quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"Isto deve ficar claro: a emoção em si, desordenada e caótica,não vale nada. O importante na emoção é o seu significado. Não podemos falar de emoção sem razão ou, inversamente, de razão sem emoção:uma é o caos, e a outra, matemática pura".
"o porquê é fundamental, pois para nós a experiência é importante; mas o significado da experiência é ainda mais importante.Queremos conhecer os fenômenos, mas queremos sobretudo conhecer as leis que os regem.
Para isso serve a arte: não só para mostrar como é o mundo,mas também para mostrar por que ele é assim e como se pode transformá-lo. Espero que ninguem esteja satisfeito com o mundo tal qual ele é: por isso, há de querer trnasformá-lo".
Augusto Boal em Jogos para atores e não-atores.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011


"A sociedade humana criou a linguagem para podermos comunicar nossos pensamentos, sentimentos e intenções".
Sua opinião, que ele não ventila, é que a origem da fala está no canto, e as origens do canto na necessidade de preencher com som o vazio grande demais da alma humana.
Acabei de ler o livro de J. M. Coetzee/Desonra e adorei.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011


Vidência
Paulo César Pinheiro

Eu vi uma velha, um velho e vi um menino.
E sobre as mãos e o colo da anciã
Eu vi a renda, a agulha, o bilro e a lã
Com que tecia as malhas do Destino.
Eu vi uma velha, e vi um menino e um velho.
E o quase cego olhar desse ancião
Tentava achar em nosso coração
Vestígio ao menos de seu Evangelho.
Eu vi um menino, um velho e vi uma velha.
E esse menino me arrastava a ela.
E a luz do velho se fechava em breus.
Chama-se Tempo esse menino forte.
E a costureira, pois, chama-se Morte.
E o velho cego, então, chama-se Deus.
o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte,
olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí
Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo.

domingo, 13 de fevereiro de 2011


Canção de Homens e Mulheres Lamentáveis
Antônio Maria

Esta noite... esta chuva... estas reticências.
Sei lá.
Quem seria capaz de abrir o peito e mostrar a ferida?
De dizer o nome?
De lembrar, sequer lembrar, o rosto?
Quem seria capaz de contar a história?
De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:
— Estou me sentindo assim, assim, assim...
A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre.
Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses.
E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira.
Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.
Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância.
Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome?
De pensar o seu nome?
Você diria em público o nome da Amada?
E suportaria ouvi-lo?
Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela).
Não há diferença.
E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita?
Seria mais fácil.
Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando.
E tudo se transformaria em notícia:
"Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country".
Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas.
Qualquer das escolhas seria desprezível.
Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém.
A morte, mesmo em combate, é burlesca.
Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção.
Quem saberia discriminar o ódio do amor?
Ninguém.
Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.
Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo.
E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça.
Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:
— Que é que houve? O senhor está mais velho?
Tirei os óculos e, fitando-o, esperei as desculpas.
Mas o homem continuou:
— O que é que houve?
De ontem para cá, o senhor envelheceu.
Tinha pensado que, sem os óculos...
Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender.
Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada.
Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite.
Neruda, coitado, as mais tristes.
Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta.
Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.
(9/10/1964)

sábado, 12 de fevereiro de 2011


Preciosidades de Mia Couto

Onde nada se passa, tudo pode acontecer.

A realidade é mais rasteira, feita de peso e de pés na terra.


Em casa de pobre ser o último é ser nenhum.


Confiança manchada, amizade desmanchada.


A pessoa viaja é para ser esperado, do outro lado a mão de gente que é nossa, com nome e história.Como um laço que pede as duas pontas.


fonte: O fio das missangas

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


Que linda declaração de amor!
faço esta declaração a Deus.

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na Profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinitas dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente
Eu te amo
Desde a criação das águas,
Desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
E te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.
Quieto
( Adalgisa Nery )

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

"Para as coisas que há de pior, a gente não alcança fechar as portas".
João Guimarães Rosa/Grande Sertão :Veredas



