ALICE NO
PAÍS DO PLEBISCITO
Há uma
passagem muito conhecida de Alice no País das Maravilhas, na qual a pequena
heroína de
Lewis Carroll dialoga com um gato. Ela não quer mais continuar onde está e pergunta ao animal:
"Como posso sair daqui?" O gato responde:
"Depende".
A menina indaga: "Depende de quê?" E o gato esclarece: "Depende de para onde você quer ir."
O diálogo
prossegue. A garota diz que quer sair de onde está, mas não tem nenhuma
preferência
quanto ao lugar para onde vai. Então o bicho lhe retruca: "Se você não
sabe para onde quer ir, então é indiferente o caminho que venha a seguir."
O episódio
tem fascinado os leitores de Lewis Carroll desde o século passado. Como toda criação importante da fantasia literária, ele comporta diversas interpretações e não se deixa esgotar por nenhuma delas.
Todos nos identificamos com Alice, na medida em que já vivemos situações nas quais estávamos em lugares de que desejávamos sair, fosse para onde fosse. E todos reconhecemos a sabedoria do gato, que nos lembra que o sentido do nosso movimento é aquele que nós mesmos lhe imprimimos.
Sem garantias antecipadas de sucesso.
A
advertência do gato vale para a experiência de cada um e vale, também, para a
história política, que somos chamados a fazer coletivamente. Na vida privada, cada um faz suas escolhas, tenta decidir seu futuro: opta por um trabalho, por um casamento, por uma determinada estruturação da família, por uma determinada organização da existência quotidiana (com seus prazeres e suas responsabilidades). Na história política, procuramos nos articular com o nosso grupo, assumimos nossos compromissos, discutimos, fazemos propostas, optamos por um programa de transformações que consideramos exeqüíveis e convenientes à nossa sociedade. Em ambos os casos, implícita ou explicitamente, estamos
decidindo para onde pretendemos ir.
Quando têm
consciência, efetivamente, das escolhas que estão fazendo quanto à direção que decidem seguir (e sabem dos riscos que tais escolhas sempre comportam), é normal que as pessoas fiquem tensas, é compreensível que elas tenham momentos de hesitação e angústia.
Convém recordarmos, entretanto, que a hesitação, tanto na vida particular como na história política, tem sua legitimidade. E às vezes as pessoas ou correntes que não vacilam nunca são apenas aquelas que jamais param para pensar na gravidade da advertência do gato de Lewis Carroll:
simplesmente fecham os olhos diante dos perigos.
Algumas embarcam no ônibus da utopia, sem examinar o itinerário que ele vai percorrer;outras enveredam por qualquer caminho (só para sair de onde estão); e há as que acabam se resignando a ficar onde já se encontram, aguardando passivamente uma salvação mágica.
(Leandro Konder in “O Globo”, 20/03/1993)