“O espírito do amor segreda com tanta
timidez”
Leio, releio, torno a ler,
incansavelmente, a crônica “Imagem” de
Cecília Meireles.
Como é possível escrever, com
tamanha clareza, uma batalha travada no interior de uma pessoa?
O texto narra a história de uma
mulher que encontra, em seu caminho, um gatinho abandonado e doente e, diante
dessa situação, é rodeada por uma “assembleia de espíritos”, que tentam convencê-la a ignorar tal
questão.
Ela vacila, sofre e desperdiça
a oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém - seja animal ou gente.
“E só o espírito do amor segredava tímido: ‘Toma-o nas mãos e leva-o
contigo!
Verás
que, no teu colo, seus olhinhos lacrimosos se fecharão adormecidos; sua fome se
esquecerá, suas feridas fecharão... ’ Mas o espírito do amor segreda com tanta
timidez” .
Por que será que o espírito do
amor reside de um modo tão tímido e fraco em nós, seres humanos?
Por que as pessoas não se
sustentam nos três pilares da vida humana: a inteligência, a coragem e o amor
ao próximo, citados pelo psicólogo Victor Frankl?
Por que será que, às vezes, é
tão difícil amar quem está próximo e nas situações cotidianas?
Temos o potencial para o amor,
com certeza, mas o espírito prático do mundo fala mais alto.
“Senti o desejo de ajudar
aquela pessoa, mas sei que não devemos dar dinheiro para um pedinte, pois ele
gastará com droga ” .
“Dei um prato de comida para o
moço que bateu na minha porta, mas é só dessa vez, pois ele pode se acostumar e
voltar sempre”.
“Chequei em casa com o propósito
de ler um livro para meu filho pequeno dormir, mas acabei deitando no sofá e
peguei no sono.”
“Já cansei de falar para meus
filhos irem ver os avós , mas, você
sabe, a juventude é difícil!”
“Sei que preciso ir mais
frequentemente à casa dos meus pais, mas chego tão cansado do trabalho,
que acabo desistindo e aí sinto-me
culpado. ”
Cecília Meireles parece ter
razão quando diz que “o espírito
prático é o mais covarde e o mais vil espírito
da era
contemporânea”. Estamos perdendo a pessoalidade e o
cotidiano não tem
sido vivido como um lugar de encontro e
partilha. Há uma hipertrofia funcional
e o ser humano, com
pouca ressonância da sua afetividade, está sendo,
cada vez
mais, menos humano.
Texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro
Imagem: internet