Não alcanço fechar as portas...
Deste cansaço que esmaga meus gestos
Da angústia que aniquila as ilusões
Do medo que atravanca grandes transformações.
Não alcanço fechar as portas...
Meu fôlego é pequeno prá tantas léguas.
(Eliete)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC, escreve às terças, a cada 15 dias, na coluna da Folha de São Paulo.(08/02)
SOU, COM FREQUÊNCIA, chamado a fazer palestras para turmas de formandos. Orgulha-me poder orientar jovens em seus primeiros passos profissionais. Há uma palestra que alguns podem conhecer já pela web, mas queria compartilhar seus fundamentos com os leitores da coluna.
Sempre digo que a atitude quente é muito mais importante do que o conhecimento frio. Acumular conhecimento é nobre e necessário, mas sem atitude, sem personalidade, você, no fundo, não será muito diferente daquele personagem de Charles Chaplin apertando parafusos numa planta industrial do século passado. É preciso, antes de tudo, se envolver com o trabalho, amar o seu ofício com todo o coração. Não paute sua vida nem sua carreira pelo dinheiro. Seja fascinado pelo realizar, que o dinheiro virá como consequência. Quem pensa só em dinheiro não consegue sequer ser um grande bandido ou um grande canalha. Napoleão não conquistou a Europa por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro.E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar. Tudo o que fica pronto na vida foi antes construído na alma. A propósito, lembro-me de um diálogo extraordinário entre uma freira americana cuidando de leprosos no Pacífico e um milionário texano. O milionário, vendo-a tratar dos leprosos, diz: "Freira, eu não faria isso por dinheiro nenhum no mundo". E ela responde: "Eu também não, meu filho". Não estou fazendo com isso nenhuma apologia à pobreza, muito pelo contrário. Digo apenas que pensar e realizar têm trazido mais fortuna do que pensar em fortuna.
Meu segundo conselho: pense no seu país. Porque, principalmente hoje, pensar em todos é a melhor maneira de pensar em si. Era muito difícil viver numa nação onde a maioria morria de fome e a minoria morria de medo. Hoje o país oferece oportunidades a todos. A estabilidade econômica e a democracia mostraram o óbvio: que ricos e pobres vão enriquecer juntos no Brasil. A inclusão é nosso único caminho.
Meu terceiro conselho vem diretamente da Bíblia: seja quente ou seja frio, não seja morno que eu vomito. É exatamente isso que está escrito na carta de Laodiceia.É preferível o erro à omissão; o fracasso ao tédio; o escândalo ao vazio. Porque já li livros e vi filmes sobre a tristeza, a tragédia, o fracasso. Mas ninguém narra o ócio, a acomodação, o não fazer, o remanso (ou narra e fica muito chato!).Colabore com seu biógrafo: faça, erre, tente, falhe, lute. Mas, por favor, não jogue fora, se acomodando, a extraordinária oportunidade de ter vivido.
Tenho consciência de que cada homem foi feito para fazer história.Que todo homem é um milagre e traz em si uma evolução. Que é mais do que sexo ou dinheiro. Você foi criado para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, caminhando sempre com um saco de interrogações numa mão e uma caixa de possibilidades na outra. Não dê férias para os seus pés. Não se sente e passe a ser analista da vida alheia, espectador do mundo, comentarista do cotidiano, dessas pessoas que vivem a dizer: "Eu não disse? Eu sabia!". Toda família tem um tio batalhador e bem de vida que, durante o almoço de domingo, tem de aguentar aquele outro tio muito inteligente e fracassado contar tudo o que faria, apenas se fizesse alguma coisa. Chega dos poetas não publicados, de empresários de mesa de bar, de pessoas que fazem coisas fantásticas toda sexta à noite, todo sábado e todo domingo, mas que na segunda-feira não sabem concretizar o que falam. Porque não sabem ansiar, não sabem perder a pose, não sabem recomeçar. Porque não sabem trabalhar. Só o trabalho lhe leva a conhecer pessoas e mundos que os acomodados não conhecerão. E isso se chama "sucesso". Seja sempre você mesmo, mas não seja sempre o mesmo. Tão importante quanto inventar-se é reinventar-se. Eu era gordo, fiquei magro. Era criativo, virei empreendedor. Era baiano, virei também carioca, paulista, nova-iorquino, global.Mas o mundo só vai querer ouvir você se você falar alguma coisa para ele. O que você tem a dizer para o mundo?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011


"DESTRALHE-SE"
(por Carlos Solano)
"-Bom dia, como tá a alegria"? Diz dona Francisca, minha faxineira rezadeira, que acaba de chegar.
"-Antes de dar uma benzida na casa, deixa eu te dar um abraço que preste!" e ela me apertou.
Na matemática de dona Francisca, "quatro abraços por dia dão para sobreviver; oito ajudam a nos manter vivos; 12 fazem a vida prosperar".
Falando nisso, "vida nenhuma prospera se estiver pesada e intoxicada". Já ouviu falar em toxinas da casa?
Pois são:
- objetos de que você não precisa,
- roupas que você não gosta ou não usa há um ano,
- coisas feias,
- coisas quebradas, lascadas ou rachadas,
- velhas cartas, bilhetes,
- plantas mortas ou doentes,
- recibos/jornais/revistas antigos,
- remédios vencidos,
- meias velhas, furadas,
- sapatos estragados...
Ufa, que peso! "O que está fora está dentro e isso afeta a saúde", aprendi com dona Francisca. "Saúde é o que interessa. O resto não tem pressa!", ela diz, enquanto me ajuda a 'destralhar', ou liberar as tralhas da casa...
O 'destralhamento' é a forma mais rápida de transformar a vida e ajuda as outras eventuais terapias. Com o destralhamento:
- A saúde melhora;
- A criatividade cresce;
- Os relacionamentos se aprimoram...
É comum se sentir cansado, deprimido, desanimado, em um ambiente cheio de entulho, pois "existem fios invisíveis que nos ligam a tudo aquilo que possuímos".
Outros possíveis efeitos do "acúmulo e da bagunça":
- sentir-se desorganizado;
- fracassado;
- limitado;
- aumento de peso;
- apegado ao passado...
No porão e no sótão, as tralhas viram sobrecarga; na entrada, restringem o fluxo da vida; Empilhadas no chão, nos puxam para baixo; acima de nós, são dores de cabeça; sob a cama, poluem o sono".
"Oito horas, para trabalhar; Oito horas, para descansar; Oito horas, para se cuidar."
Perguntinhas úteis na hora de destralhar-se:
- Por que estou guardando isso?
- Será que tem a ver comigo hoje?
- O que vou sentir ao liberar isto?

