quarta-feira, 28 de abril de 2010


A TRANQUILIDADE DAS OVELHAS
A noite estava escura, céu sem estrelas. De vez em quando ouvia-se o uivo de um lobo bem longe, misturado com o barulho do vento.
As crianças reunidas na tenda do Mestre Benjamin estavam com medo. Mestre Benjamim sentiu o medo nos seus olhos. Foi então que uma delas perguntou: - Mestre Benjamim, há um jeito de não ter medo? Medo é tão ruim!
Mestre Benjamim respondeu: Há sim... E ficou quieto. Veio então a outra pergunta: -E qual é esse jeito? -É muito fácil. É só pensar como as ovelhas pensam... -Mas como é que vou saber o que as ovelhas estão pensando?
Mestre Benjamim respondeu: -Quando durante a noite, as ovelhas estão deitadas na pastagem, os lobos estão à espreita. E eles uivam. As ovelhas têm medo.
Mas aí, misturado ao uivo dos lobos, elas ouvem a música mansa de uma flauta. É o pastor que cuida delas e não dorme nunca. Ouvindo a música da flauta elas pensam: Há um pastor que me protege. Ele me leva aos lugares de grama verde E sabe onde estão as fontes de águas límpidas. Uma brisa fresca refresca a minha alma.
Durante o dia ele me pega no colo e me conduz por trilhas amenas. Mesmo quando tenho de passar pelo vale escuro da morte eu não tenho medo. A sua mão e o seu cajado me tranqüilizam.


Enquanto os lobos uivam, ele me dá o que comer. Passa óleo perfumado na minha cabeça para curar minhas feridas. E me dá água fresca para sarar o meu cansaço.
Com ele não terei medo, eternamente... (Salmo 23, paráfrase)
Mestre Benjamim parou de falar. Os olhos de todas as crianças estavam nele. Foi então que uma delas levantou a mão e perguntou: -E os lobos? Eles vão embora? Eles morrem?
-Os lobos continuam a uivar. E continuam a ser perigosos. O pastor não consegue espantar todos eles. E por vezes eles atacam e matam.
Mas as ovelhas, ouvindo a música da flauta do pastor dormem sem medo, não porque não haja mais perigo, mas a despeito do perigo. Não há jeito de acabar com o perigo. Mas há um jeito de acabar com o medo.

Coragem é isso: dormir sem medo a despeito do perigo... As crianças voltaram para suas tendas e dormiram sem medo, pensando nos pensamentos das ovelhas. De vez em quando, lá fora, ouvia-se o uivo de um lobo faminto. Desde então, tornou-se costume contar ovelhinhas para dormir.


Do livro de Rubem Alves: “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Editora Planeta,

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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