terça-feira, 29 de junho de 2010

Não durmo para descansar...
simplesmente durmo para sonhar.

Walt Disney





"Não deixe que os seus medos
tomem o lugar dos seus sonhos"
Walt Disney

segunda-feira, 28 de junho de 2010

domingo, 27 de junho de 2010


A liberdade é realmente um jogo maior que o poder.

O poder diz respeito ao que você pode controlar.

A liberdade diz respeito ao que você pode desatar.

Harriet Rubin

quinta-feira, 24 de junho de 2010


MA-RA-VI-LHO-SO...
ESTOU AMANDO...
Em busca do Tempo Perdido (No caminho de Swann) ,Proust
"Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por que, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago. Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena.
Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos seus desastres, ilusórios sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou, antes, essa essência não estava em mim, era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza.
De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la?
Bebo um segundo gole que me traz um pouco menos que o segundo.
É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida.
É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intato a minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para meu espírito.
É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá.
Explorar? Não apenas explorar: criar.
Está diante de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar em sua luz.”

quarta-feira, 23 de junho de 2010


Tristeza, sim, tem fim
Músicas que ampliam a angústia do adeus nos lembram dos améns que dizemos para ficar junto de alguém.
QUANDO SOFREM pancadas que atingem o coração, as pessoas se perguntam por que, para corrigir os erros e se preparar para acertos.Mas o vazio que sentem é tão profundo que as paralisa.Provoca autopiedade, não autoanálise; depressão, não determinação. Ironicamente, um mergulho no desespero é um meio de se recuperar.Eu, quando estava de coração partido, ouvia baladas de Sinatra sobre a agonia do abandono: confirmavam e ampliavam o que eu já sentia.Se ele, em "I'm a Fool to Want You"(sou um tolo de te querer), podia implorar a alguém incapaz de amá-lo "Take me back!"(volte pra mim!), por que eu, mero mortal, não poderia ter a mesma fantasia? Deixava Sinatra me arrastar para o fino da fossa, onde podia exaurir minha dor e me erguer de novo.Ouvir música de autoajuda como "Amanhã é Outro Dia" me afundaria mais. Precisava me sentir como o personagem sem amor do livro "Tanto Tempo na Pior que o que Pintar é uma Boa".Quem se nega a fazer esse mergulho emocional tem medo de sentir. Alguns se protegem da dor do abandono depreciando-a. Comparam quem os deixou a bondes e dizem: outro logo vai passar.Outros fingem que o amor é indolor. Basta pensar em um recém-largado que tenta ser o mais animado da festa.Brasileiro também usa música de fossa para curar o coração, da desesperadora "Me Dê Motivo", de Tim Maia, à dilacerante "Atrás da Porta", na voz de Elis.Mas bossa nova melancólica também pode ser trilha de cena de amor ou animar baile. Casais mais velhos dançam agarradinhos ouvindo sucessos como "Tristeza Não Tem Fim" ou "Eu Sei que Vou te Amar", que evoca a dor de cada despedida.É o mesmo com a canção de Cole Porter, "Ev'ry Time We Say Goodbye", que sussurro para a minha mulher em momentos românticos.Essas músicas, ampliando a angústia do adeus, lembram-nos dos améns que dizemos por estarmos juntos."Futuros Amantes", de Chico Buarque, também investiga por que as músicas sobre amores que já se foram criam um clima romântico.Os vestígios do amor que a canção menciona (fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos) vão contagiar quem quer que os descubra.A mensagem da música? O amor é uma força que se autorregenera. Como a fênix mitológica, pode morrer em um clarão, mas se levanta das cinzas e nasce mais uma vez.


MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 27 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque- confissões e desabafos de um gringo brasileiro" (ed. Record).

segunda-feira, 21 de junho de 2010


Tenho comigo que chorar é nobre, expressão maior dos melhores sentimentos que habitam nosso interior.
Quando as lágrimas insistem em cair, quando os olhos ficam vermelhos e o nariz dá sinais de que fez seu esforço máximo para conter tal emoção, é a linguagem mais clara de que aquela pessoa está em contato com sua alma. As máscaras vão, como geleiras, despencando gradativamente.
É a pessoa em seu estado nu e cru; à flor da pele. Totalmente sem defesas, entregue, demasiadamente humana.
Talvez seja por sentir-se assim que, ao chorar, escondemos nossos rostos com as mãos; uma tentativa de proteger-nos frente a fragilidade que rompe : imperativa e retumbante.
Os olhos fecham-se, tentam comprimir-se com muita intensidade, mas os soluços saem do peito como vulcão. Nesses momentos, as lágrimas parecem gotas resignadas e caladas, que evadem envergonhadas daquela tempestade assustadora, procurando ,quem sabe, pelo mar...
Chorar é o melhor do nosso Ser; é como o dormir, onde todos são inocentes e puros.
É a alma que, com o seu soluço, tenta expressar a angústia perante o viver; é a confirmação da fragilidade ; é o entregar as armas.
Talvez, cobrir o rosto seja uma tentativa para que o outro não fique contagiado com essa aflição ou, quem sabe, porque desejamos viver nossa dor intimamente.
De qualquer forma, penso que não devemos dizer para uma pessoa não chorar, ou que pare com seu choro. Permita a expressão desse milagre ,e se quiser dizer alguma coisa, diga: chore quanto quiser ou precisar,e saiba que estarei aqui, bem perto de você.
Eliete Cascaldi Sobreiro


“Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne,e sangra todo dia.”
José Saramago (R.I.P.)

domingo, 20 de junho de 2010

Meu adeus a José Saramago
Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma.

Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008
Na categoria
Outros Cadernos de Saramago
José Saramago pelas lentes do fotógrafo SebastiãoSalgado


quinta-feira, 17 de junho de 2010

Nossa família está em festa...


Nossos corações celebram...

os 80 anos de nossa mãe: MARIA IGNEZ

faremos uma linda festa "SURPRESA"

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Mais surpresas na caminhada de domingo...
...há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado...
Seu relincho estremece as raízes

e ele ensina aos ventos
a alegria de sentir livres seus movimentos.

trechos da poesia de Cecília Meireles :Cavalinho branco

DOMINGO: CLARICE LISPECTOR

Que perfume, é domingo de manhã. O terraço está varrido. Liga o rádio, então. Almoçar tarde dá pensamentos, ele ri e dá-lhes uma forma. Se bebe água,mas domingo ninguém tem sede. E começa a beber vinho sem a ânsia da sede. Às quatro horas da tarde hastearão a bandeira no pavilhão.(Mas do que ele tem mesmo medo é dessas noites felizes de domingo) .

domingo, 13 de junho de 2010

Caminhando bem cedo tive uma linda surpresa...
Apaixonei-me
Será que é preciso dizer alguma coisa?

sábado, 12 de junho de 2010


CONSELHO PARA ESCOLHER CARREIRA

A escola pública italiana impunha uma aula semanal de religião (católica, claro). Na terceira série, aprendi que, para me tornar sacerdote, seria imprescindível que eu tivesse "a vocação" (com o artigo definido).
Em princípio, essa condição facilitava as coisas: afinal, ou eu era chamado por Deus ou não era. No entanto, Deus não chama a gente por carta registrada.

Era possível, eu pensava, que ele se manifestasse por sinais misteriosos, que eu não entenderia, ou pior, que eu evitaria entender -talvez porque preferisse perseguir ambições mais mundanas ou porque meus pais não gostassem da ideia de ter um filho padre.

Seja como for, se eu recebesse, mas não escutasse a chamada, não estaria apenas fazendo pouco caso da vontade divina: eu estaria fugindo de meu destino, seria culpado de desperdiçar minha vida.
Na quarta e quinta séries, foi a vez de o Estado se preocupar com nossas vocações. Naquela época, era necessário escolher muito cedo entre o clássico, o científico e os cursos técnicos que levavam diretamente para o trabalho, sem dar acesso para as faculdades.

