domingo, 29 de novembro de 2009

Receita indígena de amor à vida
Gostar de viver é uma arte que se aprende. Portanto, é preciso que alguém ensine. O quanto antes, desde a infância. Este é um dos grandes segredos das saudáveis culturas indígenas, que há séculos resistem ao violento assédio da civilização urbana: nutrem suas crianças com os elementos fundamentais do desejo pela vida. Com mitos e ritos cultivados ao longo das gerações, as nações preservadas dão exemplos simples e claros de como a sociedade dos “brancos” pode recuperar aquele valor essencial que ajuda os futuros adolescentes a ver, de cara limpa, algo emocionante no mundo. Algo além do simples nascer, existir e morrer só ocorre quando se tem uma história que demonstra a força dos antepassados, sua determinação de fazer coisas, desfrutar e permitir que a trajetória continue através dos descendentes. Assim as crianças se sentem desejadas, não só pelos pais mais por todos os que as precederam, sentem-se valorizadas, vêem um sentido maior no fato de acordar todas as manhãs, cuidam melhor de si e da natureza ao seu redor, porque sabem que seu tempo de viver não é mera obra de uma roleta biológica. Sua individualidade não vira solidão, porque fica amparada por este algo-mais transcendente, que pertence a cada um e ao qual todos pertencem.
Há um quê de especial em viver assim, um plus de energia para enfrentar a adversidade, mas é preciso sustentar estas referências na cultura. E os povos indígenas sabem fazer isso muito bem, ao preservar suas imagens e representações dos fenômenos e sentimentos. Os mitos dão nome, forma e até cara ao inominável, ao imponderável, ao incontrolável que está na natureza e nas pessoas, e isso alivia a angústia que todo mundo sente diante do universo que não cabe na compreensão humana, que excede em anos-luz a capacidade de pensar e entender. Quaisquer que sejam, os mitos sustentam o pensamento sobre a própria existência, e então é possível dar valor a ela.
Sabiamente, os pais da floresta não bombardeiam nem descaracterizam seus mitos diante dos filhos. Diferente do que se faz com um Papai Noel, por exemplo, que deixou de ser o nome da generosidade para virar garoto-propaganda e entregador de presentes. Arranhar estas imagens é abrir um vazio e plantar a insegurança, onde brotam o ceticismo mórbido, esse ar blasé de quem confia ma non troppo, a amizade com pé-atrás, os negócios sem palavra de honra nem fio-de-bigode, as relações à espera da traição. Ser ponta firme é coisa de quem cresce com imagens sólidas até que possa, já grande, amadurecer para a relatividade do mundo.
É coisa de quem vê cultivado seu desejo de viver, e isso os povos da terra também fazem com maestria através de seus ritos. As datas, festas e celebrações que marcam cada etapa do crescimento acendem nos pequenos a expectativa e o empenho, a visão de futuro e a confiança de muitas conquistas. Os ritos são, por si, a afirmação concreta da fé na vida. Mais que isso, envolvem toda a comunidade num projeto de esperança, com um processo completo de realização: a parceria, o plano, a preparação, o grande momento de prazer para si e para todos, e o fim de tudo com a volta à rotina.
Curumins amparados em seus mitos e ritos não precisam de constantes choques de adrenalina nem terão de atrair problemas e enroscos para que alguma razão momentânea ocupe um doloroso vazio pré-depressão. Algo comum em sociedades que quebram seus símbolos, que ficam áridas. Perdem facilmente o valor de existir e banalizam tanto a vida quanto a morte manifestado na inveja e no impulso de agressão ao que e a quem representar uma diferença. As nações indígenas que perderam seus rumos num holocausto de 500 anos já perceberam que a reconstrução depende do resgate deste conhecimento vital. Amparando-se nas comunidades mais sólidas, vão demonstrando como nunca a força da educação emocional. E indicam respostas para dúvidas que hoje amedrontam muitos outros povos do planeta.

