sábado, 29 de junho de 2013

Desdobramentos


O homem quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade.
O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome.”



Hélio Peregrino
(introdução do livro “O Encontro Marcado” de Fernando Sabino)

sábado, 22 de junho de 2013

Opinião: Nós estamos vivendo o resultado de uma série de paradoxos

HELIO DE LA PEÑA
Especial para a Folha De São Paulo/22 de junho de 2013

 
Não se fala em outra coisa, não se escreve sobre outra coisa. Nunca tantos falaram tanto sem saber o que estão dizendo. Quem afirma algo com convicção hoje é obrigado a desdizer tudo amanhã.
Temos que tomar cuidado com as certezas absolutas. É preciso entender a mensagem das ruas e ninguém sabe onde fica a tecla SAP.
Se tivesse que arriscar uma síntese para o que está rolando, diria "chega de caô!". Estamos vivendo o resultado de uma série de paradoxos.
A coisa é tão complexa que temos que agradecer aos prefeitos por não terem baixado as tarifas de ônibus logo de cara e à truculência da
polícia nos protestos.
Sem essa ajuda, talvez não tivéssemos chegado a esse ponto em que tudo está sendo posto em cheque. Por R$ 0,20, muitos bilhões desviados estão sendo denunciados. Escândalos estão sendo desmascarados pela máscara inspirada em Guy Fawkes, um inglês do século XVII.
Fazia tempo que os estudantes não saíam às ruas. A primeira vez que participei de um movimento desse tipo foi em 1977, quando foi ressuscitado o movimento estudantil.
Queríamos reviver a Passeata dos Cem Mil de 1968. A atmosfera foi parecida, respirávamos democracia no fim da ditadura. Depois voltei às ruas pela anistia, pelas Diretas Já, pelo impeachment do Collor, entre outras vezes menos marcantes.
Participei ativamente do movimento estudantil. Embarquei nesse ambiente político universitário cheio de esperança. Mas testemunhei muita sujeira.
Os estudantes sendo iludidos por raposas velhas de partidos de esquerda que faziam uma mímica de democracia, enquanto decidiam tudo em conchavos na calada da noite.
Era do Partidão e vi bem como era isso. As lideranças se orgulhavam de conduzir a massa pra onde ela não sabia que queria ir, era o que se dizia. Lembro do caso de uma mãe procurando pelo filho na PUC do Rio. Ao encontrar um grupo de estudantes, perguntou: "Vocês conhecem o fulano? Ele é o líder de vocês...".
Até então acreditávamos no estereótipo do bem e do mal. O bem era a esquerda, o mal, a direita. A esquerda podia fazer cagadas, manipular opiniões, até desviar verbas pela causa. "Os fins justificam os meios", diziam as lideranças progressistas.
Conseguimos, enfim, derrubar a direita e colocar a esquerda no poder. E o que se viu? A maior sequência de escândalos e corrupção da nossa história.
Mentiras se repetindo, inimigos chegando a acordos, direita e esquerda fazendo de tudo para se perpetuarem no poder. Lula, Collor, Sarney, Dilma, Maluf, todos na mesma mesa de jantar.
Os absurdos são anteriores à era PT, mas foram se acumulando e continuam. Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos, Renan na presidência do Senado, Genuíno, condenado, eleito e legislando sobre a ação do Judiciário, estádios bilionários construídos em cidades sem time na primeira divisão, estatísticas maquiando nossa realidade... Até que, por R$ 0,20, tudo vem à tona.
Ninguém sabe onde isso vai dar. Não se sabe como fazer pra mudar a situação. Este "foda-se" que sempre deram pra nós agora estamos devolvendo pra eles.
Vandalismo não é solução, nem violência policial. Qual o próximo passo? A vontade é tirar todos de todos os cargos. Mas, em algum momento, alguém terá que representar essa nova mentalidade.
O voto é nossa arma mais poderosa. Não vamos conseguir botar 170 milhões de pessoas no Palácio do Planalto. E aí vamos ter que confiar que a sinceridade é possível, que as intenções serão de fato as melhores.
Talvez não seja agora. Não sabemos como nem quando. Queremos acreditar que um dia vai ser. Por ora,resgatemos a utopia. Já é um grande passo.
Helio de la Peña, 54, é humorista do Casseta & Planeta, ator e roteirista da TV Globo.

segunda-feira, 17 de junho de 2013


Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.


Pablo Neruda

domingo, 9 de junho de 2013

LEE SIEGEL, - O Estado de S.Paulo/09/06/2013
 
A FACE OCULTA DO NOVO

 
notícia causou frisson na minha cidade suburbana ao lado de Nova York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o ensino secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento, Teve morte instantânea.
 
