À
ESPERA DOS BÁRBAROS
(
Affonso Romano de Sant'Anna )
O poeta grego Konstantinos Kavafis ( 1863-1933 ) tem um intrigante poema
chamado "À espera dos bárbaros", em que narra que uma
cidade vivia em função da chegada desses estranhos. Tudo estava ligado a isso.
Ninguém modificava mais nada, porque os bárbaros vinham aí. Senadores não
legislavam mais, para quê? apenas esperavam; cônsules punham suas togas
bordadas, aguardando; o povo reunia-se na praça principal especulando, e até o
rei postou-se na porta da cidade para saudar os invasores.
Sucedeu, no entanto, que notícias vindas
das fronteiras, espantosamente, afirmavam que não havia mais bárbaros. E o
poema termina dizendo:
"Sem bárbaros o que será
de nós.
Ah! Eles eram uma
solução."
O que espera a pessoa que espera?
Qual a função da espera?
O que o esperar pode ocultar?
A psicanálise fala da "espera
angustiante", que provoca pesadelos, alucinações e incômodos de toda ordem.
Não parece ser esta exatamente a situação
descrita nesse poema. Ao contrário, as pessoas estão bem dentro dessa espera.
Alojaram-se nela confortavelmente. A espera as faz adiar projetos, obrigações,
enfim, a vida.
No caso brasileiro, um povo que há
quinhentos anos espera ser "o país do futuro", há uma outra frase que
também explica nossa vocação para a espera: "Calma que o Brasil
é nosso".
Claro que, nesse caso, reconheçamos, o que
era uma espera calma está se tornando uma espera angustiante.
Em O deserto dos tártaros, Dino Buzzatti descreve uma fortaleza
na borda do deserto, esperando um ataque inimigo, que nunca ocorre. As
sentinelas ficam ali aguardando-aguardando e nesse aguardar passam a vida.
Em O castelo, Kafka narra a situação do
personagem que passou toda a vida inutilmente esperando que a porta do castelo
se abrisse para ele, sem se dar conta que ela, na verdade, já estava aberta.
Eis aí exemplos da espera como uma forma
concreta e imaginária de preencher o vazio.
Tanto quanto na ficção, na realidade muitas
vezes espera-se que a solução venha de fora. Ainda que através de um choque,
revolução ou catátrofe. Neuróticos podem esticar sua neurose ao extremo para
ver se alguém os socorre, como quem procura o lugar mais fundo da piscina para
que outros, alarmados, o salvem.
Algumas religiões estipulam o juízo final
como uma espécie de catástrofe redentora que, paradoxalmente, possibilitaria a
redenção.
É também a salvação de fora para dentro.
Da mesma maneira outros concebem a danação
vinda também de fora para dentro, como forma culposa de redenção.
É estranho, mas, às vezes, o oponente, o
mal, o invasor, o bárbaro terminam por conferir sentido às pessoas e
comunidades.
O desnorteante é descobrir que o mal às
vezes é imaginário, o oponente está dentro de nós e os bárbaros não virão.
Crônica extraída do livro "Tempo de
Delicadeza"