quarta-feira, 30 de novembro de 2011



Uma das orações matinais do poeta Juan Ramón Jiménez :


LIVRE-ME DE ADERÊNCIAS , AURORA.

Que hoje seja apenas hoje!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011



Um nenhum (Viviane Mosé)


(Publicado no site da agência Carta Maior, na sequência de cartas endereças “Ao arqueólogo do futuro”.)


Senhor arqueólogo, foi muito difícil encontrar um lugar a partir do qual pudesse me dirigir ao senhor. Infinitas são as perspectivas que nosso tempo nos permite, desintegrado que está por tantas razões que não caberiam nesta cartinha. Então, resolvi falar de um lugar comum.




O lugar de um homem. Todo homem é comum mesmo não sendo. O não ser comum do homem parece estar em sua forma própria de ser comum. Em seu jeito singular de sofrer, brincar, envelhecer. Em sua necessidade de construir, simbolizar, criar. Um homem não deixa de ser comum mesmo entre letras, livros, máquinas, sistemas, signos.


Um homem é sempre uma trajetória que declina.


Que ascende, mas que declina. O comum do homem é sua aparição relâmpago, o seu constituir e o seu perecer. O comum do homem é sua necessidade de dizer, manifestar, inscrever, perpetuar. Ao mesmo tempo sua impossibilidade de permanecer. Todo homem constitui-se na tensão entre viver e morrer, entre dizer e calar, entre subir e descer. Mas, por razões extensas e difíceis, a história humana parece ter se ordenado em torno da vontade de não ser.




Não envelhecer, não sentir dor, não se cansar, não se aborrecer. O homem parece envergonhar-se de ser: pequeno, sensível, mortal, humano. E organiza-se em torno de um ideal de homem, sem corpo. O homem envergonha-se de seu corpo. Não de seu sexo ou de seu prazer, mas de suas vísceras, de seus excrementos, de seus sons e odores, de seu processo bioquímico, fisiológico, orgânico. O homem envergonha-se de morrer e vai acuando-se, escondendo-se, perdendo-se em torno de uma idéia, de uma imagem.




Em sua luta por não ser comum, o homem tornou-se nenhum. Todo homem virou nenhum. Nenhum homem na rua, em casa. Nenhum homem na cama. Nenhum homem, mas um nome. O homem se reduziu a um nome. Não um nome próprio, mas um substantivo. Mas um homem é sempre maior que um nome mesmo que não queira. E uma outra história foi sendo tecida por trás desse desejo de não ser. Enquanto construía seus mecanismos de não corpo, enquanto se constituía como idéia, pensamento, imagem, a humanidade proliferava em seus excessos contidos, em suas angústias não canalizadas, em suas paixões não vividas, em seus pavores maquiados. E um corpo invertido, nascido de tantos corpos abafados, foi constituindo-se socialmente, foi ganhando força e vida.




Uma vida invertida, mas uma vida. Tóxica, ela foi se alastrando pelas casas, pelas ruas, em forma de morte. A morte negada, as perdas e dores abafadas, saíram às ruas reivindicando seu espaço. O que antes esteve circunscrito aos campos de batalha, às margens, aos guetos, agora ganha as escolas, os metrôs, os restaurantes, as praias. Não há mais lugar seguro, carros blindados, condomínios fechados. Agora todos somos igualmente passíveis.


Vivemos a democratização da violência. Vivemos o predomínio daquilo que foi por tanto tempo obstinadamente negado. A violência trouxe-nos de volta a urgência pelo corpo, pela vida, pelo tempo. E apartou-nos de nosso sonho de perenidade, de futuro, de verdade. Agora, todos estamos órfãos de nosso medíocre projeto de felicidade. Agora é preciso viver, temos urgência do instante, precisamos do corpo, mesmo gordo, magro, estrábico. E aqui, de meu lugar comum, de mulher comum, enquanto lavo a louça do café olhando a cor insistente da tarde que passa, me pergunto por quê? Por que não os dias nublados, as dores do parto, os serviços domésticos? Por que não o escuro, o delírio, a solidão? As lágrimas, os espinhos no pé, as quedas?



