quinta-feira, 19 de março de 2015


Lições na madrugada


As coisas estão no mundo eu é que preciso aprender.
Paulinho da Viola

Há muito tempo eu não escutava um galo cantar de madrugada, até que uma noite dessas “re-vivi” essa experiência.
Acordei ou fui acordada, não sei bem, com o canto do galo, melhor dizendo, com o canto dos galos, pois um galo não canta sozinho. Há, sempre, um outro  galo que lhe responde de longe. Olhei no relógio, eram quatro horas da manhã.
A primeira impressão, confesso, não foi muito boa . Senti uma discreta nostalgia e uma pequena chateação, pois talvez demorasse em pegar no sono novamente.
Mas lentamente fui embalada pela magia daquele canto longo  e suave, e algumas lembranças rapidamente vieram ao meu encontro. Deixei-as de lado e voltei minha escuta para a característica melódica de suas notas, e, pela relação que se estabelecia entre os dois galos.
Quantas lições há em um canto de galos na madrugada.
A princípio, lembrei-me  de ter lido que  o galo simboliza a fé, pois ele canta na hora mais escura da noite, anunciando o amanhecer.A fé é a certeza que brota do nosso interior nos momentos em que tudo parece indicar o contrário. Mas naquele canto dos galos dei-me  conta  de tantas outras coisas, como a harmonia, candura e cumplicidade que existe nesta comunicação, e fiquei pensando se não é um bom exemplo do que pode ser um diálogo entre duas ou mais pessoas.
Falo do respeito que é escutar o outro até o final da sua comunicação, dar então uma pausa e só depois se manifestar. Não vi pressa nem interrupção de um galo enquanto o outro cantava, e sim o silêncio como um convite ao outro para que ele se manifestasse até o final.
Bem diferente do que geralmente acontece com muitos de nós, que sempre interrompemos o outro colocando a nossa opinião ou mesmo acreditando que já sabemos onde ele irá chegar com suas ideias .
Que bela lição a aprender quando escutei a harmonia existente no canto sem competição, sem necessidade de cantar um tom mais alto do que o outro; pelo contrário, pareceu-me que o desafio era cantar como o outro cantava.
Sei que são sentimentos meus que estou colocando nos galos, mas isso não diminui em nada a lição dessa madrugada que pretendo colocar em prática no meu amanhecer quando estiver junto às pessoas.
Quero viver o diálogo verdadeiro, pois a manifestação das ideias deve ser um belo canto que convide o outro a cantar sua alteridade com total maestria.


texto de Eliete T. Cascaldi Sobreiro

foto:Eliete




Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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