sábado, 19 de março de 2011


CIÚME

Lygia Bojunga
Eu tinha 9 anos quando a gente se encontrou: o Ciúme e eu.Era verão. Eu dormia no mesmo quarto que a minha irmã. A janela estava aberta.De repente, sem nem saber direito se eu estava acordada ou dormindo, eu senti direitinho que ele estava ali: entre a cama da minha irmã e a minha. A noite nãoinha lua nem tinha estrela; e quando eu fui estender o braço para acender a luz, ele não quis:
“Me deixa assim no escuro.”Que medo que me deu.Senti ele chegando cada vez mais perto. Fui me encolhendo.“Pega a minha irmã”, eu falei.
“Ali, ó, na outra cama. Eu sou pequena e ela já fez 14 anos, pega ela. Ela é bonita e eu sou feia; o meu pai, a minha mãe, a minha tia, todo o mundo prefere ela: por que você não prefere também?”

Mas o Ciúme não queria saber da minha irmã, e eu já estava tão espremida no canto (a minha cama era contra a parede) que eu não tinha mais para onde fugir, então eu pedia e pedia de novo:

“Ela é a primeira da turma e eu tenho horror de estudar, olha, ela tá logo ali; e ela é tão inteligente pra conversar! Ela diz poesia, ela sabe dançar, o meu pai tá ensinando inglês e francês pra ela e diz que pra mim não vale a pena porque eu não presto atenção, então você pensa que eu não vejo o jeito que o meu pai olha pra ela quando todo o mundo diz que encanto de moça que é a sua filha mais velha? Pega, pega, PEGA ela!”
“Não. Eu quero é você.”
E o Ciúme disse aquilo com uma voz tão calma que eu fui me acalmando. E o medo meio que foi passando.
“Bom” eu acabei suspirando “pelo menos tem alguém que gosta mais de mim do que dela.”E aí o vento do mar entrou pela janela, soprou o Ciúme e apagou ele feito vela.========================================================

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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