quarta-feira, 27 de março de 2013

Definição

O corpo é onde
é carne:

o corpo é onde
há carne
e o sangue
é alarme.

O corpo é onde
é chama:

o corpo é onde
há chama
e a brasa
inflama
.

O corpo é onde
é luta:

o corpo é onde
há luta
e o sangue
exulta.

O corpo é onde
é cal:

o corpo é onde
há cal
e a dor
é sal.

O corpo
é onde
e a vida
é quando.


Publicado no livro Canto e palavra (1965).
Affonso Romano de Sant'Anna

quinta-feira, 21 de março de 2013

 
 
Francisco

Marca, design, conduta, relações públicas, alinhamento interno: "habemus papam"

Que coisa mágica é a vida. Estava eu chegando a Buenos Aires na semana passada para uma reunião de trabalho e jamais poderia imaginar que estivesse ali naquele dia para presenciar a mão do Espírito Santo e da história.

Saí do Aeroparque, o belo aeroporto ribeirinho da capital argentina, e fui até o meu hotel trocar de roupa antes de minha reunião. Liguei a televisão e, para a minha surpresa, o papa já havia sido escolhido.

Durante a próxima hora, eu e o mundo esperamos para ver que novo papa a fumaça branca nos traria. E eis que ele chegou. Surpreendente como a vida. Um argentino. E eu em Buenos Aires.

Começava ali uma aula de comunicação para o mundo que resume e mostra de maneira instintiva tudo o que os teóricos enchem a paciência e perdem um tempo enorme para explicar: a comunicação de 360 graus.

O cardeal Jorge Mario Bergoglio mostrou sem PowerPoint nem lero-lero como uma palavra pode mudar tudo, como um nome pode ser capaz de transmitir para o mundo todo uma mensagem tão poderosa e precisa.

A palavra é Francisco.

Francisco é uma palavra rica de significados num mundo pobre de significado.

Francisco quer dizer coma moderadamente num mundo obeso. Francisco quer dizer beba com alegria num mundo que enfia a cara no poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar, do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da irmã Lua.

Francisco é um freio de arrumação não só na Igreja Católica Apostólica Romana, mas na sociedade a quem ela deve guiar. Em 24 horas, Bergoglio pegou uma instituição que estava emparedada e a tirou da parede, transportou-a dos intramuros do Vaticano para o meio da rua, para o meio do rebanho.

Comunicar é o papel da igreja. Para isso, foram escritos o Velho Testamento e o Novo Testamento, e Jesus não deixa dúvida quando disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho".

Ide, ao contrário do que faz a gorda Cúria Romana, quer dizer ir, não quer dizer ficar em Roma. Quer dizer ir e anunciar.

E anunciar hoje é muito mais do que o comercial de 30 segundos. Anunciar hoje é usar todas as ferramentas disponíveis, todos os pontos de contato com seu público. Papa Francisco sabe disso muito bem.

Tanto sabe que muito antes de se apresentar ao mundo na sacada do Vaticano baixou um Steve Jobs nele, e, quando o monsenhor veio lhe oferecer uma veste toda rebuscada, Francisco Jobs retrucou: Se o senhor quiser, pode vesti-la, monsenhor, eu, não. O carnaval acabou.

É digno de reparo que Francisco não fez pesquisas nem testes antes de criar tudo isso. Não precisava. Foi buscar sua mensagem no DNA da igreja. E está escrevendo certo por linhas tortas.

Mesmo as coisas conservadoras que têm dito, coisas com as quais eu pessoalmente não concordo, são muito relevantes. A igreja não pode querer agradar a todo mundo. Ela tem que marcar territórios e significar coisas, e, ao fazê-lo, naturalmente exclui almas de seu rebanho.

Marca, design, conduta, relações públicas, endomarketing, alinhamento interno: "habemus papa".

Francisco se utilizou de todos os recursos do marketing para passar sua mensagem rapidamente, com alto impacto e precisão, para o público interno e para o público externo.

