terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Achei esta crônica muito interessante:divertida e ...
O homem que casou com sua mão direita
Luis Fernando Veríssimo

A verdade era que Herculano encontrara na sua mão direita o que nunca encontrara numa mulher.O Herculano era um homem sério, o que tornava suas esquisitices ainda mais divertidas para o grupo. Mesmo quando não estava na roda, o Herculano era assunto da turma. Volta e meia, alguém chegava com uma história nova do amigo, sempre prefaciada com a frase:– Sabem a última do Herculano?Pois a última do Herculano ele mesmo anunciou, um dia, ao chegar no bar:– Pedi a minha mão em casamento.– O quê?!– Você vai casar com você mesmo?– Não, só com a minha mão. Esta.
E Herculano levantou sua mão direita. A noiva abanou para todos na mesa.Herculano explicou que não tinha sido uma decisão súbita e impensada. Ele e sua mão eram ligados desde pequenos. Tinham se criado juntos. A partir da puberdade haviam começado a fazer sexo regularmente, mas nada sério. Coisa de adolescentes. Com o tempo, no entanto, o relacionamento mudara. Crescera uma real afeição entre os dois, que aos poucos se transformara em amor. A verdade, contou Herculano, era que encontrara na sua mão direita o que nunca encontrara numa mulher. Além de ser uma companheira constante que jamais o contrariava e fazia todas as suas vontades, era uma amante perfeita. Nenhuma mulher conseguia satisfazê-lo como sua mão direita– Me apaixonei, pronto – disse Herculano.
Herculano enumerou todas as vantagens de ter sua mão direita como esposa. Ela jamais lhe seria infiel. Ela jamais se recusaria, com um gesto que fosse, a fazer amor com ele. Estaria sempre pronta para o sexo, incapaz de alegar dor de cabeça, tendinite ou o que fosse. E não esperaria que ele fizesse conversa de neném antes e depois do ato, como algumas mulheres exigem. Sua mão direita não esperaria nada, não exigiria nada, seria uma amante – além de exímia nas artes do amor – silenciosa.Não era brincadeira. Herculano levou adiante o plano de casar com sua mão direita. Durante algum tempo – o tempo do noivado – a noiva usou duas alianças no seu dedo anular, uma dela e a outra do Herculano. Depois do casamento, a aliança do Herculano passou para a sua mão esquerda. Todos na roda queriam saber quando seria o casamento, quem seriam os padrinhos etc., mas Herculano informou que a cerimônia seria simples e sem testemunhas. Ele sabia que não seria difícil arranjar alguém para oficializá-la.
Hoje em dia, como se sabe, tem até padre casando surfistas em cima da prancha e pegando onda. Mas Herculano preferiu a discrição. A lua de mel foi em Cancun.E aconteceu uma coisa que ninguém poderia prever. O Herculano, que nunca fora disso, se revelou num grande ciumento. Continua frequentando a roda, mas, se desconfia que alguém está dando muita atenção à sua esposa, põe a mão no bolso.
Jornal: O Estado de São Paulo, 9/01/10

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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