Dizem que o homem, como conhecemos, tende a desaparecer. É possível que uma espécie mais forte possa surgir, uma espécie capaz de um dia divertir-se com este nosso hábito demasiadamente humano de negar o inexorável, de controlar o incontrolável, e, não conseguindo, de esconder-se em cápsulas virtuais, em psicotrópicos de ultima geração, em imagens. Um homem que talvez tenha sempre existido pode começar enfim a surgir. Um homem capaz de viver a dor e a alegria de ser mortal, singular, sozinho, comum. Um homem capaz de gritar sua dor impossível.


Um homem capaz de cantar. Um homem capaz de viver.
Viviane Mosé, 2005

terça-feira, 22 de novembro de 2011



imagem: Calmeiro Matias


O silêncio de Deus impera onde a sede de poder converteu o homem em um ser hostil ao ministério da sua própria criação.



O silêncio diante de Deus, por sua vez, reina onde o homem, liberado de sua despótica ânsia por deter a supremacia, consegue se reconhecer como criatura e recupera, assim, a presença de seu Criador.



(KOVADLOFF, Santiago. O Silêncio Primordial – Ensaios. RJ: José Olympio, 1993, pp. 115-120) .




domingo, 20 de novembro de 2011

imagem da internet


Aprendimentos


O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza.


Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos.

Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles – esse pessoal.



Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala.


Sócrates falava que as expressões mais eróticassão donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.
Do livro: “Memórias Inventadas – As infâncias de Manoel de Barros”.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011



Quero ser jogada para cima e ter dois braços firmes me esperando.
Quero a certeza de ser esperada e muito amada.
Quem me roubou aqueles braços?

E.T.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011



...receber é estabelecer uma relação com a natureza ou com o universo.Se experimentamos o recebimento como um fenômeno unilateral, que se limita a algo que nos é dado, separamos-nos gradativamente da troca que, em última instância, representa vida.



...receber não é o fim de um processo,mas o início de outro sem o qual não há verdadeiro recebimento.



Para estarmos sadios, precisamos manter desobstruídas tanto as aberturas para iniciar o recebimento, como as aberturas para completar este recebimento.



Nilton Bonder/ A cabala da comida

segunda-feira, 14 de novembro de 2011



É preciso se despir da vaidade das certezas para alcançar a dor do outro – movimento imprescindível para o amor.”

Eliane Brum

domingo, 13 de novembro de 2011








A beleza, conquanto avara e rara, não é nunca amarga.







Assim como dizem que o riso faz bem à saúde, acho que um dia descobrirão que, servida desde cedo em doses certas, a beleza debela o cancêr da alma.



Tempo de delicadeza/Affonso Romano de Sant'Anna
Meu Deus, dai-me olhos e mãos amorosas para amar e servir a quem está proximo de mim.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011



"O que é doloroso demais lembrar, simplesmente escolhemos esquecer". O inconsciente pessoal se revela em lapsos da língua e em reações emocionais fortes (tanto positivas como negativas) a outras pessoas. Na maioria das vezes, expressa o seu conteúdo na produção de sonhos, arte, poesia e outros símbolos espontâneos.



Fonte: Despertando na meia-idade(Tomando consciência do seu potencial de conhecimento e mudança) de Kathleen A. Brehony

terça-feira, 8 de novembro de 2011



Quando quero ficar humilde eu visito os açougues,entro em um em um, pra ver as mulheres de chinelo de borracha, apertando os pedaços com aqueles dedos grossos que não merecem anéis.

Dizem que todo mundo tem uma crucificaçãozinha particular que é muito boa pra abaixar o orgulho e é mesmo.



A simplicidade é aquela que em todas as leis divinas deixa para os que vão perecer toda verbosidade, ostentação e preciosidade, enfeites e curiosidade, e vai atrás da medula e não da casca, do conteúdo e não do continente".(escritos de São Francisco).



Fonte: Adélia Prado /Solte os cachorros / Record editora








sexta-feira, 4 de novembro de 2011






A boa manhã
Rubem Braga




Apenas passo os olhos pelos jornais; jogo-os fora, alegremente, porque eles pretendem dar-me notícia de muitos problemas, e eu não tenho nem quero problema nenhum.