Parece até que o 3G Capital assumiu o comando da igreja. Choque de gestão, orçamento base zero, alinhamento com a cultura perdida, volta às raízes, fé no trabalho, administração franciscana e disciplina de jesuíta de santo Inácio e professor Falconi.

Paradoxalmente, Francisco hoje acredita numa gestão mais parecida com Lutero do que com a tradição romana. Mas a igreja só teve que se enfrentar com Lutero porque ao longo do tempo se esqueceu da palavra Francisco.

NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC.

quarta-feira, 20 de março de 2013

CANÇÃO DE OUTONO


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles

segunda-feira, 18 de março de 2013



Igreja de Santa Sabina , em Roma
imagem do site:www.ecclesia.com.br/...
Veja a nave retangular, flanqueada aos lados por duas filas de colunas e fechada ao fundo por uma abside que acolhe o altar-mor. Se você conhecer a linguagem arquitetônica, refletirá profundamente sobre tudo isso e captará o "âmbito espiritual" que os primeiros cristãos quiseram instaurar.É um âmbito de união de um grupo de peregrinos que caminha para a pátria verdadeira.
...Quando lhes foi permitido edificar templos, os cristãos de Roma olharam ao seu redor a fim de se inspirar. O templo romano por excelência- o Panteão- possui uma planta circular e uma cúpula esférica. O círculo e a esfera são figuras "perfeitas" para os antigos, mas convidam ao estatismo, porque a partir do centro domina-se perfeitamente todo o espaço. Nada convida a percorrê-lo.Essa atitude estática corresponde muito bem à concepção romana de vida, mas se opõe ao espírito de peregrinos que caracteriza os cristãos, para quem essa  vida não é senão um prelúdio da vida verdadeira. Os primeiros cristãos rejeitaram o modelo do Panteão e tomaram a dos salões nobres denominados "basílicas". Sua forma retangular, com duas absides nos lados mais curtos e duas filas de colunas de mármore ao redor, suscitava também uma atitude estática. Para passar dessa atitude a uma que fosse dinâmica, os cristãos suprimiram uma das absides e abriram nela a porta de entrada. Eliminaram as séries de colunas correspondentes aos lados curtos e fecharam as laterais. O altar, eles o situaram diante da abside restante. E dessa forma conseguiram criar uma linha diretriz horizontal que dirige o olhar do cristão para o altar, que é o ponto de confluência comum.
Alfonso López Quintás- Inteligência criativa/descoberta pessoal de valores

quinta-feira, 14 de março de 2013

 
 
"Para chegar ao outro lado, é preciso abandonar o barco seguro dos hábitos e seguranças anteriores e andar sobre a água,como Pedro. Isso só funciona enquanto Pedro está orientado para Cristo. No momento em que percebe a ventania e as ondas, ele afunda".
Andreas Ebert

segunda-feira, 11 de março de 2013

"Onde não se admite a tristeza, ela bloqueia o fluxo da vida, e surge a depressão.Muitas vezes ela é encoberta com comprimidos ou extravasada com álcool. Assim não é possível deter o círculo vicioso. A tristeza precisa de um "container"uma pessoa ou um grupo onde possa existir e tenha lugar". Andreas Ebert

