sábado, 13 de fevereiro de 2016

O mar acalmou

 (uma reflexão sobre o filme "Interiores" de Woody Allen)



Ah! Não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram.
Fernando Pessoa


O mar, quando revolto, assusta-nos pela força com que bate nos rochedos. Ele não se acaba mansamente em contato com a areia da praia e, sim, revolve- a profundamente deixando rastros nítidos de sua fúria.

 Assim é o Mar como metáfora da angústia, no filme “Interiores” de Woody Allen.
Raiva, dor, culpa e ressentimentos, residem no interior de uma família marcada pela gradativa perturbação mental da progenitora.

Freud sugeriu que “A infelicidade é muito menos difícil de experimentar” e, na presença de um sofrimento mental, tudo fica pior, não apenas para a pessoa que sofre a perturbação psíquica, mas o ambiente familiar ,também, vive de forma muitas vezes dramática, o desequilíbrio.

Há muitas leituras, em diferentes recortes, dessa obra cinematográfica, no entanto, quero pontuar o impacto do adoecimento psíquico nos elementos da família. Sabemos que os distúrbios mentais despertam muitas dúvidas, sofrimentos e, infelizmente, são pouco estudados pela ciência. A presença dessas doenças no seio familiar é muito difícil , sua compreensão e manejo, mais ainda. São obstáculos demais dificultando o fluxo de energia e da alegria. É um ambiente propício para sentimentos ambivalentes de amor e ódio, culpa e desprezo, silêncio e gritos, aproximação e distanciamento.

Cada elemento da família é atingido e responde de forma diferente ao familiar doente, e toda dinâmica da família sofre transformações: lugares são destituídos, funções são assumidas mais por um elemento da família do que por outros e, as emoções são como o mar quando revolto... explodem a qualquer momento.

“Interiores” é magnífico, pois coloca suas lentes nas dificuldades daqueles que convivem com o doente mental: reflexão nem sempre abordada, de tão complexa e delicada que é. Mas não podemos ignorar a extensão dos sofrimentos nos elementos da família. Donald W.Winnicott, enfatiza a influência das figuras paternas no desenvolvimento emocional das pessoas e faz a seguinte observação: “Quando o lar de uma criança se desfaz e ela perde, subitamente, os símbolos em que se habituara a confiar, ela se encontra lançada no mar sem bússola e em risco de naufrágio”.

Foto de Livro Varal de Sonhos.

2 comentários:

  1. Boa tarde, Eliete!
    Não conheço o filme, mas fiquei com vontade de ver. Parece uma estória bem complexa e sensível.
    Um abraço, Sônia.

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  2. Resenhaste bem,Eliete e deu vontade de assistir! bjs, lindo dia! chica

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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