Num tempo não tão distante assim
Num tempo
não tão distante assim, viviam pessoas um tanto estranhas, de um modo um
tanto estranho também .
Moravam em pequenas cidades e seus hábitos eram por demais
diferentes dos nossos - seres modernos e sofisticados - que têm como diversão,
após uma jornada de trabalho de dez ou doze horas, colocarem-se em frente à tevê ou
computador e distraírem-se até o sono chegar.
Sinceramente, não sei o que aquelas pessoas pensavam sobre a vida;
o que sei é que os fatos relatados são a mais pura verdade, mas vou avisando:
”qualquer semelhança é mera coincidência”, afinal, não poderíamos ter
parentesco algum com seres tão “ingênuos”.
Nas tardes mais quentes, por volta das dezoito horas (imaginem!),
já estavam em casa e, após o jantar em que comiam sem se preocupar com as
calorias ingeridas, puxavam as cadeiras e sentavam-se nas calçadas. Às vezes,
só a família, outras vezes, abriam a
roda para os vizinhos e todos juntos
ficavam conversando até bem tarde .
De madrugada, o leiteiro passava entregando o leite e, um pouco
mais tarde, o padeiro deixava o pão quentinho. Mas, só após o apito da fábrica
é que todos se levantavam. Os homens saíam para trabalhar e as mães preparavam
seus filhos para a escola; durante o percurso eram muitos “bom-dia“. Algumas
mulheres colocavam-se à janela para um papinho ou para fofocar, outras varriam
suas calçadas e outras passavam apressadamente com um saco de roupas na cabeça.
Tudo muito estranho realmente! À tarde, geralmente, as mulheres e suas empregadas
faziam deliciosos quitutes: bolachinhas, bolos, biscoitos e a vizinha sempre
ganhava uma generosa porção. Alguns dias depois, era a vizinha que vinha com
outras guloseimas no prato emprestado, pois era ” falta de educação” devolvê-lo vazio.
Quando o casal saía a pé para passear, o homem tinha por costume
zelar pela proteção da mulher, tomando sempre a posição de ficar do lado da rua
e a mulher “guardada” do movimento dos carros ou dos transeuntes.
Não era necessário dinheiro, cheque ou cartão de crédito na compra
de alguma coisa; o costume era marcar, pôr na “conta”, ou na caderneta e, no
final do mês, pagava-se o que estava devendo, sem juros, imaginem! Nas padarias
era costume o proprietário agradecer o pagamento efetuado pelo cliente com
alguns doces deliciosos.
Porém, nem tudo era um mar de flores nesse país muito estranho.
As preocupações existiam, pois as ameaças sempre estiveram
presentes na vida dos seres humanos, mas eles contavam com mecanismos de
proteção infalíveis. Antes de dormir, as crianças olhavam embaixo da cama para
verificar se não havia ladrão e, ao
deitar, pediam a bênção do pai e da mãe, após rezarem pedindo a proteção do Anjo
da guarda.
Os adultos, quando saíam de casa, escondiam a chave no vaso do
terraço, ou na janela, para que seus filhos pudessem entrar quando chegassem.
Os medos, geralmente, eram de assombrações, mulas- sem- cabeça,
almas penadas.
Aventura era pular do trampolim na piscina, subir em árvore,
escorregar no corrimão das escadas ou jogar amarelinha para chegar ao céu.
É claro que nesse tempo as crianças não eram ”santinhas”, já
faziam suas artes, como esconderem-se atrás da porta para observar a avó tirar
a dentadura ou usar estilingue para matar passarinhos. Os adolescentes eram
terríveis, escondiam-se no banheiro para fumar, as mocinhas, nos quartos, para
lerem fotonovelas e, no “escurinho do cinema”, davam beijos apaixonados.
Consideravam “maior barato” mascar chiclete e bala Chita.
Tinham também suas crendices, como deixar o gomo menorzinho da
tangerina secando para que Nossa Senhora viesse buscá-lo, e dar um susto na
pessoa que estava com soluço. Cantavam seu grito de guerra ao som da Jovem
Guarda, “quero que vá tudo para o inferno”, “eu sou terrível”; tocavam com seus
violões a música do Caetano que incitava todos a saírem “sem lenço e sem documento”, e
recebiam muitas outras influências , até do além- mar - como um grupo de jovens
cabeludos que faziam as meninas desmaiarem quando apareciam com suas guitarras
cantando “Yellow Submarine”.
Realmente estranhos esses habitantes, pois não ficavam como nós
assistindo ao Big Brother Brasil e pensando qual participante deve sair da casa
e quem merece ganhar o prêmio e pousar nu para as revistas para, finalmente, e
conseguir a “fama”. Estavam sempre “gamados”, ou melhor, apaixonados, só
queriam dançar de rostinho colado e de olhos fechados.
Estar na moda era ter uma calça ” jeans” desbotada, (para isso, a
esfregavam no tanque até ficar bem surrada).
Poderia continuar a relatar muitas outras esquisitices desse povo,
mas vou terminar com o que considero o mais estranho e o mais “repugnante“ de
todos os fatos.
O tempo, nesse tempo, era diferente, andava mais devagar. Uma
mulher que não tivesse um namorado até por volta dos 20 anos ia ficar “pra
titia” e, após os cinquenta anos, as pessoas eram consideradas velhas!
Ainda bem que a civilização moderna chegou!
texto: Elliete T. Cascaldi Sobreiro
imagem: Mone