segunda-feira, 4 de março de 2013

Poder, dinheiro e sexo
Folha de São Paulo/04/03/ 2013
 
imagem da internet
 
"Meu Deus, eu queria tanto ouvir um pecado novo." Esta frase me foi dita por uma amiga minha, uma verdadeira dama, citando um padre amigo seu.
Esta fala revela a repetição dos temas humanos: dinheiro, poder, sexo. Nada há de novo embaixo do sol, como diz a Bíblia Hebraica. Iniciantes acham que há.
Posso imaginar a monotonia do confessionário. Para nós, mero mortais, a ideia, por exemplo, de uma mulher contando suas infidelidades, reais ou imaginárias, é uma delícia de luxúria. Para o apreciador do sexo frágil, o segredo do mundo está entre as pernas das mulheres.
Aliás, a luxúria é um dos sete pecados capitais. E pecado é coisa séria, apesar de hoje estar na moda achar que não existem mais pecados. Eu, que sou um medieval, creio mais neles do que nas ciências humanas.
Ingênuos acreditam que a vida mudou em sua "essência". Mesmo o caso do Vatileaks repete a velha história de poder, dinheiro e sexo.
Mesmo Jesus, em seus 40 dias no deserto (que por sua vez simbolizam os 40 anos do povo hebreu perdido no Sinai, pós-Egito), foi tentado nesta velha chave: poder, ouro, mulheres.
Mas existe uma hierarquia nesta estrutura. Por exemplo, ninguém nunca perdeu mulher perseguindo dinheiro (ouro), mas sim perdeu muito dinheiro perseguindo mulher, portanto, dinheiro é mais essencial e seguro do que começar por mulheres. Uma vez tendo o dinheiro, elas virão.
"Sabedorias" como essa falam do pecado, essa marca de nossa natureza humana.
Prever o comportamento humano a partir do pecado é quase uma ciência exata.
Uma coisa chata sobre essa ciência exata do pecado é justamente ela furar nossas utopias.
E o mundo moderno, assim como é o tempo da técnica e da ciência, é também o tempo da mentira moral generalizada que se diz utopia.
Adianto que não uso pecado aqui como algo necessariamente religioso, mas sim como traço de comportamento verificável do tipo "ratinho do Pavlov": os sete pecados capitais funcionam "cientificamente" melhor do que a luta de classes.
Lembre, por exemplo, da inveja que seu colega de trabalho tem quando você tem mais sucesso do que ele.
E se ele não reagir de modo banal, isto é, babar de inveja, saiba que você está diante de alguém de caráter. Coisa rara.
As feias querem matar suas colegas mais bonitas. A única esperança das feias é que as bonitas sejam mesmo burras e superficiais.
Mas a luxúria é top. Depois da revolução sexual pensamos que a luxúria não existe mais e que "sexo salva". Pensar isso é coisa de iniciante.
O que caracteriza o pecado é que ele extenua a pessoa. A ideia mais perto disso é a ideia de vício. Vício em drogas, álcool. Luxúria seria o vício no sexo.
Alguns especialistas acham que não existe vício em sexo e que falar disso é simplesmente ser "moralista" ou ter inveja de quem faz muito sexo.
Eu suspeito de que quem acha que não existe vício em sexo é que não faz sexo o suficiente, por isso não sabe o que é estar submetido a um desejo que destrói a alma.
Neste caso, a simples visão de uma mulher, suas pernas, sua voz, seus gestos, implica no silêncio do resto do mundo.
Os antigos e medievais entendiam mais da natureza humana do que nós, principalmente porque eram menos utópicos e não sofriam dessa bobagem de achar que é a "ideologia" que determina quem somos.
A "crítica da ideologia" é uma das pragas contemporâneas e virou uma espécie de fetiche do pensamento, que nos impede de ver o óbvio: poder e dinheiro trazem sexo, seja homem ou mulher, isso não é "ideológico".
Quase todo mundo faz quase o tempo todo quase tudo por poder, dinheiro e sexo.
Sobre o risco de conceitos virarem fetiche, o livro de Luís de Gusmão, "O Fetichismo do Conceito" (Topbooks), é uma pérola. Recomendo para quem acredita em "mitos".
Autores como Evagrio Pônticos (345-399), Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274) podem nos ensinar bastante sobre natureza humana.
Saia da moda e leia os antigos e os medievais. Para eles, o pecado é a perda da autonomia da vontade. Quem nunca viveu isso, que se cale e vá brincar.
 
