sexta-feira, 14 de agosto de 2015



Num tempo não tão distante assim

Num tempo não tão distante assim, viviam  pessoas um tanto estranhas, de um modo um tanto  estranho  também .

Moravam em pequenas cidades e seus hábitos eram por demais diferentes dos nossos - seres modernos e sofisticados - que têm como diversão, após uma jornada de trabalho de dez ou doze horas, colocarem-se em frente à tevê ou computador e distraírem-se até o sono chegar.

Sinceramente, não sei o que aquelas pessoas pensavam sobre a vida; o que sei é que os fatos relatados são a mais pura verdade, mas vou avisando: ”qualquer semelhança é mera coincidência”, afinal, não poderíamos ter parentesco algum com seres tão “ingênuos”.

Nas tardes mais quentes, por volta das dezoito horas (imaginem!), já estavam em casa e, após o jantar em que comiam sem se preocupar com as calorias ingeridas, puxavam as cadeiras e sentavam-se nas calçadas. Às vezes, só a família,  outras vezes, abriam a roda para os vizinhos e  todos juntos ficavam conversando até  bem tarde .

De madrugada, o leiteiro passava entregando o leite e, um pouco mais tarde, o padeiro deixava o pão quentinho. Mas, só após o apito da fábrica é que todos se levantavam. Os homens saíam para trabalhar e as mães preparavam seus filhos para a escola; durante o percurso eram muitos “bom-dia“. Algumas mulheres colocavam-se à janela para um papinho ou para fofocar, outras varriam suas calçadas e outras passavam apressadamente com um saco de roupas na cabeça. Tudo muito estranho realmente! À tarde, geralmente, as mulheres e suas empregadas faziam deliciosos quitutes: bolachinhas, bolos, biscoitos e a vizinha sempre ganhava uma generosa porção. Alguns dias depois, era a vizinha que vinha com outras guloseimas no prato emprestado, pois era  ” falta de educação”  devolvê-lo vazio.

Quando o casal saía a pé para passear, o homem tinha por costume zelar pela proteção da mulher, tomando sempre a posição de ficar do lado da rua e a mulher “guardada” do movimento dos carros ou dos transeuntes.
Não era necessário dinheiro, cheque ou cartão de crédito na compra de alguma coisa; o costume era marcar, pôr na “conta”, ou na caderneta e, no final do mês, pagava-se o que estava devendo, sem juros, imaginem! Nas padarias era costume o proprietário agradecer o pagamento efetuado pelo cliente com alguns doces deliciosos.

Porém, nem tudo era um mar de flores nesse país muito estranho.
As preocupações existiam, pois as ameaças sempre estiveram presentes na vida dos seres humanos, mas eles contavam com mecanismos de proteção infalíveis. Antes de dormir, as crianças olhavam embaixo da cama para verificar se não havia ladrão  e, ao deitar, pediam a bênção do pai e da mãe, após rezarem pedindo a proteção do Anjo da guarda.

Os adultos, quando saíam de casa, escondiam a chave no vaso do terraço, ou na janela, para que seus filhos pudessem entrar quando chegassem.
Os medos, geralmente, eram de assombrações, mulas- sem- cabeça, almas penadas.
Aventura era pular do trampolim na piscina, subir em árvore, escorregar no corrimão das escadas ou jogar amarelinha para chegar ao céu.

É claro que nesse tempo as crianças não eram ”santinhas”, já faziam suas artes, como esconderem-se atrás da porta para observar a avó tirar a dentadura ou usar estilingue para matar passarinhos. Os adolescentes eram terríveis, escondiam-se no banheiro para fumar, as mocinhas, nos quartos, para lerem fotonovelas e, no “escurinho do cinema”, davam beijos apaixonados.

Consideravam “maior barato” mascar chiclete e bala Chita.
Tinham também suas crendices, como deixar o gomo menorzinho da tangerina secando para que Nossa Senhora viesse buscá-lo, e dar um susto na pessoa que estava com soluço. Cantavam seu grito de guerra ao som da Jovem Guarda, “quero que vá tudo para o inferno”, “eu sou terrível”; tocavam com seus violões  a música do Caetano que incitava  todos a saírem “sem lenço e sem documento”, e recebiam muitas outras influências , até do além- mar - como um grupo de jovens cabeludos que faziam as meninas desmaiarem quando apareciam com suas guitarras cantando “Yellow Submarine”.

Realmente estranhos esses habitantes, pois não ficavam como nós assistindo ao Big Brother Brasil e pensando qual participante deve sair da casa e quem merece ganhar o prêmio e pousar nu para as revistas para, finalmente, e conseguir a “fama”. Estavam sempre “gamados”, ou melhor, apaixonados, só queriam dançar de rostinho colado e de olhos fechados.

Estar na moda era ter uma calça ” jeans” desbotada, (para isso, a esfregavam no tanque até ficar bem surrada).
Poderia continuar a relatar muitas outras esquisitices desse povo, mas vou terminar com o que considero o mais estranho e o mais “repugnante“ de todos os fatos.

O tempo, nesse tempo, era diferente, andava mais devagar. Uma mulher que não tivesse um namorado até por volta dos 20 anos ia ficar “pra titia” e, após os cinquenta anos, as pessoas eram consideradas velhas!
Ainda bem que a civilização moderna chegou!


texto: Elliete T. Cascaldi Sobreiro
imagem: Mone



6 comentários:

  1. É verdade!!"Tantas coisas mudaram! Umas pra melhor outras pra bem pior! beijos,chica

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  2. Minha querida!
    Que bela reflexão...ter a consciência disto e poder mesclar, dimunuir, olhar e aprender mais com a natureza, que nos mostra a importância de respeitar seu tempo...tempo de nascer, florir e morrer! amei passar por aqui!
    Beijos e um fim de semana iluminado para ti!

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  3. .

    .

    . esses tempos estão por ora aqui . para nosso deslumbre . como um fio de luz . que nos inquieta .

    .

    . um beijo meu .

    .

    .

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  4. OI, Eliete...não tão distante assim...há testemunhas desse tempo que atestam a veracidade dos fatos e dele tem muita saudade..
    Um abraço

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  5. Excelente reflexão. Quantas mudanças, umas melhores outras infelizmente não, é a vida a correr, a passar veloz por todos nós.
    Beijinhos
    Maria

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  6. Olá, Eliete! Amei sua visita!
    Muito bom o seu texto... doces lembranças e saudades de um tempo não tão distante assim.
    Obrigada!
    Abraços :)

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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