Tratava-se, portanto, de saber se tínhamos jeito para as humanas ou para as exatas e, em cada caso, qual era o tamanho do nosso jeito. Uma casa caiu, sepultando seus moradores; seu primeiro pensamento é "se Deus existe, por que ele permite tamanho sofrimento?"; pois bem, as humanas são sua vocação.
Restava verificar, com outros testes, se você tinha pano suficiente para ser professor de filosofia ou se era melhor que você se contentasse em ser repetidor no primário.

De fato, a orientação profissional precoce eternizava a divisão social (nunca vi um aluno de classe média-alta ser encaminhado para cursos técnicos). Mas a intenção era nobre: descobrir qual era a semente escondida em cada um de nós.
Detectando o embrião de nossas aptidões e disposições, poderíamos agir de maneira que a vida realizasse plenamente o nosso potencial.

A partir dos anos 60, em grande parte graças à influência da psicologia de Alfred Adler, ficou claro que, na hora de escolher uma carreira, os talentos e as predisposições são tão importantes quanto os sonhos, os devaneios, as paixões e as imagens idealizadas de tal ou tal outra profissão que encontramos, por exemplo, nas ficções que nos marcam.

O medo de não escutar a chamada divina foi substituído pelo medo de não entender direito nosso próprio desejo -pois seríamos competentes, "realizados" e felizes só se nossa profissão for uma extensão de nossas paixões íntimas. Nesse caso, o trabalho seria leve e divertido, como um hobby.
Em suma, a semente que estaria em nós e que deveria vingar se tornou mais complexa. Mas a ideia de que existe uma semente que é preciso descobrir continuou valendo e preocupando pais e filhos.

Uma leitora, Cecília, me escreve sobre as inquietudes da filha, Luana, 16, na hora de escolher uma carreira que esteja "em consonância com a personalidade, o temperamento, o querer" de Luana e também "com o mercado do trabalho".
Uma sugestão para Luana. Entendo que a escolha de um vestibular, de uma faculdade e, em última instância, de uma profissão, pareça um ato definitivo, mas não é nada disso.

Você pode mudar de faculdade e de carreira; pode cursar um ano de direito, escolher passar para ciências sociais, decidir que o que você realmente quer é biologia e, quem sabe, cursar medicina aos 35 anos. Menos óbvio e mais importante é entender que essas mudanças não seriam a prova de fracasso algum.

Se você mudar de faculdade ou carreira, não será porque você se enganou na tentativa de descobrir qual era a semente que você carregava consigo.

Aliás, esqueça a ideia da semente. Ser jovem não é ser semente; é ser, antes de mais nada, uma narrativa aberta. Imagine que você é o começo de uma história: havia uma moça de 16 anos que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones e, um belo dia, ela saiu para fazer sua inscrição no vestibular... Continue. E lembre-se de que uma boa história tem reviravoltas e surpresas.

Em poucas palavras, em vez de tentar descobrir a famosa semente, invente sua vida.
CONTARDO CALLIGARIS

quarta-feira, 9 de junho de 2010

ALÉM DO ESPELHO
Quando eu olho o meu olho além do espelho
Tem alguém que me olha e não sou eu
Vive dentro do meu olho vermelho
É o olhar de meu pai que já morreu
O meu olho parece um aparelho
De quem sempre me olhou e protegeu
Assim como meu olho dá conselho
Quando eu olho no olhar de um filho meu
A vida é sempre uma missão
A morte uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Sempre que um filho meu me dá um beijo
Sei que o amor de meu pai não se perdeu
Só de ver seu olhar sei seu desejo
Assim como meu pai sabia o meu
Mas meu pai foi-se embora no cortejo
E eu no espelho chorei porque doeu
Só que olhando meu filho agora eu vejo
Ele é o espelho do espelho que sou eu
A vida é sempre uma missão
A morte uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
Toda imagem no espelho refletida
Tem mil faces que o tempo ali prendeu
Todos têm qualquer coisa repetida
Um pedaço de quem nos concebeu
A missão de meu pai já foi cumprida
Vou cumprir a missão que Deus me deu
Se meu pai foi o espelho em minha vida
Quero ser pro meu filho espelho seu
A vida é sempre uma missão
A morte uma ilusão
Só sabe quem viveu
Pois quando o espelho é bom
Ninguém jamais morreu
E o meu medo maior é o espelho se quebrar
João Nogueira e Paulo César Pinheiro
Homenagem ao meu querido pai que vive em nossos corações .

domingo, 6 de junho de 2010

Estava vazio...