...e vá fazendo pilhas separadas...
- Para doar!
- Para jogar fora!
Para destralhar mais:
- livre-se de barulhos,
- das luzes fortes,
- das cores berrantes,
- dos odores químicos,
- dos revestimentos sintéticos...
e também...
- libere mágoas,
- pare de fumar,
- diminua o consumo da carne,
- termine projetos inacabados.
"Se deixas sair o que está em ti, o que deixas sair te salvará.. Se não deixas sair o que está em ti, o que não deixas sair te destruirá", Arremata o mestre Jesus, no evangelho de Tomé.
"Acumular nos dá a sensação de permanência, apesar de a vida ser impermanente", diz a sabedoria oriental. O Ocidente resiste a essa idéia e, assim, perde contato com o sagrado instante presente.
Dona Francisca me conta que "as frutas nascem azedas e no pé, vão ficando docinhas com o tempo". A gente deveria de ser assim, ela diz: "Destralhar ajuda a adocicar."
Se os sábios concordam, quem sou eu para discordar...

domingo, 6 de fevereiro de 2011


“Um mapa mundi que não inclua a Utopia não é digno de consulta, pois deixa de fora as terras a que a Humanidade está sempre aportando”

Oscar Wilde – A alma do homem sob o socialismo

sábado, 5 de fevereiro de 2011


Interessante e muito inteligente.Vale a pena ler!
RIVOTRIL: FERNANDA TORRES
NUNCA FUI corajosa. Depois do nascimento dos meus filhos, o instinto de preservação quintuplicou minha covardia latente. Lutei contra a natureza por quase 20 anos, mas a maternidade me venceu por completo.Li com inveja e espanto a notícia de uma mulher que desconhece o medo. A síndrome de Urbach-Wiethe destruiu sua amígdala, uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do cérebro, e desarmou seus alertas internos de proteção e perigo.Seria isso uma benção ou uma danação?O fim do ano de 2010 foi especialmente difícil para mim e os meus. Mortes na família, doenças graves, decisões urgentes e infecções sorrateiras culminaram no funil esperançoso de Natal e Ano-Novo.

O resultado foi um temor angustiado que virou o ano de mãos dadas comigo e se recusou a voltar a um nível tolerável depois de passadas as festas.O processo ansioso, cego e insistente, o choro que alimenta o choro, levou muitos amigos a me aconselharem uma visita a um psiquiatra. O nome que mais ouvi, antes mesmo do telefone de um especialista, foi o do milagroso Rivotril. A panaceia me foi descrita como um unguento milagroso, capaz de cortar a sinistrose pela raiz.Em "O Erro de Descartes" (Companhia das Letras, 336 pág., R$ 63), Antônio R. Damásio faz uma advertência contundente a respeito do uso indiscriminado de antidepressivos. Segundo o neurologista português, abrir mão da tristeza é dar adeus a uma das poderosas armas evolutivas responsáveis por manter a raça humana em estado de atenção. Anular a dor seria uma solução tão estranha quanto desligar o radar para não sofrer com a antecipação da tempestade.


Eu não sei se o homem das cavernas, correndo diariamente o risco de ser devorado por uma besta-fera, tinha mais ou menos ansiedade do que um sedentário de meia-idade que assiste às infindáveis hecatombes cotidianas pela TV. Talvez a luz elétrica e o computador tenham nos trazido mais frustrações do que amparo, talvez as paúras de uma vida tão afastada da feroz mãe natureza só se aplaquem mesmo mediante o uso de medicamentos, não sei.Eu sempre desconfiei das bulas reguladoras do humor; do humor, do sono e do apetite. E foi com tal desconfiança que me dirigi à psiquiatra, uma mulher inteligente de quem ouvi uma explicação bastante convincente para os efeitos benéficos que um antidepressivo, ou um ansiolítico, poderiam me trazer.O cérebro é um órgão dotado de uma impressionante capacidade de se remodelar. Graças à essa plasticidade, nos recuperamos de derrames graves, aprendemos a tocar instrumentos e agimos com rapidez diante de situações-limite. Os neurônios acionam novas sinapses, criam vias alternativas, ligam e religam circuitos conforme a necessidade.Mas a persistência de um estado melancólico, por exemplo, potencializa determinadas correntes neurais, fortalecendo uma rede funesta que impede o surgimento de novas saídas para o espírito. Como um rio sobrecarregado em uma enchente, a força das águas foge ao controle da própria vontade e deságua na chamada depressão.O remédio interditaria o pessimismo vicioso e daria chance ao cérebro de se rearticular.


