domingo, 8 de janeiro de 2012



..."Havia uma senhora, que vamos chamar por exemplo de Julia, que morava em frente a um convento de freiras enclausuradas; o apartamento, num terceiro andar, tinha uma varanda que dava para o convento, uma sólida construção do século XVII.




Certo dia Julia experimentou as rosquinhas que as freiras faziam e gostou tanto que se habituou a comprar uma caixinha todos os domingos. A assiduidade de suas visitas levou-as a travar uma certa amizade com a irmã Porteira, que ela naturalmente nunca via, mas com quem falava através da porta giratória de madeira.




Conhecendo os rigores da clausura, certo dia Julia contou à irmã que morava bem ali em frente, no terceiro andar, naquela varanda que dava para a fachada e que não vacilasse em pedir sua ajuda se precisasse de qualquer coisa do mundo externo, como levar uma carta, ou buscar um embrulho, ou fazer algum outro favor. A freira agradeceu e as coisas ficaram assim.




Passou um ano, passaram trinta anos. Certa tarde, Julia estava sozinha em casa quando bateram na porta. Abriu e se deparou com uma freira pequenina e anciã, muito limpa e enrugada. Sou a Irmã Porteira , disse a mulher com uma voz familiar e reconhecível; anos atrás você me ofereceu sua ajuda se precisasse de alguma coisa de fora, e agora eu preciso .




Pois não, respondeu Julia, diga. Queria lhe pedir , explicou a freira, que me deixasse debruçar-me na sua varanda. Estranhando, Julia fez a anciã entrar, guiou-a pelo corredor até a sala e foi a varanda com ela. Lá ficaram as duas, imóveis e caladas, observando o convento durante um bom tempo. Afinal, a freira disse: É muito bonito, não é?


E Julia respondeu: Sim, muito bonito. Dito isto, a Irmã Porteira regressou para o seu convento, provavelmente para nunca mais tornar a sair".



Livro: A Louca da casa de Rosa Montero

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

Arquivo do blog