terça-feira, 6 de outubro de 2015

Barcos ao léu


Chove torrencialmente lá fora. A chuva varre os telhados, afoga as calhas, lava carros e ruas. É a estação das chuvas. Dentro, uma vela e fósforos estão a postos, caso, falte a luz. As crianças estão eufóricas. Correm da porta à janela de vidro para verem a enxurrada que está se formando. É um misto de sentimentos; medo e alegria fazem com que elas desejem a chuva e, ao mesmo tempo, anseiem que passe depressa.

A atenção é toda voltada para a enxurrada, o quanto ela está grande.
O jogo de botão, as bonecas o ferrorama e todos os outros brinquedos, por hora, estão totalmente esquecidos. As crianças esperam a ordem do capitão-pai para começarem a executar os barcos que deverão zarpar com uma difícil missão.

Apesar da fragilidade do material, acreditam que seus barcos irão muito longe, alcançando lugares desconhecidos e levando mensagens para quem os encontrar. Os barcos são pintados com bandeiras desse mundo, com o endereço de sua origem e com o nome dos construtores. É uma tarefa e tanto, logo não é possível postergar... atrasar...
 A enxurrada pode passar depressa demais, e não esperar pelas embarcações.

 A chuva, aos poucos, acalma e as crianças junto com o capitão – pai  correm até a beira da calçada para colocarem seus barcos que, amedrontados,   oscilam  com o volume e com o movimento impetuoso das águas. Alguns sucumbem assim que saem, outros seguem vigorosos e corajosamente em direção do bueiro- local misterioso - onde se define o futuro das embarcações.

Naus que são tragadas pelo ventre dos bueiros dando-lhes direção e força para prosseguirem em sua jornada.
As crianças retornam às suas casas ávidas de esperanças de que os barquinhos irão encontrar novos mundos, terras virgens, homens gigantes e que desejarão conhecê-las.
Dormir e sonhar com esse encontro é o que lhes restam fazer naquele momento; sonhar com as naus e suas infinitas possibilidades de um novo devir.



E, se tiverem sorte, esse devir estará sempre vivo e ressoando em suas mentes adultas, trazendo-lhes a capacidade de celebrar o cotidiano como uma eterna revelação.

texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro
imagem: internet
Artigo publicado no jornal O COMBATE

2 comentários:

  1. nossos queridos barquinhos de papel...saíram com nossos sonhos e ainda percorrem os caminhos para chegar aos seus destinos. Afinal, para onde foram?
    Um abraço

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  2. Bela postagem...aproveito para te desejar um belo feriadão...bjs

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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