Convencida a derrubar a fundação do muro das lamentações, experimentei o famoso Rivotril pela primeira vez, adiando a investida no antidepressivo.Passei três dias sonolenta e algo abobalhada, evitei dirigir. No terceiro dia, desestimulada e apática, achei que estava pior que antes. Decidi não recorrer ao medicamento na quarta noite e tive dificuldade para dormir. Quando cogitei tomar uma gota do elixir para ir ao encontro de Morfeu, os sinos de emergência badalaram soltos sob a pele.Nunca tive problema de sono. Qualquer droga, lícita ou ilícita, que mexa com esse metabolismo me arrepia os cabelos. Fritei no lençol até cinco da matina. Passei o dia seguinte imprestável e, no outro, depois de uma noite bem dormida e sem sedativos, acordei refeita.O Rivotril me ajudou. Ele agiu como um elefante branco que a gente põe na sala e, no dia que tira, sente um alívio inaudito; mas não resolveu. Sem o auxílio da farmacêutica, recorri a um amigo que insiste em estar vivo há mais de 74 anos."Finja! Crie um personagem e finja ser ele", me disse Domingos Oliveira. "Quem enfrenta a realidade enlouquece, a única saída para a sanidade é uma dose de alienação. A arte é a única saída possível."Não foi bem pela arte.
Meu escapismo atendeu pelo nome de Fernando de Noronha. O mar, os bichos marinhos, o sol e a natureza agreste reverteram violentamente os fluídos da minha psique.
Folha de São Paulo:05 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011


"Eu queria crescer para passarinho".
Manoel de Barros


Ontem estava aqui na minha clínica e eis que recebo uma visita inesperada!


Bate na porta com seu biquinho e curioso parece confirmar que o lugar que procura é este mesmo.
Pede para entrar, afinal, o calor estava demais lá fora.


Maravilhada fico insensível ao seu pedido e corro para fotografá-lo. Ele sem entender meu gesto diz que só veio trazer-me boas notícias. Instantes depois de cumprir a sua missão voa para o céu.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Meu desejo é que todos os pais leiam esta linda história .

O rio das Quatro Luzes - Mia Couto

Vendo passar o cortejo fúnebre, o menino falou:
- Mãe: eu também quero ir em caixa daquelas.
A alma da mãe na mão do miúdo estremeceu. O menino sentiu esse arrepio, como corrente de corpo se desalmando. A mãe puxou-o pelo braço, em repreensão.
- Não fale nunca mais isso.
Um esticão enfatizava cada palavra.
- Porquê, mãe? Eu só queria ir a enterrar como aquele falecido.
- Viu? Já está falar outra vez?
Ele sentiu a angústia em sua mãe já vertida em lágrima. Calou-se, guardado em si. Ainda olhou o desfile com inveja. Ter alguém assim que chore por nós, quanto vale uma tristeza dessas?
À noite, seu pai foi visitá-lo na penumbra do quarto. O menino colocou a dúvida entre os dois: nunca o pai lhe dirigira um pensamento. O pai avançou uma tosse solene, anunciando a seriedade do assunto. Que a mãe lhe passara os seus soturnos comentários no funeral. Que se passava, afinal?
- Eu não quero mais ser criança.
- Como assim?
- Quero envelhecer rápido, pai. Ficar mais velho que o senhor.
Que valia ser criança, se lhe faltavam meninices? Este mundo não estava para infâncias. Porque nos fazem com esta idade, tão pequenos, se a vida aparece sempre adiada para outras idades, outras vidas? Deviam-nos fazer já graúdos, ensinados a sonhar com conta medida. Mesmo o senhor, meu pai, passa a vida louvando a sua infância, seu tempo de maravilhas. Se foi para lhe roubar a fonte desse tempo, por que razão o deixaram beber dessa água?
- Meu filho, você tem que gostar viver, Deus nos deu esse milagre. Faça de conta que é uma prenda.
Mas ele não gostava dessa prenda. Não seria que Deus lhe podia dar outra, diferente?
- Não diga disso, Deus lhe castiga.
E a conversa não teve mais diálogo. Fechou-se sob promessa de punição divina. O menino permanecia em desistência de tudo. Sem nenhum portanto nem consequência.
Até que certa vez ele decidiu visitar seu avô. Certamente ele o escutaria, com maiores paciências.
- Avô, o que é preciso para se ser morto?
- Necessita ficar nu como um búzio.
- Mas eu tanta vez estou nuzinho.
- Tem que ser leve como lua, além da nuvem.
- Mas eu já sou levinho como a ave penugenta.
- Precisa mais: precisa ficar escuro na escuridão.
- Mas eu sou tinto e retinto. Pretinho como sou até, de noite, me indistinto do pirilipampo avariado.
Então, o avô lhe propôs o negócio. As leis da vida fariam prever que ele fosse retirado primeiro da vida. Pois, ele falaria com Deus e requereria mui respeitosamente que se procedesse a uma troca: o miúdo fosse transferido em lugar do avô.
- A sério, avô? O senhor vai pedir isso por mim?
- Juro, meu filho. Eu amo demais viver. Vou pedir a Deus.
E ficou combinado e jurado. A partir daí, o menino visitava o avô com ansiedade de capuchinho vermelho. Desejava saber se o velho parente não estaria atacado de doença, falho no respirar, coração gaguejado. Mas o avô continuava direito e são.
- Tem rezado a Deus, avô? Tem-lhe pedido consoante o combinado?
Que sim, tinha endereçado os ajustados requerimentos. A troca das mortes, o negócio dos finais. Esperava deferimento ensinado pela paciência. Conselho do avô: ele que, entretanto, fosse meninando, distraído nos brincados. Que ainda agora, o mais que ele se lembrava era o mais antigo de sua existência. E lhe contou os lugares secretos de sua infância, mostrou-lhe as grutas junto ao rio, perseguiram juntos pegadas de bichos. O menino, sem saber, gozava os amplos territórios da infância. No contar do avô o moço se criançava, convertido em menino. A voz antiga era o pátio onde ele se adornava de folguedos. E assim sendo.
Uma certa tarde, o avô visitou a casa dos seus filhos, sentou-se na sala e ordenou que o neto saísse. Queria falar, a sós, com os pais da criança. E o velho deu entendimento: criancice é como amor, não se desempenha sozinha. Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece - nascermos em tempos nunca havidos. E mais nada falou. Agora, disse ele, já me vou, porque senão ainda adormeço com minhas próprias falas.
- Já assim velho, sou como o cigarro: adormeço na orelha.
Se ergueu e, na soleira, rodou como se tivesse sido assaltado por pedaço de lembrança. E anunciou que estava sofrendo um cansaço. Que era natural, respondeu apressado o filho. O velho emendou, sereno.
- Não é desse cansaços que nos pesam. Ao contrário, agora ando mais celestial que nuvem.
Que aquela fadiga era a fala de Deus, mensagem que estava recebendo na silenciosa língua dos céus.
- Estou ser chamado. Quem sabe esta é nossa última vez?
O casal recusou despedir-se. Acompanharam o avô a casa e sentaram-no na cadeira da varanda. Era ali que ele queria passar a última fronteira. Olhar o rio, lá em baixo. E ali ficou, em silêncio. De repente, ele viu a corrente do rio inverter de direcção.
- Viram? O rio já se virou.
E sorriu. Estivesse confirmando o improvável vaticínio. O velho cedeu às pálpebras. Seu sono ficou sem peso. Antes, ainda murmurou no ouvido de seu filho:
- Diga a meu neto que eu menti. Nunca fiz pedido nenhum a nenhum Deus.
Não houve precisão de mensagem. Longe, na residência do casal, o menino sentiu o reverter-se o caudal do tempo. E ele se achou mais celestial que nuvem. E os olhos do menino se intemporaram em duas pedrinhas. Mas, no leito do rio, se afundaram quatro luzências.
Da feição que fui fazendo vos contei o motivo do nome deste rio que se abre na minha paisagem, frente à minha varanda. O rio das Quatro Luzes.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Mais um selo para o meu blog. Desta vez o presente veio do blog:http://zinamaria.blogspot.com/
Obrigada , Zina querida ,bjs