A chícara espera pelo café,
A meia, pelo pé
E eu espero por você.

O prato está cheio,
O trânsito engarrafado
E eu espero por você.

A página está em branco,
O livro, por abrir
E eu espero por você.

Sou cheia de sonhos,
Você ,repleto de medos...
Mesmo assim: espero por você.

Sem tempo para amar
Sem espaço para dançar,
Com artérias entupidas
Com sobrecarga de deveres,
Mesmo assim: espero por você.

Vazios e cheios,
carentes e descrentes
vamos vivendo.
Será que cada dia
mais solitários seremos?

Desafio: Fábrica de Letras

Tema: Estava vazio

autoria: Eliete T. Cascaldi Sobreiro


quinta-feira, 3 de junho de 2010


Pôr da Lua
Hoje estou com uma tristeza mansa e bonita. Acabo de contemplar um pôr-da-lua...
Ah! Você nunca viu ninguém falar sobre "pôr-da-lua”? Nem eu. Os poetas falam muito sobre o pôr-do-soL "Mas eu fico triste como um pôr-do-sol”, escreveu Alberto Caeiro. E Wordsworth, nos seus versos famosos: «As nuvens que se juntam ao redor do sol que se põe/ ganham suas cores solenes/ de olhos que têm atentamente/ montado guarda sobre a mortalidade humana”. E Browning: “Quando nos sentimos mais seguros, então acontece algo: um pôr-do-soL E outra vez estamos perdidos». E Bachelar: A vela que se apaga é um sol que morre. A vela morre mesmo mais suavemente que o astro celeste"".
Os pores-do-sol nos comovem porque somos seres diurnos. O pôr-do-sol é o fim do dia. Metáfora do fim da vida. Daí a sua tristeza. E se fôssemos seres noturnos, aves para as quais o pôr-do-sol não é o fim, mas o inicio da noite? Então o sol poente anunciaria a madrugada da noite, o nascer do viver.
Põe-se o sol; nasce a lua. Com a lua nascente, para os seres noturnos, começa o tempo da vida, o tempo do amor. O cri-cri dos grilos, o coaxar dos sapos, o pio das corujas, o piscar dos vaga-lumes e o vôo frenético das mariposas. Pulsações de uma vida que desperta quando a noite cai e a lua nasce. Então, para os seres noturnos, um pôr-da-lua deve ter a mesma beleza triste que tem um pôr-do-sol para os seres diurnos.
Entre nós, humanos, não haverá seres noturnos? Indo um pouco mais fundo: não haverá em todos nós um ser noturno que aparece quando o ser diurno vai dormir? O sol desperta em nós o ser que pensa, age e trabalha. A lua desperta o ser que sonha, contempla e ama. Fala a Cecília sobre a lua que envolve os noivos abraçados. Ah! Como o verso ficaria ridículo se, em vez de lua, ela dissesse sol! A luz da lua desperta em nós o ser tranquilo. Parodiando Bachelard: «Quer ficar tranquilo? Contemple a lua que faz mansamente o seu trabalho de luz”. Há recantos da alma que só acordam sob a luz branca e fria da lua. Ouça os “Noturnos”, de Chopin, e sua nostálgica beleza. Como o seu nome diz, foi no silêncio da noite que Chopin os ouviu. E o “Clair de Lune”, de Debussy?
A psicanálise é um ser noturno. Ela só acorda quando o sol se põe e a noite desce. Ela só vê bem na escuridão. A luz do sol a ofusca. Por isso, durante o dia, ela fica em silêncio, deixando que outros falem. Descendo a noite, entretanto, os homens se põem a sonhar e a amar. É ai, em meio ao sonhar e ao amar, que a psicanálise acorda e se põe a cantar o seu canto manso de coruja de Minerva. Brilham luzes suaves na noite escura do inconsciente: estrelas, vaga-lumes, meteoros e luas, muitas luas... Quando essas luzes brilham, acordam os artistas, os poetas, os místicos e os intérpretes de sonhos. Estou triste porque contemplei um pôr-da-lua: Judith Andreucci era uma lua no mundo da psicanálise. Ela mergulhou no horizonte. Não mais veremos o seu brilho suave. Quem era ela?
