terça-feira, 14 de junho de 2011

foto: Eliete Cascaldi

Simplesmente

Vista de perto, toda a gente é monotonamente diversa.

Fernando Pessoa

A sala está em penumbra, e a cortina branca de seda balança suavemente.A brisa e o barulho da rua penetram timidamente pela janela.O dia esteve quente, e o trânsito, como sempre, infernal, fazendo com que ela demorasse a chegar a sua casa.Logo na entrada, lê a placa que comprou numa feirinha: ”Aqui tem gente feliz”.

Joga a chave do carro, a bolsa e finalmente seu corpo no sofá, respirando profundamente.Fecha os olhos, e com as mãos abraça seu corpo, desejando encontrar-se, ou melhor, procurando juntar seus pedaços e sentir que está viva.

Imóvel, dança no compasso de seu coração, cantarolando mentalmente: “Meu coração não sei por que, bate feliz quando te vê”...

O velho carrilhão, amigo fiel da família, parece querer dar-lhe as boas vindas, pois começa a tocar.Agora, relaxada, é capaz de sentir o cheirinho do jasmim que enfeita a sacada de sua casa.

Sabe que está vivendo um verdadeiro estado de graça e, consciente deste presente, procura retê-lo, assim como fez quando fixou fortemente em sua memória os olhos azuis de sua avó, minutos antes de ela falecer.

Sabe que a felicidade consiste nisso: na capacidade de absorver avidamente as pequenas coisas.

Esse momento é único; é o mar abrindo-lhe para que ela faça sua travessia a terra prometida, tal como Moisés.

Um barulho de chaves na porta ao lado e eis que o mar se fecha, e ela retorna ao mundo de todos. O vizinho chegando, indica-lhe que é hora de esquentar o jantar; logo as crianças entrarão em algazarra.

Ela daria tudo para poder prolongar esse momento de encontro profundo consigo mesma, de paz e solitude.

Mas é hora de “tratar da vida”...

Eliete Cascaldi Sobreiro

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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