sexta-feira, 31 de maio de 2013

Consolo Na Praia

Carlos Drummond de Andrade

 
 
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
 
..."A ideia da perda é um dos polos básicos da construção poética, referindo-se a etapas da existência considerada míticas na tradição literária romântica ocidental: a infância e a juventude. O que está sendo perdido é o tempo idílico da inocência e da ingenuidade: é a fantasia de um mundo durável e claramente organizado.
Além de continuidade do substrato orgânico, há também a ideia de vida, como força, ânimo e entusismo para resistir e sobreviver ao naufrágio de certas ilusões".
Livro: Solidão-Solitude
Passagens Femininas do Estado Civil ao Terítório da Alma de Luci Helena Baraldo Mansur. Editora Edusp
 



segunda-feira, 27 de maio de 2013

 
 
Há pessoas que nos fazem voar. A gente se encontra com elas e leva um bruta susto (…) elas nos surpreendem e nos descobrimos mais selvagens, mais bonitos, mais leves, com uma vontade incrível de subir até as alturas, saltando de penhascos. Outras, ao contrário, nos fazem pesados e graves. Pés fincados no chão, sem leveza, incapazes de passos de dança. Quanto mais a gente convive com elas mais pesados ficamos.

quinta-feira, 2 de maio de 2013


MEGAFONES
Denise Fraga

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
 
Acho que muitas namoradas não conseguiram terminar seus falidos namoros adolescentes por culpa da famosa e melosa frase de Saint-Exupéry. Se o namorado fosse loiro como o Pequeno Príncipe, então, era quase impossível. Lá vinham os campos de trigo se misturando aos cabelos do rapaz e o rompimento ficava de novo para o sábado seguinte.
 
Fui uma delas. E, quando finalmente consegui dar adeus ao meu namoradinho cansado, ele deixou a frase grudada por fora no vidro da janela do meu quarto para que eu nunca mais pudesse olhar o horizonte sem a culpa necessária pelo que eu estaria deixando para trás.
Alguns anos de análise cuidaram disso. Esqueci a frase, perdoei Saint-Exupéry e devo ter acumulado, como qualquer um de nós, uma lista de pessoas cativadas abandonadas por minha responsabilidade.
Mas, dia desses, o Pequeno Príncipe apareceu em minha cabeça num curioso embate com Carlinhos Brown e Marisa Monte. "Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem..."
 
Assim, isolados, os versos da canção dos Tribalistas me pareceram a trilha perfeita para as redes sociais. Nós nos livramos do peso da frase do Pequeno Príncipe ao seu cativante aviador, mas, mesmo se assim desejássemos, não daríamos mais conta de nutrir tantos seres cativados por nossos posts, tuitadas e cliques. Nossa responsabilidade pelo que cativamos já pode até ser medida em número de "curtidas", mas o retorno personalizado ao curtidor fica cada vez mais raro.
 
Viramos todos oradores em praça pública.
 
 Outro dia, ouvi numa conversa: "Não dá mais pra falar para uma pessoa só. É perda de tempo". E foi aí que a frase adolescente ressurgiu para mim cheia de sentido e desprovida de todo o açúcar.
Nós nos tornamos responsáveis pelo que cativamos porque é no outro que nos reconhecemos. Como que refletidos em espelhos variados, garantimos a certeza da nossa existência a partir de onde reverberamos. É a partir do outro que tomamos posse de quem somos. Do outro. E não dos outros. Um de cada vez montando o rico mosaico que compõe nossa personalidade.
 
Porque não existe Fulano. Existe o Fulano que se lê nos olhos de quem o recebe. Dois olhos e não milhares. Porque senão não é pessoa, é persona. Uma imagem de si que se irradia sem se alterar pela convivência, pelo recebimento, pela relação com o alheio. Um Fulano a partir de si, que mal se reconhece, mesmo com um bilhão de curtidas.

 
Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e  Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".
fonte: "http://www1.folha.uol.com.br/colunas/denisefraga/1270511
 

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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