Era uma maga de voz mansa e rosto tranquilo. Se estranham que eu a chame de maga, digo que foi o próprio Freud que reconheceu o parentesco entre a magia e a psicanálise (como Guimarães Rosa viu o parentesco entre a magia e a poesia).A psicanálise é um exercício de poesia. Não admira que Freud tenha encontrado iluminação para a sua arte não na ciência, mas na literatura. Somos literatura. Cada pessoa é um poema encarnado. Aprendemos psicanálise lendo-nos ruminantemente. Somos textos da literatura e da poesia do corpo. A nossa infelicidade —neurose, se quiserem— se deve ao fato de que nos esquecemos do poema que está em nós inscrito.
O psicanalista é o intérprete do poema estrangulado. Intérprete não no seu sentido comum, de alguém que diz em linguagem diurna o que o corpo diz em linguagem noturna. Essa é interpretação, necessária quando se trata de esclarecer obscuridades diurnas, de inspiração cartesiana, filosófica. Mas há um outro sentido para a palavra “interpretação”, que nos vem da música. O pianista lê a partitura silenciosa, deixa-se ser possuído por ela e, possuído, ele a “interpreta” ao piano: realiza-a como música, tornando sensível a beleza.
Pois nós somos partituras que nós mesmos não sabemos interpretar. O ofício do psicanalista é o oficio do artista: ele lê a partitura misteriosa que nós mesmos não entendemos e interpreta-a para que, ouvindo a nossa própria beleza, sejamos por ela libertados.
Judith Andreucci era psicanalista. Era uma intérprete, no sentido musical. Lembro-me bem da sessão em que conversamos sobre um sonho que tive: eu tocava o prelúdio 22, do primeiro volume do “Cravo Bem Temperado”. Mas o tocava de uma forma estranha, com as mãos cruzadas, enquanto dizia: “Esse prelúdio é muito organístico”.
A psicanálise (como a religião) tem uma vertente, a meu ver, sinistra, identificada por Bachelard de forma humorística: “O psicanalista é alguém que, diante de uma flor, logo pergunta: ‘Mas o estrume, onde está?”’. A doutora Juju — era assim que a chamávamos na intimidade— procedia ao inverso. Vendo estrume, perguntava: “E a flor, onde está?”. Ela se permitia ser levada pelo humor e pela beleza. Ela se deleitava com a minha música. Lembro-me que, relatando-lhe as coisas incríveis que aconteciam no sobradão colonial do meu avô, onde passei boa parte da minha vida, ela dizia com espanto e deslumbramento:
«Mas doutor, isso é mais fascinante que ‘Cem Anos de Solidão”’. Foi ela que me encorajou a explorar o inconsciente belo e equilibrado que é o nosso destino.
No seu consultório, havia uma gravura que me impressionou e da qual não me esqueço. Era um enorme bloco de gelo, transparente, um iceberg flutuando no mar e, dentro dele, uma figura humana congelada. Haverá metáfora mais forte para a condição humana?
A lua se pôs. Mas a sua luz, onde tocou, ficou...

Rubem Alves - psicanalista, escritor e professor emérito da Unicamp, é autor de “O Amor que Acende a Lua” e "Concerto para Corpo e Alma", entre outros. www.rubemalves.com.br

quarta-feira, 2 de junho de 2010


Quino, Autor da “Mafalda”, desiludido com o rumo deste século no que respeita a valores e educação, deixou impresso nos cartoons o seu sentimento.


















Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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