terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Escolha o Seu Sonho
Devíamos poder preparar nossos sonhos como os artistas, as suas composições. Com a matéria sutil da noite e da nossa alma, devíamos poder construir essas pequenas obras-primas incomunicáveis, que, ainda menos que a rosa, duram apenas o instante em que vão sendo sonhadas, e logo se apagam sem outro vestígio que a nossa memória.

Como quem resolve uma viagem, devíamos poder escolher essas explicações sem veículos nem companhia – por mares, grutas, neves, montanhas, e até pelos astros, onde moram desde sempre heróis e deuses de todas as mitologias, e os fabulosos animais do Zodíaco. Devíamos, à vontade, passear pelas margens do Paraíba, lá onde suas espumas crespas correm com o luar por entre as pedras, ao mesmo tempo cantando e chorando. – Ou habitar uma tarde prateada de Florença, e ir sorrindo para cada estátua dos palácios e das ruas, como quem saúda muitas famílias de mármore... – Ou contemplar nos Açores hortênsias da altura de uma casa, lagos de duas cores e cestos de vime nascendo entre fontes, com águas frias de um lado e, do outro, quentes... – Ou chegar a Ouro Preto e continuar a ouvir aquela menina que estuda piano há duzentos anos, hesitante e invisível – enquanto o cavalo branco escolhe, de olhos baixos, o trevo de quatro folhas que vai comer...

Quantos lugares, meu Deus, para essas excursões! Lugares recordados ou apenas imaginados. Campos orientais atravessados por nuvens de pavões. Ruas amarelas de pó, amarelas de sol, onde os camelos de perfil de gôndola estacionam, com seus carros. Avenidas cor-de-rosa, por onde cavalinhos emplumados, de rosa na testa e colar ao pescoço, conduzem leves e elegantes coches policromos...
... E lugares inventados, feitos ao nosso gosto; jardins no meio do mar; pianos brancos que tocam sozinhos; livros que se desarmam, transformados em música.

Oh! os sonhos do "Poronominare"!... Lembram-se? Sonhos dos nossos índios: rios que vão subindo por cima das ilhas: ...meninos transparentes, que deixam ver a luz do sol do outro lado do corpo... gente com cabeça de pássaros... flechas voando atrás de sombras velozes... moscas que se transformam em guaribas... canoas... serras... bandos de beija-flores e borboletas que trazem mel para a criança que tem fome e a levantam em suas asas...
Devíamos poder sonhar com as criaturas que nunca vimos e gostaríamos de ter visto: Alexandre, o Grande; São João Batista; o Rei David, a cantar; o Príncipe Gautama...
E sonhar com os que amamos e conhecemos, e estão perto ou longe, vivos ou mortos... Sonhar com eles no seu melhor momento, quando foram mais merecedores de amor imortal.
Ahl... – (que gostaria você de sonhar esta noite?)
MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho.26 ed., Rio de Janeiro: Record, 2005, PP. 1

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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