Ivan Capelatto e Angela Minatti

sábado, 28 de novembro de 2009

A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.
O amor, o sono, as drogas e intoxicantes, são formas elementares da arte, ou, antes, de produzir o mesmo efeito que ela. Mas amor, sono, e drogas tem cada um a sua desilusão. O amor farta ou desilude. Do sono desperta-se, e, quando se dormiu, não se viveu. As drogas pagam-se com a ruína de aquele mesmo físico que serviram de estimular. Mas na arte não há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio. Da arte não há despertar, porque nela não dormimos, embora sonhássemos. Na arte não há tributo ou multa que paguemos por ter gozado dela.
O prazer que ela nos oferece, como em certo modo não é nosso, não temos nós que pagá-lo ou que arrepender-nos dele.
Por arte entende-se tudo que nos delicia sem que seja nosso — o rasto da passagem, o sorriso dado a outrem, o poente, o poema, o universo objectivo.
Possuir é perder. Sentir sem possuir é guardar, porque é extrair de uma coisa a sua essência.
fonte: Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009


"Deus costuma usar a solidão para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva, para que possamos compreender o infinito valor da paz. Outras vezes usa o tédio, quando quer nos mostrar a importância da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio para nos ensinar sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço, para que possamos compreender o valor do despertar. Outras vezes usa doença, quando quer nos mostrar a importância da saúde. Deus costuma usar o fogo, para nos ensinar sobre água.
Às vezes usa a terra, para que possamos compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte, quando quer nos mostrar a importância da vida".
autor desconhecido

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O místico Angelus Silésius escreveu sobre o anjo da anunciação:
"Que me aproveita, ò Gabriel, que saúdes Maria,
Se não tens a mesma mensagem para mim?"

Em outras palavras , a audição de uma história, por mais bela que seja, não nos será de proveito algum se não soubermos tirar dela uma aplicação prática para nossa conduta.
Fonte:O caminho da tranformação (segundo C. G. Jung e a alquimia) de Etienne Perrot




terça-feira, 24 de novembro de 2009


Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
a palavra na língua
aquietá-los.
Mortos?
O mundo.
Mas podes acordá-lo
sortilégio de vida
na palavra escrita.
Lúcidos?
São poucos.
Mas se farão milhares
se à lucidez dos poucos
te juntares.
Raros?
Teus preclaros amigos.
e tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
Hilda Hilst

domingo, 22 de novembro de 2009


"Onipotência é tentar mudar o que é para ser aceito, enquanto impotência é aceitar o que é para ser mudado. O caminho do meio da potência pode ser chamado de humildade: assumir o exato tamanho no preciso momento".
Roberto Crema

sábado, 21 de novembro de 2009

TAREFAS FACILITADORAS PARA O PROCESSO DE ACEITAÇÃO DE SI MESMO.

Cultive-se. Só aceitamos o que conhecemos; só amamos o que aceitamos; só conhecemos o que amamos.



É preciso cultivo para nos habilitarmos na arte da aceitação. Experimente acordar qual flor orvalhando aos primeiros raios de sol. Atente-se delicadamente e sem esforço, ao jardim dos sonhos. Se possível, colha algum sonho e o anote, com cuidado, procurando saborear o seu sentido.Dedique a primeira parte do dia a si mesmo, ao cultivo do ser.



Deixe florescer, como um jardineiro, todos os aspectos de si. Acolha, com plena atenção, as flores e os espinhos, a luz e a sombra, o bonito e o feio. Com equanimidade, entre em contato com o seu lado sombrio, para integrá-lo e trancendê-lo. Expresse suas diferenças com os demais; espresse a sua harmonia e o seu incômodo: confronte.

Permita o findar, para o renovar. Aprenda a finalizar, a dizer adeus. Consinta na morte, para renascer. Abra mão do controle para se deixar guiar pela Vida, a grande mestra.

fonte:Roberto Crema / Saúde e Plenitude: Um caminho para o Ser

quinta-feira, 19 de novembro de 2009


Seja feita a sua vontade...
" 'Capitular' nunca foi verbo do meu agrado. Sempre pensei que tivesse apenas um significado, o de perder e ser derrotado.Há também um significado espiritual para a palavra.
Capitular é aceitar que há um rítmo de aumento e diminuição para os acontecimentos e confiar em que boas coisas podem acontecer sem que tenhamos necessidade de controlá-las". Peter Block
PERDOAR
"Perdoar não é o mesmo que desculpar. O verdadeiro perdão ocorre quando compreendemos que não há nada para perdoar- que cada experiência é uma parte necessária do currículo da vida. O perdão é uma mudança na consciência.Ocorre quando compreendemos que o ressentimento provoca mais danos no vaso onde é armazenado que no objeto sobre o qual é despejado.
O perdão não significa que permitimos a nós mesmos que abusem de nós. Em vez disso, significa aprender a evitar nossos "atacantes". È a "arte marcial " da consciência.
Enright esteve realizando pesquisas a respeito da natureza do perdão, que ele define como a capacidade de " tirar da mente o ressentimento , a raiva e o rancor, e de sentir compaixão pela pessoa que nos fere".
A pesquisa de Enright demonstra de maneira consistente "que as pessoas que são capazes de perdoar beneficiam-se por meio de uma diminuição de ansiedade, de depressão e de hostilidade, e um aumento de esperança, de auto-estima e de bem-estar existencial".
fonte:Gerenciamento quântico de Charlotte Shelton

terça-feira, 17 de novembro de 2009


"QUANDO OS SONHOS SE TRADUZEM EM CONSUMO,

onde os sentidos e tendências partem do mercado". São estas questões que o Nilton Bonder aborda em seu livro "TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO".