Acordei um pouco tarde, abri todas as janelas para o sábado louro e azul, e o mar me deu bom-dia. Passa um pequeno barco branco no mar de safira: como vai ligeiro, como vai contente, com seu bigodinho de espumas brilhantes! Uma ave se detém um instante peneirando, depois mergulha na vertical em grande estilo; quando volta, um pequeno peixe brilha em seu bico.


Chupo uma laranja, e isto me dá prazer. Estou contente. Estou contente da maneira mais simples - porque tomei banho e me sinto limpo, porque meus braços e pernas e pulmões funcionam bem; porque estou começando a ficar com fome e tenho comida quente para comer, água fresca para beber.


Nenhuma tristeza do mundo nem de meu passado me pega neste momento. Tenho prazer em ver que a Ilha Rasa está lá direitinha, em seu lugar, com o farol branco. Vejo ao longe, saindo da praia, dois amigos; estão conversando e rindo. Tomaram seu banho de mar, vão almoçar; estou contente porque os amigos vão bem e suas mulheres esperam crianças. Saúde e prosperidade! Estou contente porque recebi uma boa notícia. Nada de extraordinário, mas uma notícia muito simpática.

Sei que o mundo está cheio de horríveis problemas - e eu mesmo, pensando bem, tenho alguns bem chatos. Mas não estou pensando neles; estou vivendo nesta fresca manhã um momento de bem-estar, de felicidade.
Ora, considerando que a felicidade é uma suave falta de assunto, eu me despeço de todos com um cordial bom-dia e vou almoçar.



Não quero contar prosa, mas tenho arroz, feijão, carne, alface, laranja, pão, tudo o que um ser humano necessita para viver bem.


Um velho amigo vem honrar a minha mesa; falaremos com simpatia das mulheres bonitas desta formosa capital. Conversa de brasileiros! Bom dia, passem bem todos com suas mulheres, com seus amigos, com suas amantes também.

(“Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

imagem da internet




Do que eu preciso?

Anna Veronica Mautner*


A fronteira entre acumular pensando no futuro e o vício de guardar coisas inúteis parece tênue e é preciso saber reconhecê-la. Desde pequenos, quando ganhamos nossa primeira caixinha ou gaveta para guardar brinquedos, até adultos, donos de nossas casas, temos de exercer constantemente o poder de decisão -saber o que guardar e o que jogar fora, sem chorar depois.


Viver rodeado do passado pode ser confortável, mas afundar nele é pesado e acaba tendo como resultado a sensação de que o nosso futuro -os sete palmos de terra- já está aqui. Com espaço, é fácil manter ordem e encontrar o que procuramos. Cada coisa tem um tempo de vida -e há também a hora certa de se desfazer delas.


Vivendo em tempos de obsolescência precoce, como no caso dos aparelhos eletroeletrônicos, desfazer-se é imposição, com tempo previsto pelos fabricantes. Rádio velho poucos guardam. De roupas, louças e engenhocas ninguém sabe quando é hora de se desfazer. Nem estou falando ainda sobre o mar de papéis a nos inundar o cotidiano, cujo prazo de guarda é estabelecido pelo governo e por estatais.


A Receita Federal exige que todo cidadão guarde por uns tantos anos recibos de tudo que descontou. Eis um campo em que não se confia em computador. Para recibos ou procurações, é o papel que vale. E, quando o cidadão morre, cabe aos herdeiros, no que costuma ser um dia dos piores, remexer as intimidades oficiais do falecido. Aí, os sobreviventes decidem o que fica com quem e o que vai.


Nós, vivos, donos únicos das nossas coisas, resolvemos a cada dia o que vai e o que fica. "Será que um dia ainda vou receber para jantar ou posso passar adiante as minhas travessas?" Esse tipo de pergunta faz parte do amadurecimento, não só do envelhecimento. Quando é hora de jogar fora velhas cartas de amor? É sempre triste imaginar que ninguém vai curtir as fotografias que tanto significam para mim.


