Caixa
de lápis de cor
Todo mundo é confuso como vozes na noite.
Fernando Pessoa
Quando ainda estudante de psicologia, lembro-me de uma professora que tinha um jeito muito carinhoso de aproximar-se de alguém que estava com depressão. Ela perguntava: "Quem roubou sua caixa de lápis de cor"?
Ou então,
“..hoje parece que o vermelho não está aí!”, para falar da falta de vitalidade,
energia e disposição que presenciava
naquela pessoa.
Sabemos que as cores revelam o nosso estado de
espírito e de saúde, influenciam nossa conduta e até mesmo as nossas emoções.
Podemos brincar com a ideia da caixa de lápis de
cor, dizendo que na tristeza –sentimento não patológico - os lápis de cor não
foram perdidos, mas precisam ser apontados.
Na depressão, porém, tudo é diferente. A
sensação é de não ter nenhum lápis colorido. Só há lugar para apatia e para o
vazio. A vitalidade é quase nula. Há uma sensação de perda muito grande e o
mundo mostra-se carregado de ameaças.
A pessoa
com depressão sente-se despojada de certas formas de sentir e ser, e tem
dificuldade em conviver socialmente; até mesmo com os familiares. Afasta-se do
contato para evitar a dor e a vergonha, pois não consegue compartilhar dos
sentimentos de alegria e otimismo que o Outro demonstra ter.
A depressão é uma doença do corpo todo e não só do cérebro. Atualmente a O.M.S. estima que a depressão afeta quatrocentos e cinquenta milhões de pessoas em todo o mundo e que o número dobrou nos últimos cinquenta anos.
Mas, mesmo com todas as informações, ainda é uma
doença incompreendida e bem pouco tolerada.
Na História da Humanidade, encontramos desde
sempre o procedimento de atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem e
com a depressão isso parece ser ainda mais forte. É comum essas pessoas
sentirem-se incompreendidas ou “cobradas” por não conseguirem reagir de forma
diferente.
Assim, além de enfrentar o sofrimento psíquico,
a pessoa também sofre com o preconceito.
É necessário e urgente termos, frente às doenças
da alma, maior compreensão e aceitação, e não nos fecharmos em resistências
tolas.
Se formos sensíveis, inteligentes e humanos
podemos fazer dessa situação uma ótima oportunidade de viver com o Outro a
experiência de companhia, amizade e solidariedade. Ficar perto um pouquinho,
tocá-lo e ouvir esse ser humano tão debilitado emocionalmente são os bálsamos
necessários para os hematomas da alma. Não é necessário ter uma explicação
convincente sobre o porquê da doença ou dizer palavras sábias de
fortalecimento. O fundamental é a intenção de acolher.
Para essas situações das quais ninguém está imune de viver, Arthur da Távola
deixou-nos uma bela receita:
“Só quem já foi capaz de sentir os muitos sentimentos do
mundo é capaz de saber algo sobre as outras pessoas e aceitá-las,com
tolerância.
Sentir os muitos sentimentos do mundo não é ser uma caixa de sofrimentos.
Isso é ser infeliz. Sentir os muitos sentimentos do mundo é abrir-se a qualquer forma de sentimento.”
Sentir os muitos sentimentos do mundo não é ser uma caixa de sofrimentos.
Isso é ser infeliz. Sentir os muitos sentimentos do mundo é abrir-se a qualquer forma de sentimento.”
O prazer de ver o mundo como uma linda caixa de gizes
coloridos, que está ao nosso dispor, vem devagar nas pessoas com depressão, e
cabe a todos nós ajudá-las nesse processo. Mas, para isso, precisamos crer na
capacidade de renovação de cada ser humano e lembrar que toda doença pede ação,
mas também, o exercício da paciência.
texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro
escrito para o Jornal O COMBATE
imagem: da internet