Para o rabino há uma lógica, uma verdade, que permeia essa realidade independente da moral de ser ela positiva ou negativa, construtiva ou destrutiva. Assim o autor se propõe buscar o lugar da posse.
Inicia lembrando-nos que a própria existência é, por definição, a posse de um corpo.
"Ser é ter e o ser se inicia com uma posse". O que é importante lembrar é que a verdadeira posse se configura não apenas daquilo que temos, mas tambem e de igual importância, daquilo que não temos.
E é este o dilema constante da posse: o que ter e o que não ter!
..."O mal não é 'ter', mas a ausência do dilema de possuir ou não.Se a posse se faz apenas numa única direção, ou seja, a de reter e deter as coisas para si, de monopolizar o que é dispensável ao ser, então ela tem um impacto desastroso sobre a existência".

..."Ser é precisar ter, mas, para tal, o ter tem que se conformar à circunscrição do ser".
..."Toda vez que o 'ter' for originado numa necessidade, se fará instrumento e nutriente do 'ser', ou seja, reforçará a medida e a limitação que configuram nossa experiência de 'ser'. Toda vez que o 'ter' se apropriar de algo que foge à limitação real do 'ser', que prescindir de uma necessidade real que o justifique, diminuirá o tônus e tornará flácida a experiência do 'ser'.
fonte:Ter ou não ter, eis a questão! " A sabedoria do Consumo Nilton Bonder

sábado, 14 de novembro de 2009


1 em cada 6 pessoas do mundo passam fome todos os dias. Com a crise econômica global a situação só se agravou. Em poucos dias governantes irão se encontrar na Cúpula sobre Alimentação em Roma. Porém, a França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Japão estão voltando atrás nos USD$20 bilhões prometidos no começo do ano para combate à fome.
Milhões de vidas dependem deste financiamento, por isto não podemos deixar eles esquecerem a sua promessa. Assine a petição abaixo, ela será divulgada em uma ação espetacular no Coliseu em Roma na véspera da Cúpula: http://www.avaaz.org/po/world_hunger_pledges
Há alimento suficiente para todos nós. Porém o número de pessoas sofrendo de fome crônica atingiu o record de 1 bilhão este ano. Centenas de bilhões foram gastos por governos ricos para salvarem bancos, mas mesmo assim o G8 quer reduzir os USD$20 bilhões que seriam investidos na agricultura em países pobres para somente USD$3 bilhões. Isto é um escândalo, considerando os milhões que passam fome no mundo. A Cúpula de Roma é a nossa melhor oportunidade para pressionar estes países a promoverem a produção de alimentos em pequena escala. Pesquisas mostram que a agricultura intensiva não é eficaz em combater a fome e que tem um alto impacto ambiental. Nós estamos nos unindo ao grupo anti-pobreza Action Aid e redes de pequenos agricultores para pressionar os governos do G8.
Assine a petição para a Cúpula de Roma – cada assinatura será representada na ação no Coliseu: http://www.avaaz.org/po/world_hunger_pledges A crise econônica e as mudanças climáticas estão afetando mais duramente os mais pobres. Em momentos como este precisamos manter a união e mostrar que nos preocupamos com aqueles que mais precisam. Assine a petição abaixo: http://www.avaaz.org/po/world_hunger_pledges Com esperança, Luis, Alice, Benjamin, Graziela, Ricken, Pascal, Iain, Paula, Paul, Veronique e toda a equipe Avaaz

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Abra os olhos para dentro,e olhe devargarzinho cada recanto, cada
pedacinho iluminado, cada cantinho arrumado e florido e agradeça por isso.
Tateie cada lugar que está escuro e em desordem, e com calma tente compreender o que acontece nestes lugares.
Não importa quanto tempo passarás, não desespere e nem tenha pressa, pois é tarefa de vida. Não tenhas medo, as sombras logo ficarão mais definidas, o escuro vai clareando e dando-lhe uma compreensão mais nítida do por que abandonou esses cantinhos.

