terça-feira, 25 de outubro de 2011



23/10/2011 10:54
Estado de São Paulo (SP)






De onde vêm as desigualdades - Suely Caldas


O Brasil é campeão em desigualdades. Exemplo: o governo investe míseros R$ 7,5 bilhões por ano em saneamento básico para atender o País inteiro, onde só 55% dos municípios coletam esgoto, mas em 2011 vai deixar de arrecadar R$ 116,1 bilhões isentando ou reduzindo tributos de empresas e instituições ricas. São as chamadas renúncias fiscais concedidas pelo governo federal a pretexto de desenvolver um setor econômico ou região, mas cujos resultados são duvidosos e nunca mensurados, já que não passam por nenhuma avaliação.

Dois estudos divulgados nos últimos dias questionam a eficácia da renúncia fiscal como meio de levar progresso ao País e à população. Baseado em números da Receita Federal, o cientista político do Instituto Universitário do Rio de Janeiro (Iuperj) Marcelo Sobreiro Maciel calculou em R$ 116,1 bilhões o tamanho da "generosidade" dos incentivos fiscais concedidos pelo Executivo federal em 2011. Em 2012 a cifra aumenta para R$ 146 bilhões. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chegou ao mesmo número em 2011, mas o ampliou para R$ 137,2 bilhões ao adicionar isenções na área da Previdência.

Esse valor é mais que o dobro do orçamento de R$ 63,7 bilhões do Ministério da Educação, 10 vezes mais do que é gasto com 53 milhões de pobres do programa Bolsa-Família e 18 vezes o que o governo investe em saneamento. São desses nacos de distribuição perversa da renda nacional que os governantes acentuam as desigualdades sociais no País. É assim que - constata pesquisa do IBGE
- há mais de 20 anos os Estados do Pará, Piauí, Maranhão e Rondônia têm menos de dez cidades com esgoto sanitário e, nas centenas de outras, crianças sofrem de doenças infecciosas em contato com esgoto a céu aberto.

Além de campeão em banalização e tolerância com a corrupção, o governo Lula ergue também o troféu da liderança em generosidades fiscais. Segundo a pesquisa de Maciel, em 2003, quando Lula chegou ao poder, os incentivos fiscais somavam R$ 23,2 bilhões. Desde então foram multiplicados em ritmo acelerado e, em 2012, a conta chegará a R$ 146 bilhões, um salto de 529%. A renúncia por meio da Cofins, por exemplo, foi de R$ 1.182 bilhão, em 2002, para R$ 41.278 bilhões, em 2012, um crescimento de 4.400% em apenas dez anos.

Em geral os beneficiados são empresas de setores industriais com força política e acesso fácil ao Planalto. Formam-se lobbies em que empresários se aliam aos sindicatos de trabalhadores fortes e barulhentos e conseguem aprovar seus privilégios, com custo alto para todo o resto da população. O exemplo mais recorrente é o da indústria automobilística atuando em dobradinha com os metalúrgicos do ABC, de onde saiu Lula.

A caneta do presidente basta para conceder o incentivo, já que a decisão não passa pelo Congresso. E a eficácia do resultado é desconhecida porque o governo, único com poder de aferi-la, não se preocupa em avaliar. É o que o cientista político chama em sua pesquisa de "renascimento do capitalismo de Estado". Ou seja, o poder do Estado - aí representado pelo presidente - em distribuir generosidades de capital fiscal, logicamente com dinheiro do contribuinte, que, aliás, não é o único a perder.

O Ipea constatou que 59,42% das renúncias fiscais vêm do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, justamente os tributos que o governo federal divide com Estados e municípios, por meio dos fundos de participação. Portanto, governadores e prefeitos também perdem dinheiro.

Há, ainda, outros riscos. Além de premiar empresas poderosas, a renúncia também financia a classe política. Como se trata de um benefício setorial, pontual, em que a escolha dos eleitos é feita sem critérios transparentes e deixa a maioria de fora, o incentivo fiscal abre janelas para a corrupção e o suborno da troca de favores entre o público e o privado, que acabam abastecendo os cofres dos partidos políticos. Foi o que a ex-governadora do Rio Benedita da Silva encontrou, por exemplo, ao rastrear os incentivos fiscais concedidos por seu antecessor, Anthony Garotinho. E, infelizmente, não é um caso isolado.

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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