Sábia é a natureza, nos dizem. Olhai os lírios do campo, eles passam a vida tecendo e fiando a manhã. E o jardineiro que parece um perverso podador, tão-somente antecipa a floração da vida com suas lãminas de dor.
Em busca do amanhã as cobras perdem sua pele.
Penas caem na muda da plumagem airosa dos airões.
Cães ladram pressentindo o terremoto, que os homens sequer percebem. Os cães, quando uivam para a Lua, estão à sua maneira saudando o cio das madrugadas.
Em busca do amanhã uma nave passou por Marte e segue rumo a Urano.
Alguns pré-videntes já estão legislando a constituição do amanhã. E se acabarem com o amanhã aqui, ele continuará com outros seres menos ferozes em outras galáxias, mais humanas, talvez.
É assim que Penélope tecia e destecia seu amor nos fios da madrugada esperando Ulisses atracar na enseada.
É assim que Sísifo- o mais otimista dos deuses condenados- sempre rolava montanha acima a pedra que sempre rolava montanha abaixo.
É assim que Fênix- a fabulosa ave queimada nos desertos da Arábia- renascia das próprias cinzas e cantava transfigurada.
Deus é o renovado amanhã.
O que fazem os amantes pelos bares e praias, junto às árvores de noturnas ruas e nos leitos secretos, senão cumprir o ritual de crença no amanhã.
E o ano mais uma vez termina. E estamos comendo e bebendo as horas que faltam e ansiando por um novo dia. Também são assim os primitivos, quando celebram o potlach. Vão destruindo os objetos, as memórias que ficaram para reinaugurarem um ano novo.

Oh, amanhã! Os que vão viver te saúdam.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


INTERSER
“Se você for poeta, verá nitidamente uma nuvem passeando nesta folha de papel.
Sem a nuvem, não há chuva. Sem a chuva, as árvores não crescem. Sem as árvores não se pode produzir papel.
A nuvem é essencial para a existência do papel. Se a nuvem não está aqui, a
folha de papel também não está. Portanto, podemos dizer que a nuvem e o papel “intersão”.
Interser é uma palavra que ainda não se encontra no dicionário, mas se combinarmos o radical "inter" com o verbo "ser", teremos um novo verbo:

INTERSER.
Se examinarmos esta folha com maior profundidade, poderemos ver nela o sol. Sem o sol, não há floresta. Na verdade, sem o sol não há vida. Sabemos, assim, que o sol também está na folha de papel.
O papel e o sol intersão. E se prosseguirmos em nosso exame, veremos o
lenhador que cortou a árvore e a levou à fábrica para ser transformada em papel. E vemos o trigo.
Sabemos que o lenhador não pode existir sem seu pão de todo dia. Portanto, o trigo que se transforma em pão também está nessa folha de papel.
O pai e a mãe do lenhador também estão aqui.
Quando olhamos dessa forma, vemos que sem todas essas coisas, essa folha de papel não teria condição de existir.

Ao olharmos ainda mais fundo, também vemos a nós mesmos nesta folha de papel. Isso não é difícil porque, quando observamos algum objeto, ele faz parte
de nossa percepção. Sua mente está aqui, assim como a minha.
É possível, portanto, afirmar que tudo está aqui nesta folha de papel.
Não conseguimos indicar uma coisa que não esteja nela – o tempo, o espaço, o sol, a nuvem, o rio, o calor.
Tudo coexiste nessa folha de papel. É por isso que para mim a palavra
interser deveria ser dicionarizada. “Ser” é “interser”. Não podemos simplesmente ser sozinhos e isolados.
Temos de interser com tudo o mais. Esta folha de papel é, porque tudo o mais é.
Imagine que tentemos devolver um dos elementos à sua origem. Imagine tentarmos devolver a luz do sol ao sol.
Você acha que a folha de papel ainda seria possível? Não, sem o sol,
nada poderia existir. Se devolvermos o lenhador à sua mãe, tampouco teremos a folha de papel.
O fato é que esta folha de papel é composta apenas de elementos não-papel. Se devolvermos esses elementos que não são papel às suas origens, não haverá papel algum.
Sem esses elementos não-papel, como a mente, o lenhador, o sol e assim por diante, não haverá papel.
Por mais fina que esta folha seja, tudo o que há no universo está nela”.
Thich Nhat Hanh (poeta e jardineiro vietnamita).

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010


Quero ser catedral, para poder entrar no meu interior e encontrar paz e silêncio.
Compulsar-me ao som das sinfonias de Bach, elevar-me junto aos anjos dos vitrais e aninhar-me nos braços de Deus.
Quero ser catedral, para entregar-me em orações de amor.
(Eliete Cascaldi)

sábado, 18 de dezembro de 2010


Se partires um dia rumo à Ítaca

Faz votos de que o caminho seja longo repleto de aventuras, repleto de saber.