Mantenha-se firme se ao tirar algumas coisas do lugar uns sentimentos despencarem e alardearem quem estiver por perto, é assim mesmo, as faxinas mesmo sendo necessárias incomodam à todos, principalmente as faxinas da alma. Confie no seu coração e nos seus olhos, mas não se intimide em pedir ajuda, de buscar por um guia, pois sempre é bom estarmos acompanhados nos momentos importantes das nossas vidas. Não deixe nunca de acreditar que é possível fazer seu território mais acolhedor para a floração da sua essência, que é bela , com certeza. Lembre-se que nossa alma precisa de cuidados diários, de janelas abertas , precisa de espaço e de terreno revolvido para poder crescer as novas mudas.
Deposite neste cantinho muitas moedas de amor, invista muitos minutos do seu dia, e não gaste impensadamente seu tesouro.
Não esqueça que neste território as leis da física não explicam tudo, a lógica e o pensamento racional não são os senhores e mandatários e o relógio que marca o tempo é diferente.
O maior bem a conseguir é alegria e o ofício mais importante é ser feliz.
Eliete Cascaldi

"Andar com fé eu vou,
a fé não costuma falhar"
Gilberto Gil

terça-feira, 10 de novembro de 2009


"Ilha não é só um pedaço de terra cercado d'água por tudo que é lado.Ilha é qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente.Por exemplo: um garoto tímido abandonado pelos amigos no recreio, é uma ilha.Um velho que esperou a visita dos netos no Natal e não apareceu ninguém, é uma ilha.Até um cara assoviando leve, bem humorado, numa rua cheia de trânsito e stress, é uma ilha.Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo o que mataram, é uma ilha.Até a lágrima é ilha, deslizando no oceano da cara."

Osvaldo Montenegro

domingo, 8 de novembro de 2009


O desejo do analista é fazer você singular, que você seja capaz de discernir aquilo que faz a sua diferença. Achar a sua singularidade e responsabilizar-se por ela. Isso só se obtem por uma redução das identificações, por uma precipitação, destacando aquilo que sempre se repete. Aquilo que não tem nome nem nunca terá sempre se repete no mesmo lugar. Fato que faz com que Jacques Lacan diga que o real é aquilo que volta sempre ao mesmo lugar." Jorge Forbes


O encontro de duas personalidades é como o contato de duas substâncias químicas: se houver alguma reação, ambas serão transformadas. [Jung]

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

VOCÊ GOSTA DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA?

VOCÊ GOSTA DE POESIA?


Então você não pode deixar de assistir "MÚSICA, POESIA E SUA COMPANHIA"

DATA> 19 de novembro/20h/ Cine Municipal

28 de novembro/20h/Colégio Santo André

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Cidadania de berço
Questões como direito e deveres, e participação social dizem respeito à convivência entre as pessoas e, portanto, ao simples e delicado cotidiano das crianças.
Que tipo de gente estará andando pelas ruas daqui a cinco ou vinte anos? Como agirão as pessoas ao pagar a conta no caixa, ao pedir um café na padaria, ao passear pelo parque, ao abrir a porta do elevador, ao telefonar, ao entrar no ônibus, ao esperar na fila do teatro, do estádio de futebol? No fundo, são questões assim que estão em pauta quando a idéia abstrata da cidadania volta a ecoar, às vésperas do Dia da Pátria ou das eleições. Direitos e deveres, participação social, contribuição à democracia, tributo aos heróis, tudo isso diz respeito à convivência entre as pessoas e à sua história comum. Diz respeito, portanto, ao simples e delicado cotidiano das crianças. E aí que se constrói a capacidade de compartilhar, de respeitar e se respeitar, de ser cidadão.


