Minha receita de felicidade
Sou uma psicóloga mineira que
vive no interior de São Paulo há vários anos, mas faço questão de cultivar
minhas raízes! Na minha família, o ritual da alimentação sempre foi muito
presente. Gostamos de nos reunir em volta da mesa no café da manhã, no almoço,
no café da tarde e no jantar. Lembro-me, na infância, do meu pai saindo
escritório para tomar café da tarde na casa da minha avó. Sempre havia um bolo
saindo do forno, pão de queijo, ou pão de padaria crocante! Parece exagero, mas
esses hábitos agregam a família. Na mesa, entre delícias, há muita conversa,
reflexões, risadas, histórias, lembranças, decisões e até discussões. Todos os
acontecimentos importantes da minha família foram discutidos em volta da mesa
da cozinha! Quando contei à minha mãe que eu estava grávida, ela estava toda
enfarinhada, abrindo uma massa com um rolo e continuou preparando a torta com
lágrimas nos olhos. É assim nos batizados, nos aniversários, nos casamentos, nas
formaturas, nos funerais da nossa família... Cada momento com seu tom, sua
singularidade!
Adoro reproduzir receitas de
família. Isso traz lembranças afetivas da minha infância e adolescência. Ao
provar aquele bolo de fubá com erva doce da minha avó, ou o bolinho de chuva da
minha mãe, eu sinto uma sensação de conforto, um acalento na alma. Como Proust,
no seu livro “Em busca do tempo perdido” ao molhar suas madeleines numa
xícara de chá:
“Um dia inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra os meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por que, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madaleines (…) No mesmo instante em que aquele gole, envolto com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo.”
Seguindo essa tradição, minha
receita de felicidade é desfrutar do tempo lento para preparar minhas refeições.
Funciona mais ou menos assim:
Tenha uma boa noite de sono e
acorde ao lado de uma boa companhia (pode ser a sua própria companhia)
Ouça uma música que te alegra o
coração, enquanto toma o seu café da manhã sem pressa.
Tenha tempo.
Vá à feira num domingo de sol.
Vista-se da maneira mais
confortável possível e sinta-se linda, independente dos que as outras pessoas
possam achar, isso não é importante para você!
Perca tempo na feira. Passeie.
Contemple o belo. Encontre pessoas. Converse.
Alongue seu corpo. Respire.
Caminhe.
Coma pastel com caldo de cana,
sem se preocupar com as calorias.
Veja o que a feira pode te
oferecer e pense na refeição que quer preparar. Converse com os feirantes,
troque receitas, experimente, saboreie!
Em casa, coloque o som dos
Beatles pra tocar e prepare sua refeição sem pressa, utilizando muitas ervas e
temperos frescos, de preferência, cultivados por você.
Sinta os aromas, os sabores e as
texturas dos alimentos. Ouça o som da água borbulhando, o calor do vapor que
sobe da panela, as cores atraentes dos legumes.
Use uma panela antiga, de pedra,
herdada da sua avó.
Prepare uma mesa linda, pois a
apresentação também faz parte da refeição. Não é preciso luxo, a simplicidade
carrega a beleza da singeleza. O que vale é o cuidado, o amor!
Compartilhe essa refeição com as
pessoas que você ama.
Este ritual culinário, que mais
parece bruxaria, é minha receita de felicidade!
Patrícia Machado Domingues