quarta-feira, 29 de agosto de 2012

 
O  caminho que não tomei
 
 
Entre duas possibilidades, que caminho tomar?

Um dos poemas mais conhecidos da literatura norte-americana foi escrito por Robert Frost (1874-1963). É o famoso "The road not taken", e foi traduzido pelo poeta português Antônio Simões com o título "O caminho que não tomei". Está numa recente antologia onde ele verteu competentemente 112 poemas do inglês para a nossa língua.

Entre duas possibilidades, que caminho tomar?

Pode ser entre dois amores, dois empregos, duas ruas, dois países. Pode ser uma encruzilhada qualquer. O fato é que a escolha é às vezes algo complicado. Tão complicado que uns psicólogos norte-americanos criaram a "teoria da dissonância cognitiva" baseada nesse drama. Como escolhemos as coisas, seja uma simples geladeira, uma proposta, uma roupa, e que racionalizações fazemos para justificar a direção tomada?

O poema é simples, Robert Frost foi um poeta que escrevia simples, e de tão popular que era foi chamado para ler um poema na posse do presidente Kennedy, em 1961.

Diz o poeta que duas estradas divergentes surgiram-lhe num bosque amarelado, e infelizmente ele não podia viajar ao mesmo tempo pelas duas. Eram duas estradas e ele era uma pessoa só. Ele estendeu os olhos sobre a primeira delas tão longe quanto podia até que ela se perdesse na folhagem.

No entanto, mesmo diante dessa sedução, ele tomou a outra via, que tinha uma agreste vegetação dificultando-lhe o caminho. Fazer tal escolha foi, ao mesmo tempo, obter e perder alguma coisa.

Na última estrofe, que reproduzo aqui em português e inglês, ele resume a perplexidade da situação:



"Suspirando, estarei contando a ti,


Daqui a mil anos, o que aconteceu:

Dois caminhos bifurcavam, e eu -

O menos pisado tomei como meu

E a diferença está toda aí."


I shall be telling this with a sigh

Somewhere ages and ages hence:

Two roadas diverged in a wood, and I -

I took the one less traveled by,

And that has made all the difference.


Ou seja, em minha vida eu tomei a estrada mais difícil, menos usada, e isto fez toda a diferença.(...)

O poema de Frost fala de algo mais ético e existencial. É inevitável associar a ele um outro poema, do poeta português José Régio, intitulado "Cântico Negro", e que começa assim:

"Vem por aqui!" - dizem-me alguns com olhos doces,

estendendo-me os braços e seguros

de que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: "Vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)

e cruzo os braços

e nunca vou por ali..."

E depois de repetir que não segue os outros, que só vai por onde bem quer, o poema assim termina:


"Não sei para onde vou
 

não sei para onde vou.

- Sei que não vou por aí!"


André Gide dizia que , nessa vida, o diabo é que dos cem caminhos a gente tem que escolher um e ficar com a nostalgia dos outros 99.

É possível. E há quem sinta nostalgia de todos os cem. Esse tipo de frase de efeito antigamente me tocava. Mas hoje, menos pretensiosamente, acho que nos cabe tornar o caminho escolhido mais belo e nele descobrir seus fascinantes mistérios.

 
Affonso Romano de Sant'Anna -
Tempo de delicadeza

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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