sábado, 7 de novembro de 2015


Caixa de lápis de cor

 

 

 Todo mundo é confuso como vozes na noite.

Fernando Pessoa

 

 

Quando ainda estudante de psicologia, lembro-me de uma professora que tinha um jeito muito carinhoso de aproximar-se de alguém que estava com depressão. Ela perguntava: "Quem roubou sua caixa de lápis de cor"?
 
 Ou então, “..hoje parece que o vermelho não está aí!”, para falar da falta de vitalidade, energia e disposição que  presenciava naquela pessoa.

Sabemos que as cores revelam o nosso estado de espírito e de saúde, influenciam nossa conduta e até mesmo as nossas emoções.

Podemos brincar com a ideia da caixa de lápis de cor, dizendo que na tristeza –sentimento não patológico - os lápis de cor não foram perdidos, mas precisam ser apontados. 

Na depressão, porém, tudo é diferente. A sensação é de não ter nenhum lápis colorido. Só há lugar para apatia e para o vazio. A vitalidade é quase nula. Há uma sensação de perda muito grande e o mundo mostra-se carregado de ameaças.

 A pessoa com depressão sente-se despojada de certas formas de sentir e ser, e tem dificuldade em conviver socialmente; até mesmo com os familiares. Afasta-se do contato para evitar a dor e a vergonha, pois não consegue compartilhar dos sentimentos de alegria e otimismo que o Outro demonstra ter.

A depressão é uma doença do corpo todo e não só do cérebro. Atualmente a O.M.S. estima que a depressão afeta quatrocentos e cinquenta milhões de pessoas em todo o mundo e que o número dobrou nos últimos cinquenta anos.

Mas, mesmo com todas as informações, ainda é uma doença incompreendida e bem pouco tolerada.

Na História da Humanidade, encontramos desde sempre o procedimento de atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem e com a depressão isso parece ser ainda mais forte. É comum essas pessoas sentirem-se incompreendidas ou “cobradas” por não conseguirem reagir de forma diferente.

Assim, além de enfrentar o sofrimento psíquico, a pessoa também sofre com o preconceito.

É necessário e urgente termos, frente às doenças da alma, maior compreensão e aceitação, e não nos fecharmos em resistências tolas.

Se formos sensíveis, inteligentes e humanos podemos fazer dessa situação uma ótima oportunidade de viver com o Outro a experiência de companhia, amizade e solidariedade. Ficar perto um pouquinho, tocá-lo e ouvir esse ser humano tão debilitado emocionalmente são os bálsamos necessários para os hematomas da alma. Não é necessário ter uma explicação convincente sobre o porquê da doença ou dizer palavras sábias de fortalecimento. O fundamental é a intenção de acolher.

Para essas situações das quais  ninguém está imune de viver, Arthur da Távola deixou-nos uma bela receita:

“Só quem já foi capaz de sentir os muitos sentimentos do mundo é capaz de saber algo sobre as outras pessoas e aceitá-las,com tolerância.
Sentir os muitos sentimentos do mundo não é ser uma caixa de sofrimentos.
Isso é ser infeliz. Sentir os muitos sentimentos do mundo é abrir-se a qualquer forma de sentimento.”

 

O prazer de ver o mundo como uma linda caixa de gizes coloridos, que está ao nosso dispor, vem devagar nas pessoas com depressão, e cabe a todos nós ajudá-las nesse processo. Mas, para isso, precisamos crer na capacidade de renovação de cada ser humano e lembrar que toda doença pede ação, mas também, o exercício da paciência.
 
texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro
           escrito para o Jornal O COMBATE
imagem: da internet

 

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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