“Essa felicidade que supomos
(…)
Existe, sim: mas nós não a alcancamos
Porque esta sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos”

(Vicente de Carvalho-1866-1924)

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011


Ciclo Seco [ breve introdução ]
Todo mundo conhece ciclo seco, a maioria até já passou por ele. Alguns mesmo vivem desde sempre dentro dele, achando que isso é vida e eternizando o que, por ser ciclo, deveria também ser transitório. É preciso acreditar que passa, embora quando dentro dele seja difícil e quase impossível acreditar não só nisso, mas em qualquer outra coisa. Não que ciclo seco não tenha fé, o que acontece é que não podendo ver o que não é visível, fica limitado ao real.
Antes de ir em frente, é importante dizer que ciclo seco nada tem a ver com as estações do ano. É coisa de dentro do humano, não de fora, e justamente por isso não tem nenhum método: vem quando não é esperado e vai quando não se suspeita. Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais. Já está ali. É preciso atravessá-lo como a um deserto, quando se está no meio e a água acabou. Por ser limitado ao real, o ciclo seco jamais considera a possibilidade de um oásis ou de uma caravana passando. Secamente, apenas vai em frente.
Porque o real do ciclo seco são ações, não pensamentos nem imaginações. Tanto que, visto de fora, não é visível nem identificável. Não se confunde com “depressão”, quando você deixa de fazer o que devia, ou com “euforia”, quando você faz em excesso o que não devia. Em ciclo seco faz-se exatamente o que se deve ou não, desde escovar os dentes de manhã ou beber um uísque à tardinha, mas sem prazer. Nem desprazer: em ciclo seco apenas se age, sem adjetivos. A propósito, ciclo seco não admite adjetivos — seco é apenas a maneira inexata de chamá-lo para que, dando-lhe um nome, didaticamente se possa falar nele.
E deve-se falar dele? Quero supor, entusiástico, que sim. Mas não tenho certeza se dar nome aos bois terá alguma serventia para o dono dos bois ou sequer para os próprios bois — e essa é uma reflexão típica de ciclo seco. Mas vamos dizer que sim, caso contrário paro de escrever já. E falando-se dele, diga-se ainda que ciclo seco não é bom nem mau, feio ou bonito, inteligente ou burro (…) embora possa dar uma impressão errada a quem o vê de fora, ávido por adjetivar.
Ciclo seco, por exemplo, não se interessa por nada. Pior que não ter o que dizer, ciclo seco não tem o que ouvir, compreende? Fica na mais completa indiferença seja ao terremoto no Japão ou à demissão de Vera Fischer. No plano pessoal, tanto faz ler ou não ler um livro, ir ou não ao cinema — ciclo seco é incapaz de se distrair, de se evadir. Fica voltado para dentro o tempo todo, atento a quê é um mistério, pois que pode um ciclo seco observar de si mesmo além da própria secura, se não há sequer temporais, ventanias, chuvaradas? Nesse sentido, ciclo seco é forte, porque nada vindo de fora o abala, e imutável, porque de dentro nada vem que o modifique.
E nesse sentido também é antinatural, pois tudo se transforma e ele não, simulando o eterno em sua digamos, i-na-ba-la-bi-li-da-de. E sendo assim, com alívio vou quase concluindo, pode se deduzir que… Não, não se pode deduzir nada. Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos passar. Até lá, recomenda-se fazer modestamente o que se tem a fazer com o máximo de disciplina e ordem, sem querer novidades. Chatíssimo bem sei. Mas ciclo seco é assim mesmo.
Todo mundo tem os seus, é preciso paciência. E contemplá-lo distante como se se estivesse fora dele, e fazer de conta que não está ali para que, despeitado, vá-se logo embora e nos deixe em paz? Eu, francamente não sei. Ainda mais francamente, nem sequer sinto muito.
Caio Fernando Abreu in Pequenas Epifanias