Nem lestrigões, nem ciclopes, nem o colérico Posidon te intimidem!

Eles no teu caminho jamais encontrarás

Se altivo for teu pensamento

Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito tocar.

Nem lestrigões, nem ciclopes

Nem o bravio Posidon hás de ver

Se tu mesmo não os levares dentro da alma

Se tua alma não os puser dentro de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.

Numerosas serão as manhãs de verão

Nas quais com que prazer, com que alegria

Tu hás de entrar pela primeira vez um porto

Para correr as lojas dos fenícios e belas mercancias adquirir.

Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos

E perfumes sensuais de toda espécie

Quanto houver de aromas deleitosos.

A muitas cidades do Egito peregrinas

Para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo ítaca na mente.

Estás predestinado a ali chegar.

Mas, não apresses a viagem nunca.

Melhor muitos anos levares de jornada

E fundeares na ilha velho enfim.

Rico de quanto ganhaste no caminho

Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.

Uma bela viagem deu-te Ítaca.

Sem ela não te ponhas a caminho.

Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu

Se a achas pobre.

Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.

E, agora, sabes o que significam Ítacas.

Constantino Kabvafis (1863-1933)

in: O Quarteto de Alexandria - trad. José Paulo Paz.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010


"O tempo muda tudo". House retruca:"É o que dizem as pessoas, mas não é verdade. O que muda as coisas é o ato de fazer as coisas; se não fizermos nada, fica tudo como está".
Livro: House e a Filosofia/Todo Mundo Mente
Coordenação de Willian irwin

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

VIVER
"Se vive e se escreve sem rede de segurança”.
Nélida Pinon


Quero no meu poente lançar-me sem medo no porvir.
Eliete Cascaldi
"A vida é autoridade desordeira"
Mia Couto

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010


Ser elegante
Quando falamos em “elegância”, primeiramente, recordamo-nos de um jeito especial de vestir-se.
Refere-se à pessoa que tem bom gosto ao escolher suas roupas e um porte físico privilegiado.
Assim falando, essa referencia é destinada à elegância da “segunda pele”.
Mas a verdadeira elegância é muito mais do que isso. Não se compra, não sofre influência de época ou da moda, pois seus quesitos são alinhavados com atitudes pautadas em princípios éticos .
Aurélio Buarque de Holanda define elegância como:”Distinção de porte, de maneira, garbo, graça,encanto. Bom gosto, gentileza. Cortesia”.
Na elegância do Ser, direito e avesso são uma coisa só, isto é,a conduta não depende de com que está ou onde está. Elegantes são pessoas que vivem com paixão o que fazem, realizando seus dons com excelência e responsabilidade. Não são arrogantes perante o Outro, agem com naturalidade e estão sempre abertas a olharem as novas tendências de época com entusiasmo e abertura.
Ser elegante não é possuir bens materiais, sobrenomes famosos ou viver recluso em grupos de iguais. Sua marca é a afetividade, e a consciência de que faz parte de um todo maior.
É aquela pessoa que porta-se com interesse e respeito perante o Outro e com veracidade diante de si mesmo.
Concluindo, pode-se dizer que uma pessoa elegante, é alguém que tece, através do seu comportamento, um mundo mais bonito, e que mesmo espelhando-se em modelos que considera dignos, o faz com a sua marca singular.
(matéria para o jornal "O COMBATE" de Jaboticabal/Eliete T.Cascaldi Sobreiro )

terça-feira, 14 de dezembro de 2010


"Sarte tem um interesse pessoal pela questão da dependência que temos uns dos outros, o surgimento da autopercepção e da identidade pessoal. Ele vê a interação com os outros como algo necessário para a emergência de consciência reflexiva.Antes de se envolver com os outros, o indivíduo é consciente,mas não autoconsciente".

...House também ilustra o papel dos outros no desenvolvimento da autoconsciência.Os membros da equipe de House detêm a chave para a autopercepção dos pacientes; e ao diagnosticarem suas doenças, esses médicos ao mesmo tempo lhes expandem a autoconsciência.
Livro: House e a Filosofia:Todo mundo Mente
Coordenação de William Irwin

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

MAIS UM SELINHO RECEBIDO DE UM BLOG QUE ADORO!




Malu, obrigada por este carinho.


“Gosto da gota d’água que se equilibra na folha rasa, tremendo ao vento.
Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra: e ela resiste, no isolamento.
Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto: pronto a cair, pronto a ficar – límpido e exato.
E a folha é um pequeno deserto para a imensidade do ato.”
(Cecília Meireles, Epigrama n. 5

domingo, 12 de dezembro de 2010

Estou super feliz!

