quinta-feira, 20 de maio de 2010

Perder a Viagem
Você pede ao patrão para sair mais cedo do trabalho, aí pega um ônibus lotado, vai para um consultório médico que fica no outro lado da cidade, gasta seus trocados, seu tempo e seu humor e, ao chegar, esbaforido e atrasado, descobre que sua hora, na verdade, está marcada para semana que vem. Sinto muito, você perdeu a viagem. Todo mundo já passou por uma situação assim, de estar no lugar errado e na hora errada por pura distração. Acontecendo só de vez em quando, tudo bem, vai pra conta dos vacilos comuns a qualquer mortal. O problema é quando você se sente perdendo a viagem todos os dias. Todinhos. É o caso daqueles que ainda não entenderam o que estão fazendo aqui. Estão perdendo a viagem aqueles que não se comprometem com nada: nem com um ofício, nem com um relacionamento, nem com as próprias opiniões. Estão sempre flanando, flutuando, pousando em sentimento nenhum, brigando por idéia nenhuma, jamais se responsabilizando pelo que fazem, pois nada fazem. Respirar já é para eles tarefa árdua e suficiente. E os dias passam, e eles passam, e nada fica registrado, nada que valha a pena lembrar. Estão perdendo a viagem aqueles que, em vez de tratarem de viver, ficam patrulhando a existência alheia, decretando o que é certo e errado para os outros, não tolerando formas de vida que não sejam padronizadas, gastando suas bocas com fofocas, seus olhos com voyeurismo, sem dedicar o mesmo empenho e tempo para si mesmo. Estão perdendo a viagem aqueles preguiçosos que levam semanas até dar um telefonema, que levam meses até concluir a leitura de um livro, que levam anos até decidir procurar um amigo. Pessoas que acham tudo cansativo, que acreditam que tudo pode esperar, que todos lhe perdoarão a ausência e o descaso. Estão perdendo a viagem aqueles que não sabem de onde vieram nem tentam descobrir. Que não sabem para onde ir e nem tentam encontrar um caminho. Aqueles para quem a tele visão pode tranqüilamente substituir as emoções. Estão perdendo a viagem todos aqueles que se entregam de mão beijada às garras afiadas do tédio.

recebi por e-mail constando que esta reflexão é de Martha Medeiros

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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