sábado, 29 de janeiro de 2011


Uma conhecida história conta que o rabino viu um sujeito correndo desenfreado pelo mercado. Esbaforido, segurava com uma mão a mala e com a outra o chapéu para que não voasse. O rabino chamou o homem que, entre golfadas de ar, o cumprimentou. “Para onde você corre com tanta pressa?”, perguntou o rabino. “Como assim?”, disse o homem, não escondendo sua irritação por ter que parar. “Estou tentando ganhar a vida e corro atrás de meu sustento! Há oportunidades lá na frente que, se eu não correr, serão perdidas!” “E como você sabe que as oportunidades estão à sua frente?”, disse o rabino. “Quem sabe elas estão ao seu lado, ou, pior, talvez estejam atrás e você se afastando cada vez mais delas?” O homem ficou sem ação, ao que o rabino concluiu: “Meu amigo, não estou dizendo que não deva ganhar seu sustento, mas me preocupo que, na obsessão com seu ‘ganhar’, esteja comprometendo a ‘vida’.”
Nilton Bonder

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Ganhei este selinho da minha amiga Vivian do blog:
Obrigada Vivian

Agora vamos lá: Passar para 15 pessoas
Ana Mattos
Nelson Aharon
Vivi
Angelina
Sara
Chica
Guaraciaba
AC
Ana Paula
Vanessa Souza Moraes
Si Fernandes
Suzi Montenegro
Patrícia Maez
Glorinha L. de Lion
Esther

Nome: Eliete

Uma música: todas de Chico Buarque e Caetano Veloso

Humor: equilibrada

Uma cor: Azul

Uma estação: Outono

Como prefere viajar: de carro

Um seriado: House

Frase ou palavra dita por você: Que Deus te abençõe

O que achou do selo: Lindo!! Um prazer recebê-lo de Vivian







quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

NAS ÁGUAS DO TEMPO - Mia Couto
Um macaco passeava-se à beira de um rio, quando viu um peixe dentro de água. Como não conhecia aquele animal, pensou que estava a afogar-se. Conseguiu apanhá-lo e ficou muito contente quando o viu aos pulos, preso nos seus dedos, achando que aqueles saltos eram sinais de uma grande alegria por ter sido salvo.
Pouco depois, quando o peixe parou de se mexer e o macaco percebeu que estava morto, comentou - que pena eu não ter chegado mais cedo!"
“A fábula do macaco e do peixe” (Mia Couto)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram, e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano."..
Cecília Meireles
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O dia em que um sorriso parou São Paulo. (The day when a smile stopped S...




Se queres ser leve, se leve sempre prá passear.
Se queres ser livre, se livre de suas mágoas

Se queres ser bom, coloque bombachas na alma.
(Eliete)

domingo, 23 de janeiro de 2011


"Existe um salto entre o imaginário e a realização ?
O imaginário prepara a realização, ou permite economizá-la"?

Colette Chiland em O sexo conduz o mundo

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011


A amizade não é narcísica, ela está centrada no outro, ela se esforça para compreendê-lo e para não lhe pedir oque ele não está em condição de dar.

Saint -Exupéry escreve isso admiravelmente em "Carta a um refém"; Estou tão cansado das polêmicas, das exclusões, dos fanatismos! Posso entrar em tua casa sem me vestir com um uniforme, sem me submeter à recitação de um corão, sem renunciar ao que quer que seja de minha pátria interior.Junto a ti não tenho que me desculpar, não tenho que me defender, não tenho que provar: encontro a paz(...).

fonte: O sexo conduz o mundo de Colette Chiland

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011


À Espera dos Bárbaros de Konstantinos Kaváfis ,
na tradução de José Paulo Paes.

O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?

Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.

Que leis hão de fazer os senadores?

Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo e de coroa solene
se assentou em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.