Acabo de ganhar meu primeiro selinho de um blog que gosto muito http://paraumundomelhor.blogspot.com/


Obrigada ,Vivi , por este presentão!




Tenho que colocar 10 coisas sobre mim, então vamos lá:


.adoro meu trabalho



.amo minha família



.sou católica por devoção



.tenho amigos maravilhosos



.minhas paixões são livros e músicas



.gosto de dormir cedo



.não gosto de eventos sociais



sou alegre e triste



.não sei ficar sózinha por muito tempo



.sou mineira de coração



Indico o selo:

Somos Noéis

Mar à vista

Sensivity

Inverso Meu

Catharsis

Vendo as cores da vida

Cheiro de flor quando ri

Contos e Encantos/Caio Fernando de Abreu

Interioridades

Apenas um cadinho de poesia

Regras:

1.Terei que passar o selo para 10 blogs

2.Terei que avisar para os 10 blogs que ganharam o selinho

3.Falar 10 coisas sobre você



.

sábado, 11 de dezembro de 2010


A noite chorou ou fui eu que chorei?
Lágrimas espalhadas nos lençóis azuis deixaram suas marcas.
O que ocorreu a noite no meu quarto de alma?
Sinto-me composta ou disposta?
Arrebatada ou roubada?
Acompanhada ou desamparada?
Só sei que houve choro, e depois...
nada mais foi como antes.
(Eliete)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010


Desculpe-me se não me encontrares.
É que estou ocupada guardando memórias doces nos recônditos do meu coração.
(Eliete)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

PRINCÍPIO DO VAZIO (Joseph Newton) Tens o hábito de juntar objetos inúteis, acreditando que um dia, não sabes quando, poderás precisar deles?Tens o hábito de juntar dinheiro, pois pensas que no futuro te poderá fazer falta?Tens o hábito de guardar roupas, brinquedos, sapatos, móveis, utensílios domésticos e outras coisas que já não usas há bastante tempo?…
E dentro de ti?
Tens o hábito de guardar o que sentes, discussões, ressentimentos, tristezas, medos, pessoas, etc?
Não faças isso!
É anti-prosperidade!
É preciso criar um espaço, um vazio, para que as coisas novas cheguem à tua vida.
É preciso eliminar o que é inútil em ti e na tua vida, para que a prosperidade venha.É a força desse vazio que absorverá e atrairá tudo o que tu desejas.Enquanto estiveres material ou emocionalmente carregado de coisas velhas e inúteis, não haverá espaço aberto para outras oportunidades.Os bens precisam de circular.
Limpa as gavetas, os armários, o teu quarto, a garagem, dá tudo o que já não usas.A atitude de guardar um montão de coisas inúteis, amarra a tua vida.Não são os objectos guardados que param a tua vida, mas o significado da atitude de guardar.Quando se guarda, considera-se a possibilidade de falta, de carência.É acreditar que amanhã poderá faltar e tu não tens meios de prover as tuas necessidades.Com essa postura tu estás a enviar uma mensagem para o teu cérebro e para a tua vida.
1 – Tu não confias no amanhã.
2 – Tu crês que o novo e o melhor, não são para ti, já que te alegras em guardar as coisas velhas e inúteis.

Renova-te…Limpa a tua alma, joga fora os ressentimentos, as mágoas, os medos, os desentendimentos, as tristezas.
Essas coisas amarram a tua vida.
Guarda somente alegrias, carinhos, felicidade, confiança, fé, amigos, bondade, amor…
Coisas que te fazem voar bem alto.Sê feliz.

domingo, 5 de dezembro de 2010


TERRA SONÂMBULA
MIA COUTO

LINDO...ADOREI...
algumas frases do livro

... "os sonhos são cartas que enviamos as nossas outras, restantes vidas".

..."O homem é como a casa, deve ser visto por dentro"!


"A riqueza é como o sal: só serve para temperar".

