Sou o que se chama de pessoa impulsiva.Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio,ajo quase que imediatamente.O resultado tem sido meio a meio:às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham,às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição,mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo proseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo:se reflito demais deixo de agir.E muitas vezes prova-se depois que eu deveria ter agido.Estou num impasse.Quero melhorar e não sei como.Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas.E,ás vezes, ter sido impulsiva me machuca muito.E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem.Vêm, por exemplo, da cólera.Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras,como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada.às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéfica a alguém ou a mim mesma.Ás vezes restringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna. Que farei então? Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E tambem tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura.Vou pensar no assunto.E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso.Não sou madura bastante ainda.Ou nunca serei.
fonte: Clarice Lispector/Aprendendo a viver/editora Rocco
Que reflexão linda sobre "ser autêntico". Clarice foi capaz de escrever sobre a alma humana de um jeito profundo e ao ler sua obra confirmamos o que ela dizia: "Ser sangra".