Luiz Felipe Pondé, pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às segundas na versão impressa de "Ilustrada".

sábado, 2 de março de 2013

Como é bom saber que ainda há jovens que acreditam no Amor.
Esse texto é de Guilherme Palazzo

     imagem: Leonid_ Afremovi_by

"E assim o filho ia vivendo. Vivia apenas por viver? Acredita-se que não, mas não tinha emoção. Todo dia, quando chegava da escola, era a mesma
ideia sobre as coisas. Nada parecia mudar sua percepção. Nada parecia fazer com que ele olhasse para uma maçã e percebesse o que estava além da maçã.
 Você percebe? Certo dia chegou da escola e não só ele, como também sua mãe, perceberam que algo havia mudado. Foi uma mudança tão repentina quanto o breve olhar que fitou em
uma garota na escola. Apesar da brevidade, aquela imagem ficou martelando em sua cabeça até a hora ue chegou em casa.
Nada pôde fazer naquele momento em que não houve troca de olhares, pois já era hora de ir embora. Mas falaremos disto
depois. Almoçou normalmente e adivinha o que havia de sobremesa? Maçã. Pegou-a como quem pega algo muito frágil. Ficou ali, parado, olhando e apreciando uma beleza que jamais
soubera ver. Para ele o tempo não estava passando, mas na verdade estava e estava tão rápido, que ele não conseguia acom-
panhar...então preferiu se sentir estático para eternizar aquele momento. Sua mãe passou e não mais que por impulso perguntou :
"Você ainda está ai filho? O que está acontecendo?" Ele nem se quer ouviu o que sua mãe disse pois estava muito concentrado, mas logo a indagou:
 "Mãe, o que é o amor?" Ela não sabia exatamente o que responder, aquela pergunta a havia deixado surpresa e, ao mesmo tempo,
não sabia se era a hora certa para tentar explicar. Pestanejou. Hesitou. "Bem filho, o amor é...como posso lhe explicar...o amor é por si só, a sua plenitude."
- Disse. Pensou rápido que se ele havia feito tal pergunta, era porque estava sentindo algo diferente e mesmo pensando que
ele não havia entendido sua explicação, saiu de perto e o deixou pensando. O garoto nem ao menos sabia o que era plenitude e, instigado pelo momento, foi logo ao dicionário que guardava no
 criado-mudo de seu quarto. Procurou. Achou. Leu. Entendeu. Entendeu? Ah, sim! Entendeu a oalavra, mas e o amor?"
Você o entende? Você o quer entender? Não seria melhor senti-lo? Não se ateve mais ao que sua mãe disse, apenas olhou
para a maçã e sentiu, mesmo sem entender. Já estava tarde, apesar de não parecer aquele momento solene o roubara a tarde e parte da noite.
Deitou-se e sua única pretensão aquela noite era sonhar com aquele belo rosto. No dia seguinte, fitou novamente a garota com seu olhar tímido e solitário, mas agora com uma certeza.
A certeza de que ela lhe remetia a algo que aconteceu anteriormente, mesmo não a conhecendo de lugar algum.
 Ficou muito confuso apesar de tal certeza e, entendeu menos ainda, mas sentiu. Era o amor. Era o olhar diferente para a maçã. Era o olhar para qualquer objeto eo transformá-lo para
sua realidade, para algo que te faz bem. Ele amou aquela garota, a amou com os olhos. Amou com a certeza da incerteza do que iria acontecer e era isso que brotava o sentimento a cada dia. A vontade de não entender, para ai sim entender
como o amor era belo, singelo.
 Sua garra e determinação pelo sentimento eram tamanhos, que levaram tal garota à idolatria. Sim, ele conseguia amar com os
olhos! Voltou para casa com um sorriso estampado em seu rosto que jamais ousara mostrar. Apenas sentou à mesa como um dia normal e, mesmo sentindo tudo que queria sentir, não
pediu conselhos à sua mãe, pois não queria tentar entender. Sua maior vontade daquele momento em
diante, era que alguém lhe perguntasse se sua vida teria valido a pena, para que ele pudesse encher o peito de orgulho e dizer: sim, pois eu amei."

Apontadora de Idéias

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São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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