
Simplesmente
Vista de perto, toda a gente é monotonamente diversa.
Fernando Pessoa
A sala está em penumbra, e a cortina branca de seda balança suavemente.A brisa e o barulho da rua penetram timidamente pela janela.O dia esteve quente, e o trânsito, como sempre, infernal, fazendo com que ela demorasse a chegar a sua casa.Logo na entrada, lê a placa que comprou numa feirinha: ”Aqui tem gente feliz”.
Joga a chave do carro, a bolsa e finalmente seu corpo no sofá, respirando profundamente.Fecha os olhos, e com as mãos abraça seu corpo, desejando encontrar-se, ou melhor, procurando juntar seus pedaços e sentir que está viva.
Imóvel, dança no compasso de seu coração, cantarolando mentalmente: “Meu coração não sei por que, bate feliz quando te vê”...
O velho carrilhão, amigo fiel da família, parece querer dar-lhe as boas vindas, pois começa a tocar.Agora, relaxada, é capaz de sentir o cheirinho do jasmim que enfeita a sacada de sua casa.
Sabe que está vivendo um verdadeiro estado de graça e, consciente deste presente, procura retê-lo, assim como fez quando fixou fortemente em sua memória os olhos azuis de sua avó, minutos antes de ela falecer.
Sabe que a felicidade consiste nisso: na capacidade de absorver avidamente as pequenas coisas.
Esse momento é único; é o mar abrindo-lhe para que ela faça sua travessia a terra prometida, tal como Moisés.
Um barulho de chaves na porta ao lado e eis que o mar se fecha, e ela retorna ao mundo de todos. O vizinho chegando, indica-lhe que é hora de esquentar o jantar; logo as crianças entrarão em algazarra.
Ela daria tudo para poder prolongar esse momento de encontro profundo consigo mesma, de paz e solitude.
Mas é hora de “tratar da vida”...
Eliete Cascaldi Sobreiro