"Rindo as alegrias acontecem




sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


Nos últimos meses, li (ou percorri) meia dúzia de livros de conselhos para casais em crise ou para noivos que queiram construir um casamento feliz.Os livros de conselhos, em geral, são ótimos compêndios do bom senso. Funcionam, justamente, porque nos dizem coisas que já sabemos. A autoridade que nos aconselha é a sabedoria comum de nossa época.Saí dessas leituras com a impressão de que, em matéria de casamento, nosso bom senso é animado por boas intenções, mas não deixa de ser a expressão de uma cultura que, fundamentalmente, acredita e aposta pouco nas relações.Escolho, como exemplo, um conselho que, de formas diferentes, voltava assiduamente nos livros que li. Ele é inspirado por uma sabedoria prática incontestável.
Lembro-me de tê-lo eu mesmo oferecido com convicção mais de uma vez.Diz assim: "Não queira transformar seu parceiro". É a versão íntima de "ame-o ou deixe-o": é preciso gostar do parceiro assim como ele é, com todos os seus defeitos, pois é um erro engajar-se numa relação com o projeto de emendar nosso objeto de amor.Por quê? Simples: nesse caso, estaríamos amando apenas por confundirmos o parceiro com um ideal saído de nossas fantasias -e estaríamos querendo que ele, coitado, coincidisse com nossas miragens. Uma decepção brutal aguarda quem mantém essa conduta, que transforma as relações amorosas no teatro tragicômico das inadequações de cada cônjuge aos desejos e sonhos do outro.Portanto diz o conselho: amem-se assim como vocês são, cruzem-se, abracem-se etc., mas, de qualquer forma, aceitem-se. A ambição de transformar o outro pela relação é uma receita para o desastre. Deveríamos circular em nossa vida amorosa como carros nas rodovias: podendo nos cruzar e até andar juntos lado a lado, mas cientes de que as verdadeiras transformações recíprocas só acontecem nos acidentes.Não há como negar que o conselho parece sábio e bem-vindo. O problema é que ele sugere um pessimismo radical em matéria de relações: preconiza que se relacionar seja uma atividade sem consequência, praticada no absoluto respeito dos indivíduos imutáveis. Juntem-se e permaneçam iguais.
Examinemos de novo o argumento que justifica o conselho. Quando amamos, sempre atribuímos ao outro caraterísticas ideais que nos importam ou nos inspiram. Apaixonamo-nos porque, misteriosamente, vemos no outro qualidades que pegamos emprestadas de nossos sonhos. É inevitável que o equívoco seja desfeito um dia. Por exemplo: "Vi em você a mãe perfeita para nossos futuros filhos, e eis que você só pensa em fazer carreira e trabalhar". Ou então: "Vi em você um amante carinhoso e divertido. Quem é esse cara comatoso na frente do computador ou da TV?". Conclusão do conselho: quem se casa ou se acasala com a intenção de transformar o parceiro compra uma frustração garantida. É preferível evitar decepções e amar o outro pelo que ele é.Aqui, duas questões. Primeiro: será que existe um amor em que não atribuamos a nosso parceiro alguma qualidade extraordinária que de fato ele não tem? Será que uma relação em que não idealizamos nosso parceiro ainda é uma relação de amor? Em suma, é bem possível que o conselho nos condene a uma vida afetiva um pouco chocha. Paciência.A segunda questão é mais importante. Pergunto: será que a decepção é o único efeito dos sonhos com os quais embelezamos nossos objetos de amor? Ou seja, será que o amor, em última instância, só nos frustra? Vamos ver.De novo: quem nos ama vê em nós alguma qualidade ideal que, de fato, não temos. É bem provável que ele se decepcione (muito ou pouco). Tanto faz, pois o que importa é que, de qualquer forma, sua expectativa nos transformará. "Claro, não sou o amante maravilhoso que minha parceira apaixonada imaginava que eu fosse. Sou mesmo comatoso na frente da TV. Mas a expectativa de minha parceira -que me idealiza e que sonha comigo carinhoso e engraçado- é a única coisa que pode me arrancar da poltrona."Na verdade, mudamos (para melhor ou para pior) sempre graças a algum outro que espera de nós uma mudança. Uma criança cresce, por exemplo, alimentada pela expectativa amorosa dos pais. "Joãozinho é um Mozart", declara a mãe.Joãozinho abandona a música aos 13 anos: grande decepção. Mas resta que, se aprendeu a tocar um pouco, se a música passou a fazer parte de sua vida e mesmo se ele cresceu confiando em seus outros talentos, tudo isso foi graças ao sonho da mãe que olhava para ele e via Mozart redivivo.O modelo continua valendo na vida adulta: mudamos graças ao amor de quem nos idealiza e, assim, nos estimula a mudar. O amor é o motor de quase todas as nossas transformações.Portanto está certo o conselho de não perseguir nossos parceiros com a exigência de que mudem. Engajar-se num amor querendo mudar o outro é um projeto mal-aventurado.Mas um conselho mais corajoso e menos ditado pelos ideais celibatários de nossa cultura diria assim: esqueça o infausto projeto de mudar o outro, mas ame com o projeto de ser transformado pelo que o outro espera de você.
Contardo Calligaris

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


A LUA QUE EU NÃO DEI.

Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.Volto a narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: "Dar-lhe-ei o mundo, meu amor." E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua.
E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: "Dá, dá, dá..." Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.
A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:"Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas."Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera.E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: "O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar."Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.
Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

Cecílio Elias Netto

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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