O nosso imperador conta saudar o chefe deles.
Tem pronto para dar-lheum pergaminho no qual estão escritos muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores usam togas de púrpura, bordadas,e pulseiras com grandes ametistas e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciososde ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradoresderramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hojee aborrecem arengas, eloquências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm e gente recém-chegada das fronteiras diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

O que ganhamos quando fechamos os olhos ?
O que ganhamos quando por covardia não enfrentamos o que precisamos enfrentar?
O que ganhamos quando ficamos à espera de que alguém faça o que cabe a nós fazermos?
O que ganhamos quando não quebramos os ovos?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Para começar bem o dia


ELOGIO DA LEVEZA

Affonso Romano de Sant'Anna/Tempo de delicadeza

Esse filme sobre a vida de Vinícius de Moraes , que está surpreendendo pelo sucesso de público , me fez pensar sobre a necessidade que temos de recuperar a leveza . Houve um tempo , não faz muito , há uns 30 ou 40 anos , em que éramos mais leves . Depois vieram os “ anos de chumbo ” e desde então estamos mais para a quaresma do que para o carnaval .
Vinícius, por exemplo , era leve , tão leve , que chegava a ser leviano na gravidade de suas paixões . Tom Jobim era leve . Vinícius e Tom eram leves e engraçados . Ser leve e ser engraçado era uma característica daquela geração .
Otto Lara Rezende era leve . Era um campeão do peso pluma . Não pesava a ninguém . E vou lhes dando outros exemplos . Antônio Maria, apesar de bem gordo , era leve , basta ler também suas crônicas , como essas no volume “Seja feliz e faça os outros felizes ”(Ed. Record). Quer ver outro dessa turma levinho e engraçado- Stanislaw Ponte Preta , vulgo Sérgio Porto .

Posso alongar a lista : Ronaldo Boscoli e Miele, mais uma dupla leve . As estorinhas deles convencem a gente que a vida é uma gafe permanente e divertida. Fernando Sabino também ia por aí . Se a gente o encontrava tinha sempre noção de que ia achar graça em alguma coisa . O próprio Paulo Mendes Campos , mais retraído , era um contador de “ causos ” dele e dos amigos . Você podia estar com o Hélio Pellegrino, que sendo analista , hora nenhuma nos passava a idéia de que estava analisando nossas neuroses , não estava aí para julgar ninguém .
Com isto , as crônicas refletiam a leveza da vida . Não é que não houvesse drama e tragédia , mas as pessoas não eram baixo astral nem a crônica é como nos dias atuais uma coisa chata e pesada .
Nesses dias em que o filme sobre o Vinícius já estava passando eu tinha que fazer uma conferência sobre ele lá em Porto Alegre e acabei encontrando dentro de suas poesias completas um recorte do qual havia me esquecido totalmente. Era um texto recuperado por Genetton Moraes, que falava de três daqueles seres leves, levianos: Vinícius, Otto e Antônio Maria. Era o texto de uma entrevista dada por Vinícius ao Otto, para o Jornal da Globo, quando esse era também um jornal mais leve. Aliás, quando a televisão era mais leve, quando o pais era mais leve. Quando éramos mais leves e não sabíamos.
Vinícius narrou ao Otto que às vezes ele saía da boate Sacha’s de madrugada com o Antônio Maria e ficavam os dois andando pelo Leblon para farejar com curiosidade canina que caminhos os cachorros vadios da madrugada seguiam. Vejam, houve um tempo em que se podia andar angelicamente de madrugada pelas ruas do país para acompanhar franciscanamente cães vadios. E assim, chegaram ambos a Copacabana onde, de repente, viram um estranho aglomerado de pessoas na areia, às seis da manhã. Pensaram que era afogamento, mas perceberam que o grupo levantava ao mesmo tempo as pernas ou os braços. Eram ginastas.
Perplexos, Maria e Vinicius se dizem:-Devem ser nórdicos! E Maria que chamava sempre Vinícius de Poesia, diz:- “Poesia, vamos fazer aqui um juramento”. Qual juramento, indaga Vinícius. E Maria: “Vamos jurar que nós nunca faremos um gesto desnecessário”...
Foi uma geração de frasistas geniais. Não era só o Otto, que recebeu de Nelson Rodrigues a alcunha de “genial frasista de São João del Rei”. Eram todos frasistas. A vida, uma amizade, um amor por uma frase. Rubem Braga que vivia tartamudeando palavras, não pesava nada. E um dia quando alguém, talvez Danuza Leão, falava umas coisas pesadas sobre um ex-amante, Rubem advertiu: “Não cuspa no prato que te comeu”.
Essas pessoas eram muito o espírito de uma geração, de uma época do Rio e do Brasil. Também com um presidente leve como Juscelino, que de tão leve vivia valsando e que botou em aviões uma cidade inteira levando-a para o planalto central, com ele tudo ficava mais fácil e mais leve.
Dedico esta crônica de Affonso Romano aos meus amigos blogueiros que sempre tem uma palavra de carinho.Obrigada!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011


“O circo é uma pequenina arena fechada de esquecimento. Por algum tempo permite que nos percamos, nos dissolvamos em deslumbramento e felicidade, que sejamos transportados pelo mistério. Saímos estonteados, tristes e horrorizados pela face cotidiana do mundo. Porém o velho mundo de todos os dias, o mundo que achamos ser muito nosso conhecido, é o único mundo, e é um mundo de mágica, de inexaurível mágica. Assim como o palhaço, prosseguimos de um quadro para outro, sempre fingindo, sempre adiando o grande acontecimento. Morremos lutando para nascer. Jamais fomos nascidos, jamais nascemos. Estamos sempre no processo de vir a ser, sempre separados e isolados. Do lado de fora para sempre.”
(*Henry Miller, O Sorriso ao Pé da Escada, Editora Salamandra, 1979.)

