quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Quaresma - Frei Beto/2012






 
Entro nessa Quaresma sem fantasia, disposto às abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim mesmo, a minha verdadeira identidade.
Calarei a língua ferina e não macularei a fama alheia exposta em público no varal de minhas cordas vocais.
Não darei ouvidos a inconfidências, nem ao ruído ensurdecedor das palavras vãs de quem só escuta a própria voz.
Fecharei o olhos para ver melhor e abrirei as janelas à revoada dos anjos.
Contemplarei as montanhas ocas de minha terra e derramarei uma lágrima por seus úteros arrancados e sonegados ao meu povo.
Nesta Quaresma, riscarei de meu dicionário o vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei no coração solidariedade.
Irei ao encontro de quem ainda luta por direitos animais: comer, beber, educar a cria e abrigar-se das intempéries.
Só assim costurarei minha humanidade esgarçada.
Jejuarei da ânsia consumista e ofertarei meu supérfluo tão necessário ao próximo.
Abrirei a janela do carro e afagarei as crianças de rua, filhos de minha imobilidade frente a tantas injustiças.
Pagarei, com juros, a minha dívida social.
Farei de Jesus parceiro de aventuras e deixarei que o seu Espírito engravide o meu.
Buscarei o silêncio orante e meditarei para inebriar-me da espiritualidade do conflito.
Adotarei o Sermão da Montanha como estatuto pessoal e acertarei meus passos nas trilhas de Gandhi, Che Guevara e Luther King.
Arrancarei toda erva daninha - ciúme, inveja, ira - do canteiro de meus amores e cultivarei copas frondosas de quaresmeiras coloridas de ternura.
Serei perdulário com o bom humor e espalharei alegria como o ar que nos é dado a respirar.
Nesta Quaresma, participarei da Campanha da Fraternidade e direi não às drogas - as que me consomem horas de vida no cuidado envaidecido de meu corpo e as que me aprisionam no medo de lutar contra as iniqüidades.
Desfraldarei a bandeira de minha indignidade e revelarei esperanças que, olhos no futuro, me fazem acreditar num belo horizonte.
Peregrino solitário e solidário, irei às fontes do transcendente.
Ao encontrar meu próprio poço,mergulharei como um menino em suas águas profundas, até que o Pai de Amor me acolha em seus braços, dando-me de beber o vinho pascal do homem novo.













Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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