domingo, 13 de setembro de 2015


“O espírito do amor segreda com tanta timidez”

Leio, releio, torno a ler, incansavelmente, a crônica Imagem” de Cecília Meireles.
Como é possível escrever, com tamanha clareza, uma batalha travada no interior de uma pessoa?
O texto narra a história de uma mulher que encontra, em seu caminho, um gatinho abandonado e doente e, diante dessa situação, é rodeada por uma “assembleia de espíritos”,  que tentam convencê-la  a ignorar tal questão.
Ela vacila, sofre e desperdiça a oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém -  seja animal ou gente.
“E só o espírito do amor segredava tímido: ‘Toma-o nas mãos e leva-o contigo!
Verás que, no teu colo, seus olhinhos lacrimosos se fecharão adormecidos; sua fome se esquecerá, suas feridas fecharão... ’ Mas o espírito do amor segreda com tanta timidez” .
Por que será que o espírito do amor reside de um modo tão tímido e fraco em nós, seres humanos?
Por que as pessoas não se sustentam nos três pilares da vida humana: a inteligência, a coragem e o amor ao próximo, citados pelo psicólogo Victor Frankl?
Por que será que, às vezes, é tão difícil amar quem está próximo e  nas situações cotidianas?
Temos o potencial para o amor, com certeza, mas o espírito prático do mundo fala mais alto.
“Senti o desejo de ajudar aquela pessoa, mas sei que não devemos dar dinheiro para um pedinte, pois ele gastará com droga ” .
“Dei um prato de comida para o moço que bateu na minha porta, mas é só dessa vez, pois ele pode se acostumar e voltar sempre”.
 “Chequei em casa com o propósito de ler um livro para meu filho pequeno dormir, mas acabei deitando no sofá e peguei no sono.
“Já cansei de falar para meus filhos irem ver os avós , mas,  você sabe, a juventude é difícil!”
“Sei que preciso ir mais frequentemente  à casa dos meus pais, mas chego tão cansado do trabalho, que acabo desistindo e aí  sinto-me culpado. ”

Cecília Meireles parece ter razão quando diz que “o espírito

 prático é o mais covarde e o mais vil espírito da era

 contemporânea”. Estamos perdendo a pessoalidade e o 

cotidiano não tem sido vivido como um lugar de encontro e

 partilha. Há uma hipertrofia funcional e o ser humano, com 

pouca ressonância da sua afetividade,  está sendo, cada vez

mais, menos humano.


Texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro

Imagem: internet




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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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