sábado, 15 de janeiro de 2011

A gente precisa se ver mais
Meu amigo realizou o sonho de uma nova e bela casa e estamos, alguns casais e amigos, ali, para jantar e conversar. Matar saudades. Vivemos as peripécias dos anos 60, aquela coisa dos hippies, da utopia e da repres¬são. Estamos já de cabelos brancos, os que têm cabelos. De óculos. Falamos de filhos, de netos, de cachorros. São todos, de alguma maneira, bem-sucedidos em suas profissões. E, naturalmente, falamos mal do governo. Deste ou de qualquer outro.Alguns foram viver no estrangeiro exilados, outros foram para estudar. Mas voltamos. E, no clima amigável da conversação solta, a memória vai se aquecendo, os fatos vão ressurgindo, e, de repente, abole-se o tempo, confunde-se o ontem e o hoje. É tudo celebração. Celebração da vida vivida como um filme entrecortado que tivesse tido vários diretores.


- Onde estava você quando mataram Kennedy?- Onde estava você quando Getúlio se matou?- Onde estava você em abril de 64?- Where were you when they crucifica My Lord?Quando saem todos, lá pelas duas da manhã, uma frase circula no ar: "A gente precisa se ver mais". A gente se promete telefonar, marcar encontro, enfim, "se ver mais". Frase banal. No entanto, penso em como é diferente quando falada entre jovens. Aliás, jovem não fala assim. Diz: "Cara, pó! Você sumiu! Vamos no apê de fulana hoje, vai rolar um agito legal lá." Ou seja, os jovens marcam encontros para dominar o espaço. Incorporados às tribos noturnas, ficam zanzando de um bar para outro, de uma praia para outra, de um esporte para outro, conferindo espacialmente o que está ocorrendo em outros lugares. Os jovens estão desbravando corpos, e para eles o mundo é uma coisa muito ampla e distante, algo que começa depois do círculo de giz narcísico que os contém.Entre pessoas maduras, é diferente.

Desbrava-se o conhecido. O conhecimento é re-conhecimento. Não é o espaço, o tempo é que importa. Estar juntos é como estar ao redor de uma fogueira recontando a própria vida. Isto se parece também com guerreiros meio exaustos, com meia glória apenas, contando fragmentos de uma batalha ganha e perdida. E já que os presentes viveram experiências semelhantes, um é a memória do outro, o espelho do outro. É um exercício de reunir fragmentos de vida, reachar em nós a imagem de ontem e reter um pouco o presente que se esvai. Tem, de certo modo, o sentido de carpe diem. Um carpe diem meio retroativo, olhando o retrovisor. Estamos curtindo o presente densamente, como quem toma um velho e bom vinho.Mas há algo mais além da constatação de que os jovens vivem mais no espaço e os mais velhos vivem mais no tempo. Para os mais idosos nessas reuniões, a própria linguagem tem outra função.


Linguisticamente, os jovens têm mais uma fala denotativa e fática, cheia de exclamações, interjeições, poucas palavras. Não é uma linguagem dissertativa prenhe de memórias, reverberando muitas conotações como proustianamente é o caso dos adultos. O jovem conversa sobre o presente e faz rápidas alusões ao futuro. O adulto conversa retroativamente. O passado cresce continuamente, ilumina o presente e delega aos outros o futuro."A gente precisa se ver mais" significa também que nosso tempo está se esgotando, e reencontrar-se é, por um instante, conseguir suspender o tempo, povoar, alargar mais a própria vida. Parece que cada um tem uma mochila, uma bagagem qualquer, e que vai abrindo esse farnel de lembranças a ser servido na mesa comum.Essa coisa de estar juntos, vou dizer, nem precisa ser algo muito palrador, muito risonho, festivo. Existe um tipo de companheirismo silencioso, tipo cinema mudo, ou, mais pateticamente, tipo diálogo mudo de sombras. Se alguém quiser ficar calado ali, pode.Uma vez li que Samuel Beckett e não sei mais quem costumavam se sentar num café em Paris e ficar ali silenciosos madrugada adentro olhando, para onde? Para fora e para dentro, num silêncio estranhíssimo. Quer dizer, calados, se faziam companhia. Um animado papo silencioso.

Lembram-se daquela canção do Paulinho da Viola em que duas pessoas se cruzam rapidamente pela rua e vão prometendo se ver, se telefonar, enfim, reunir o que a vida dispersa e fragmenta?Pois é, a gente precisa se ver mais...
(Affonso Romano de Sant’Anna ,Tempo de delicadeza)
Recadinho para algumas amigas queridíssimas : Beth G., Adriane F., Adriane B., Estela F. , Glórinha, Bel F. , Regina B., Rosinha L., Carmem M,karina C.,
A gente precisa se ver mais...bjs

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

foto: Eliete Cascaldi

“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório, assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua;
a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
John Donne, poeta inglês do século XVI
Oremos pelos nossos irmãos que vivem o desespero das enchentes.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011


"Nenhum ser humano é capaz de esconder um segredo.
Se a boca se cala, falam as pontas dos dedos."

Sigmund Freud

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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