Como sempre ocorre quando se noticia um suicídio, a questão de por que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem. Atormentou estranhos, também, porque o suicídio é o mais íntimo dos tipos de violência. Ele nos faz perguntar não somente por que determinada pessoa o cometeu, mas por que alguém o faria, confrontando-nos assim com o aspecto mais despojado da existência. Mas desta vez a tentativa de entender o mistério por trás de um suicídio cobriu-se de especial urgência. É que, segundo estudo divulgado algumas semanas atrás, o número de americanos que estão se matando atingiu um nível sem precedentes.
No período de 1999 a 2010, o suicídio de americanos entre 35 e 64 anos de idade cresceu quase 30%. Mais pessoas nos Estados Unidos morrem hoje pelas próprias mãos do que em acidentes de carro. Entre homens na faixa dos 50 anos, a taxa de suicídio cresceu 50%.
Os intelectuais imediatamente se lançaram à tarefa de tentar entender a nova e assustadora estatística. Quando tiverem terminado, o crescimento da "autochacina" nos Estados Unidos terá sido eclipsado por confortadoras explicações racionais:
há mais pessoas solitárias do que nunca; há mais gente armada que nunca; pessoas em áreas rurais são mais propensas a se matar do que em lugares mais densamente povoados; os chamados baby-boomers - pessoas nascidas durante a onda de prosperidade do pós-2ª Guerra entre 1946 e 1964 - têm expectativas impossivelmente altas que simplesmente não podem se realizar no mundo real.
Todos esses fatores são difíceis de provar, e têm importância apenas limitada.
As verdadeiras razões por que o suicídio está em ascensão, em especial entre homens na faixa dos 50, são desconcertantes demais para serem abordadas diretamente. Isso porque são o lado escuro de tendências que estão sendo constantemente comemoradas.
Comecemos pela desintegração familiar. De cada canto da sociedade comercial, ser solteiro é projetado como a existência ideal. O mercado prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de famílias que tendem a poupar para o futuro. E gratificar os sentidos, todos os sentidos, é bem mais fácil quando não se está comprometido com outra pessoa.
Depois, há a internet, a invenção social mais impactante desde o automóvel. A web é direcionada para o indivíduo solitário, não para a família, ou mesmo o casal. As pessoas se conectam na rede por várias razões, é claro, algumas de cunho prático ou mundano, mas quem se conecta quase sempre o faz sozinho, para satisfazer um ou outro impulso. Nesse contexto, não é a solidão que pode levar alguém ao suicídio. É o fato de que ficar solitário se tornou uma condição tão normal que está ficando cada vez mais difícil estar com outras pessoas. Os desafios e complicações decorrentes de se estar envolvido com outros estão se tornando insuportáveis para psiques acostumadas à existência solitária, vivida diante de suas telas.
Isso não significa que o capitalismo americano, incansavelmente inventivo, seja culpado do crescimento da taxa de suicídios ou algo assim. Países socialistas como os do norte da Europa têm taxas de suicídio notoriamente altas. As pessoas nessas sociedades com frequência têm tantas coisas de suas vidas decididas e administradas em seu favor que sua força de vontade se atrofia e um tédio mortal se instala. Mas o consumismo insanamente acelerado nos Estados Unidos, que de maneiras sutis e explícitas faz do celibato uma condição heroica, isola o indivíduo quando torna mais difícil para ele ou ela lidar com outros indivíduos.
Além das décadas de desintegração familiar, as décadas de erosão de simplesmente todo tipo de autoridade também separaram as pessoas das estruturas sociais que antes as sustentavam em tempos de dificuldade emocional. Tanto na cultura popular como na intelectual elevada, o padre, o ministro, o médico, o policial, o estadista foram todos expostos como fraudes ocultando a luxúria e a ganância por trás da fachada de autoridade enquanto abusavam cruelmente de seu poder.
 Algumas maçãs podres estragaram toda uma colheita da humanidade. Antigamente, uma pessoa angustiada podia recorrer a uma figura consoladora cuja competência fora sancionada pela sociedade. Agora, quando os salva-vidas sociais são todos acusados de não saber nadar, a sensação de não ter a quem recorrer ficou ainda mais aguda.
O preço proibitivo da assistência médica também joga com certeza um papel. Não poder pagar um profissional da saúde tem um efeito extremamente danoso em pessoas deprimidas propensas ao suicídio. Elas nem sequer conseguem obter uma receita de antidepressivo porque, ou não podem pagar a consulta de um médico que o receitaria, ou não podem pagar o próprio remédio.
Mas como a maioria dos suicídios parece ser de homens na faixa dos 50 anos, a principal razão do seu desespero é a rápida obsolescência de seu tipo social. A obsessão americana pela juventude tornou esses homens invisíveis. A rápida sucessão das novas ondas de tecnologias os fez sentir que já não se enquadram em seu ambiente. As mazelas econômicas dos últimos anos os privaram do emprego e da autoestima. E a intensificação da historicamente atrasada ascensão das mulheres - boa, positiva e necessária - tomou-lhes mais um pouco de terreno.
É difícil falar de todos esses desdobramentos como fatores por trás do aumento da incidência de suicídios porque tais fatores - cultura jovem, tecnologia, a mudança para uma economia de informação, a capacitação (de um certo grupo) de mulheres - são tendências de ponta das quais os Estados Unidos se orgulham. E quando as estatísticas de uma sociedade contradizem sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa sociedade manter seu estado de espírito feliz justificando e esquecendo as estatísticas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK



 

quarta-feira, 5 de junho de 2013


Quando eu era jovem, a

corrente que me arrastava corria forte e

rápida. A brisa da primavera derrotava-se

a si mesma, as árvores ardiam em flores e

os pássaros não dormiam, cantando sem

parar.


Naveguei vertiginosamente,

Arrebatado pelo dilúvio da paixão. Eu não

tinha tempo para ver, sentir ou deixar que

o mundo entrasse em meu ser.


Agora que a maré da juventude

Baixou e eu restei na praia, posso ouvir a

Profunda música de todas as coisas, e o céu

abre para mim o seu coração cheio de estrelas.

(Tagore, 1991,p.38)

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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