sexta-feira, 5 de março de 2010



Necessitamos investir no universo psíquico interior, tão vasto quanto o exterior, da mesma forma como temos investido, nos últimos séculos, no mundo da matéria. Conquistar qualidade na ecologia do Ser é um passo prioritário para sua natural transpiração e extensão na ecologia social e ambiental. Onde lograr paz e harmonia se elas não habitarem o interior de nossas moradas?"
Roberto Crema

"Vanessa Redgrave, num filme que peguei pela metade e nem sei o nome, sai do banho e se olha no espelho. Assombro nos olhos que redescobrem sua própria velhice. "Eu me esqueço...", ela diz.A gente se esquece.... Recordei a cena numa conversa com uma amiga sobre nosso envelhecimento. Não falávamos disso, um ano atrás. É estranho pensar que há um relógio contando o tempo do qual nos distraímos.
Não posso dizer que o clima da conversa fosse a melancolia nem propriamente a tristeza -ou, ainda, a agonia da perda de um rosto jovem e de um corpo firme. Nem entramos naquele papo de que desejaríamos ter a sabedoria de agora com um corpinho de 20.Estávamos preocupadas com garantias para um bom futuro e uma boa velhice. Minha amiga quer mudar o ritmo do trabalho. Quer mais horas para o lazer, os amigos, o filho, os parentes, o papo pro ar. Dizia que o fôlego, que aos 40 anos tinha de sobra, começava a faltar.Acho que é verdade que o vigor vital diminui, mas o desejo por essas coisas às quais, quando nos tornamos adultos, nos entregamos com voracidade, acaba.
Mais dinheiro, reconhecimento, bens, status, poder...Isso tudo vai perdendo a graça.A vontade muda de rumo.Mas que a vontade refaça seu destino pode até ser bom. O que angustia é não saber se poderemos garantir nosso próprio sustento, numa época em que teremos menos força de trabalho e mais carências. Se haverá quem cuide de nós, se precisarmos. E que nos ame.Vinga na sociedade a ideia de que a velhice é um mal, um acidente e está sempre acompanhada de penúria e solidão.Nossos receios caminhavam por aí, até que minha amiga se deu conta de que não podia impingir à sua velhice uma indigência que ela não teria. Bem ou mal, tem casa, INSS e condições de comprar um imóvel para renda. E pode gastar menos sem ter que viver em privação!Essa constatação nos trouxe alívio, pois temos situação parecida.
De repente, nos pareceu que poderíamos ter algum controle sobre a velhice. Antecipá-la na imaginação era poder nos prover um bom viver.Preparar o cenário da própria velhice é muito diferente do que já fiz até agora. Aprontar uma profissão, uma casa, um pecúlio... Tudo tem o tom de mais vida, de pujança, de produção. Preparar a velhice é arrumar a proteção.Minha amiga tem razão quando diz que não podemos nos impor uma indigência que não teremos, mas, ainda assim, não podemos afastar de nós a fragilidade e a finitude.Entendi, agora, o que no filme "Feitiço da Lua" uma senhora, cujo marido a traíra com uma mulher mais jovem, quis dizer com isso: "Ele me trai porque tem medo da morte".Apaixonar-se é começar. E todo amor se quer eterno.
A paixão nos faz jovens, e a vida parece ficar mais longa e infinita. Por isso, a gente gosta mesmo é de preparar novos começos e se sente desajeitada em cuidar de fins."
Dulce Critelli/ Folha de São Paulo/Equilíbrio 11-02-2010

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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