quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


Narciso e Narciso
Ferreira Gullar


Se Narciso se encontra com Narciso

e um deles finge

que ao outro admira

(para sentir-se admirado),

o outro

pela mesma razão finge também

e ambos acreditam na mentira.


Para Narciso

o olhar do outro,a voz

do outro, o corpo

é sempre o espelho

em que ele a própria imagem mira.

reflete o que o admira

num jogo multiplicado em que a mentira

de Narciso a Narciso

inventa o paraíso.

E se amam mentindo

no fingimento que é necessidade

e assim

mais verdadeiro que a verdade.
Mas exige, o amor fingido,

ser sincero o amor

que como ele é fingimento.

E fingem mais

os dois

com o mesmo esmero

com mais e mais cuidado

- e a mentira se torna desespero.

Assim amam-se agora se odiando.

O espelho

embaciado,

já Narciso em Narciso

não se mira:

se torturam

se ferem

não se largam

que o inferno de Narciso

é ver que o admiravam de mentira

Apontadora de Idéias

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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