
Vai, ano velho
Vai, ano velho, vai de vez,vai com tuas dívidas e dúvidas, vai, dobra a ex-quina da sorte, e no trinta e um,à meia-noite, esgota o copo e a culpa do que nem me lembro e me cravou entre janeiro e dezembro.Vai, leva tudo: destroços,ossos, fotos de presidentes,beijos de atrizes, enchentes,secas, suspiros, jornais.Vade retrum, pra trás,leva pra escuridão quem me assaltou o carro,a casa e o coração.
Não quero te ver mais,só daqui a anos, nos anais,nas fotos do nunca-mais.

Vem, Ano Novo, vem veloz,vem em quadrigas, aladas, antigas ou jatos de luz moderna, vem,paira, desce, habita em nós,vem com cavalhadas, folias, reisados,fitas multicores, rebecas,vem com uva e mel e desperta em nossso corpo a alegria,escancara a alma, a poesia,e, por um instante, estanca o verso real, perverso,e sacia em nós a fome- de utopia.

Vem na areia da ampulheta com a semente que contivesse outra se-mente que contivesse ou-tra semente ou pérola na casca da ostra como se outra se-mente pudesse nascer do corpo e mente ou do umbigo da gente como o ovo o Sol a gema do Ano Novo que rompesse a placenta da noite em viva flor luminescente.
Adeus, tristeza: a vida é uma caixa chinesa de onde brota a manhã.Agora é recomeçar.

A utopia é urgente.
Entre flores de urânio é permitido sonhar.
Affonso Romano de Sant'Anna