Paradas militares, campanhas oficiais e uma Copa do Mundo a cada quatro anos até que reanimam o sentido de identidade nacional. Por alguns momentos, a emoção envolve e as pessoas podem se sentir pertencentes à nação representada nos belíssimos acordes do Hino. Mas logo passa. Terminado o transe, é cada um por si. E o que pode manter nas pessoas um sentimento de comunidade, um compromisso solidário com os outros, é apenas a disposição individual de pensar e fazer algo para que as coisas coletivas funcionem e beneficiem a todos. A disposição que aparece em pequenas atitudes corriqueiras, como não deixar o carrinho atravessado no corredor do supermercado. Limites
Esta vontade não nasce por si. É fruto do crescimento, da humanização trabalhosa e gradativa que precisa começar na infância. É uma necessidade vital, e por isso é uma responsabilidade inalienável dos pais. São eles que transmitem aos pequenos a noção essencial de cuidar e receber cuidados, e nela estão envolvidas todas as experiências concretas de poder e não poder, de dever e proteção, de prazer e frustração, de amparo e compreensão diante dos sentimentos que fervem a cada momento do dia. Ou seja, é com o “não”, o “chega de TV”, com a hora do banho e da refeição – enfim, com os limites – que se faz a base para uma vida ativa e construtiva.
Mais uma vez, tudo começa na usina do afeto, onde os sentimentos brutos podem se depurar e se fundir, deixando de ser devastadores para se transformar em simples coisas de se sentir, maravilhosas, tristes ou nem tanto. É esta maturidade emocional que dita o grau de disposição para o convívio, para os prazeres e dissabores das relações com as pessoas em casa, no bairro, na boate, na praia ou nas ruas da cidade. Só quem cresce afetivamente pode deixar de ver as frustrações e revoltas diárias como hecatombes capazes de destruí-lo. Daí é possível se abrir para o mundo, sem receio de se desintegrar, sem precisar ser medrosamente truculento ou violento. Então é que se pode pensar também nos outros, e não apenas num fraco e desprotegido euzinho.

Cidadania
Sem esta base para as crianças, o princípio da cidadania está comprometido. Se os pequenos não puderem receber limites claros, coerentes e limpos, sem tom punitivo ou chantagista, se não puderem sentir toda raiva, tristeza e desapontamento causados pelo “não”, sem repressões e julgamentos, não poderão desenvolver sua capacidade afetiva. Os pais que falham aí estão simplesmente deixando de cuidar de seus filhos. São estes filhos que saem pela vida pedindo os limites e o amparo de que precisavam para crescer. À certa altura, grandes e frágeis, só a lei pode ser seu limite. E para provocá-la, farão o que for preciso. São estes os vândalos depredadores, para citar um exemplo menos trágico nesta crônica policial de final previsível.
A lei é, de fato, a versão adulta dos limites, e bem que poderia ajudar os grandes órfãos a ter alguma sensação de estar recebendo cuidados. Mas o Estado, construído para isso, não anda lá muito capaz de exercer esta paternidade exigente e protetora. Talvez porque em seu comando haja maiores abandonados demais. Fica difícil até para os cidadãos afetivamente emancipados exercerem a cidadania. Afinal, alguém só pode se sentir plenamente cidadão quando sente que os representantes da sua comunidade o vêem como importante, o ouvem e consideram aquilo que diz, quando estabelecem leis minimamente humanas que limitam a satisfação de suas vontades mas também o protegem das vontades alheias, da violência, do engodo, da manipulação, da mentira...

Respeito
Sente-se plenamente cidadão quem recebe educação, saúde e segurança, quem vê sua família atendida em suas necessidades para uma vida digna. Só quem é concretamente reconhecido como um sujeito de valor pode se sentir co-proprietário e responsável pela praça, pelo telefone público, pela vidraça da escola, pelo ar, pela floresta, pelo planeta, e então pode se lembrar naturalmente de manter limpa a praia no feriadão. Ou seja, não há hoje muitas ferramentas para criar cidadãos a partir da ação do Estado. Será uma boa ajuda se pelo menos as escolas, os grupos religiosos e as ONGs puderem oferecer cuidados. Mas em nenhum lugar estes cuidados poderão criar o afeto que permite cumprir a lei por vontade própria. Isso só se cria em casa.
A cidadania afetiva e efetiva que se constrói a partir da infância nada tem a ver com rigidez, com combinação, com “fazer certinho” e de forma sistemática, com a política e ecologicamente corretos ou quaisquer outras camisas-de-força pós-modernas. É a noção de que o bem-estar de cada um depende do cuidado que se oferece e se recebe num círculo de trocas. É gostar de respeitar e ser respeitado. Mesmo que o País faça pouco por seus indivíduos, os cidadãos emancipados não precisam ficar à espera de “padrinhos” que ofereçam proteção e cuidados ilusórios quando se infiltram nas instituições. Não precisam do rouba-mas-faz (de conta que cuida das pessoas). Têm força para enfrentar o abandono, e até para cuidar dos outros. É esta capacidade de afeto que torna possível construir uma comunidade nacional, algo mais do que uma platéia de desfile, uma torcida de milhões que enrola e esquece suas bandeiras no fim de cada Copa.
Texto extraído do Jornal Gazeta do Povo
06/09/1998
Ivan Capelatto
e especialistas convidados.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009


"No aeroporto o menino perguntou:
- E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
- E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia?
Será que os despropósitos não são mais
carregados de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo."

Manoel de Barros

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

Arquivo do blog