Viraram notícia os casos extremos de inutilidades acumuladas por certas pessoas, sempre gente solitária. O mau cheiro, os insetos e as queixas dos vizinhos acabam decidindo pelo indeciso acumulador. Li até um caso de uma pessoa que dormia na garagem, dentro do próprio carro (que também não era usado), por falta de outro espaço livre.

Não é só a morte a ameaça temida por aquele que acumula. Criança odeia quando jogam fora seus brinquedos, mesmo os velhos e quebrados. Freqüentemente o espaço privativo dos jovens vira depósito de camisetas, tênis, meias, CDs e engenhocas que eles pretendem reciclar um dia -que nunca chega. Numa kitchenette de jovem, encontramos dois copos e dois pratos, mas no corredor estão penduradas dez mochilas pelo menos.

O apego nem sempre resulta de escassez, traumas ou carência. É muito mais uma forma de protelar a chegada do dia de amanhã e de continuar fazendo de conta que hoje é ainda ontem.


A síndrome de "juntar coisas" com a falta de espaço gera um estresse que nos torna mais indecisos ainda e menos seguros para jogar fora. O que importa para usar amanhã, esse dia tão desconhecido?


Para não jogar nada fora, basta ter medo do amanhã.

[...] Cada coisa tem um tempo de vida, e há também a hora certa de se desfazer delas

*Anna Veronica Mautner, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
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Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0507200701.htm

terça-feira, 1 de novembro de 2011



Artigo publicado em: 20/03/08 por Antonio Ricardo Nahas


Picolé da alma

Quando criança adorava os picolés.
O meu recorde foram oito picolés em poucos minutos. Cada um de um sabor! Morango, abacaxi, creme holandês, limão, chocolate, coco queimado e uva. Que delícia!
Os picolés são mágicos. O vendedor de picolés é um grande vendedor de cores e sabores, quem sabe de verdades metafísicas.
Aquele carrinho carregava dentro de si sonhos e paisagens. Cada gosto me levava para um lugar diferente.
Enquanto chupava o picolé, minha mente viajava pelo mundo todo. Meditava nos mistérios da vida e do universo.
Cada pingo que caia fazia-me lembrar o quanto a vida é transitória.
Quando a gente chupa picolés não se pode perder tempo. Isso porque o calor também gosta dos picolés.
Talvez sejamos picolés! Cada um tem o seu sabor e a sua cor. Alguns são doces como o creme holandês, outros azedos como tamarindo.
Ou quem sabe somos todo o carrinho, lotado de picolés com todos os sabores e cores.
Mas todos os picolés têm o seu tempo. Alguns derretem mais rapidamente, outros demoram mais.
O fato é que todos nós derretemos no calor do tempo e da vida.
A cada dia um pingo de vitalidade se perde no calor da temporalidade.
Ficamos mais velhos e mais líquidos. O tempo tem o poder de derreter a solidez de nossos egos picolés.
O sólido ego no fluxo da existência vai transformando-se no líquido “self” da essência.
Todos os dias nós derretemos um pouquinho mais no calor da vida. E a vida é quente, muito quente.
Alguns derretem com sabedoria. Mas a maioria briga com os pingos coloridos que caem na terra.
Envelhecer não é nada fácil. Aceitar a transitoriedade da vida e o fato de que somos “hebreus”, para muitos, é experiência de terror.
Hebreu significa aquele que está de passagem. Somos passantes. Somos picolés.
A única coisa que não derrete é o palito. Mas o que é o palito?
O palito é a estrutura dos picolés. A coluna vertebral que dá suporte e base para o sólido que tem como destino o líquido.
O palito não derrete e pode até ser reaproveitado.
O que em nós não derrete com o tempo?
O que em nós permanece quando tudo é transitório?
Naqueles tempos já sabia que os picolés eram metáforas humanas. Brincar com os picolés é arte iniciática. É penetrar nos mistérios da vida e da morte.
Cabe a nós derreter com sabedoria e amor.
Porque cada gota que cai na terra será um dia uma nuvem no céu.
http://www.intirp.com.br/index.php

Apontadora de Idéias

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São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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