quinta-feira, 11 de agosto de 2011



Abraço de Judas

Por Fabrício Carpinejar


Todo presidiário tem dez minutinhos de sol, um recreio para banhar o rosto com a luminosidade da manhã.
Já quem é livre talvez passe 24h longe de um pátio, desprovido de um mísero contato com a luz do dia. Talvez não abra a janela, sequer levante as persianas, para espiar o azul do horizonte e criticar a temperatura dos relógios da rua.
Quem é livre age com culpa. Encarna-se na profissão como um condenado, debruçado a atender os múltiplos sinais do celular, laptop, iPad, televisão.
Sempre encontra um tempo para adiantar uma tarefa, mesmo que seja necessário abdicar do almoço, mas nunca abre frestas para se sentir no mundo.
Suas frases mais comuns são que não tem escolha; precisa se sustentar; há muito a fazer.
Aparentemente solto, está confinado na solitária do seu trabalho — e não percebe o valor de respirar a cerração, espirrar quando surge um vento mais gelado e descascar tangerinas no meio-fio solar, fugindo do lado das sombras.
Esquece que o centro tem praças, que as praças têm bancos, que nos bancos caem máscaras de oxigênio das árvores.
Esquece o livre-arbítrio, envolvido na onipotência de desdenhar da vida.
Se fossemos samambaias, estaríamos mortos. Secos. Murchos. Somos vasos e demoramos a rachar. A longevidade não é saúde.
Até abraçar desaprendemos. Ninguém mais abraça com vontade. Com sinceridade de velório.
Odeio abraço falso, como aquele beijo de frígida, no qual a face bate na face e os lábios se transformam em beiço.
Abraço tem que ter pegada, jeito, curva. Aperto suave, que pode virar colo. Alento tenso, que pode virar despedida.
É pelo abraço que testo o caráter do outro. Não confio em quem logo dá tapinhas nas costas. A rapidez dos toques indica a maldade da criatura.
Não sou porta para bater. Nem madeira para espantar azar.
Abraço com toquinho é hipócrita. É abraço de Judas. De traidor. O sujeito mal encosta a pele e quer se afastar. Pede espaço porque não suporta os pecados dos pensamentos.
Devemos fechar os olhos no abraço, respirar a roupa do abraçado, descobrir o perfume e a demora no banho.
Abraço não pode ser rápido senão é empurrão. Requer cruzamento dos braços e uma demora do rosto no linho.
Abraço é para atravessar o nosso corpo. Ir para a margem oposta. Nadar para ilha e subir ao topo da pedra pela gratidão de sopro.
Sou adepto a inventar abraços. Criar abraços. Inaugurar abraços. Realizar um dicionário de abraços. Um idioma de abraços.
O meu é o de cadeira de balanço. Giro nas pontas dos pés. Não largo, os primeiros minutos são para sufocar, os demais servem para o enlaçado se recuperar do susto.
Não entendo onde terminará o abraço. Se a pessoa vai chorar ou vai rir. Abraço é confissão.
Dez minutinhos de sol e de liberdade.

8 comentários:

  1. Fabricio tem textos ótimos.Esse é mais um deles,.beijos,lindo dia,chica

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  2. E parecia tão bom esse abraço...

    É...estamos mesmo nesta roda do viva sem vida...
    Mas aqui em casa, fim de semana é obrigatória a parada para respirar. Até dei uma parada do blog, tenho postado bem menos, pois marido começou a me cobrar e muito. Meu marido adora sair, viajar. Até vou combinar com sua irmã, que me disse adorar essas viagens pelo interior...afinal, nós merecemos...temos que parar..

    Belo texto!

    Um beijo com carinho!

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  3. Concordo com a Chica ele tem textos ótimos e escreve belas poesias, tenho alguns livros dele. Belo post.
    Beijos

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  4. O que falar desse texto do meu conterrâneo? PERFEITO. Eu também gosto daquele abraço com jeito. De resto não vale. Eu tenho a honra de ter ele seguindo meu Twitter, quando eu vi quase cai da cadeira, risos. Adoro os textos dele. Beijinhos.

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  5. Bom dia, Eliete!!

    Então vamos nos lembrar que somos livre e viver com tal!!!rsrsr Eu quando abraço,é pra valer!!Abraço de urso!!!rsrsr
    Beijos pra ti minha querida!!!

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  6. Querida!!!
    venha conhecer as mudanças no blog!
    bom fim de semana!
    Lindo texto, parabéns!
    Beijosss

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  7. Eliete linda..tudo bem?? belo texto...dá para gente refletir bastante não é??
    miguinha hoje dia dos pais estou longe do meu...mas postei uma musica que ele gosta..vai la;;toma um café comigo
    bjuss
    bom fim de semana
    titi

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  8. Gostei muito de ler esse artigo. São linhas perfeitas para refletir sobre a serenidade e sobre nós seres humanos, que aja braços verdadeiros em tudo e em especial em tudo que há vida... resumindo tudo seres humanos, animais, natureza indo até as coisas mais subjetivas. Abraços com carinho para todos!
    ps. quanto aos trabalhos digitais use e abuse ficarei lisonjeado com o "violinos" em seu blog!

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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