terça-feira, 6 de outubro de 2009

MICO x CURINGA
O jogo faz parte da nossa infância e também da nossa maturidade.
Ele é universal e é sinal de saúde, pois facilita o crescimento, os relacionamentos, a comunicação, a criatividade.
Os jogos são nossos companheiros lúdicos.Com eles nos divertimos, aprendemos, e quando não tomamos cuidado nos viciamos.
A psicologia o tem como instrumento de avaliação e de tratamento , pois acredita que através da atividade lúdica elaboramos nossos conflitos e emoções.
Sempre há jogos novos que vão se adequando as necessidades dos novos tempos; se antes brincávamos de pião, amarelinha e jogávamos bugalha ou banco imobiliário hoje os jogos de computador estão com tudo e são os mais procurados por pessoas de todas as idades
Mas alguns jogos permanecem , são clássicos como o baralho.
Gostaria nesse momento de refletir sobre duas cartas: o mico e o curinga, que são usadas no Jogo do Mico e no Jogo do Buraco respectivamente.
O Mico é um jogo de criança. Consiste em distribuir todas as cartas e os jogadores devem formar pares de bichos (casal) e quem ficar com o mico perde o jogo.
Analisando esse jogo, percebemos que há uma mensagem embutida nessa brincadeira: devemos buscar fazer par com alguém, buscar o igual , essa é a regra.Ser diferente é ser sózinho e daí perdedor.
O macaco é um animal que identificamos com movimento, com a liberdade, com ser alegre, provocativo, podemos também supor que essas características são indiretamente rejeitadas. Há implícita a mensagem de que devemos nos assemelhar uns aos outros, e que o diferente é rejeitado, excluído.
O “buraco” é um jogo para mais idade, sua exigência é que façamos canastras, isto é, que busquemos integrar cartas diferentes numa sequência determinada.O curinga, aqui tem um papel fundamental. È a carta diferente e que portanto faz a diferença. Ele é desejável, pois se liga á qualquer carta, substitui qualquer uma,daí podemos pensá-lo como símbolo da totalidade.

É a diferença que não agride, que não tem como resultado a exclusão.
Que bom seria se na vida vivessemos assim as diferenças; se ao olhar para as pessoas pensássemos como a singularidade delas poderia nos beneficiar.
Não haveria a necessidade de leis para o ingresso de pessoas negras á faculdade, de pessoas com deficiências na escola ou no mercado de trabalho,
A sociedade estaria sempre desejando e buscando o diferente, aquele que porta uma característica especial para que pudesse somar..
A moda também não seria tão ditadora em seus padrões de beleza e nós não seríamos tão infelizes com nossas características físicas.
A sabedoria traz a possibilidade de termos um olhar mais inclusivo.e então, entenderíamos que o diferente vem para acrescentar, para criar a totalidade.
Mas somos seres ainda em formação e muito a aprender. Quem sabe um dia aprenderemos a apurar o nosso olhar, ampliar o nosso coração e não sermos tão narcisistas.Como lembra Caetano Veloso: “Narciso acha feio o que não é espelho”
Quem sabe um dia o belo viverá a sua liberdade e os seres humanos serão mais felizes.
Quem sabe um dia conseguiremos olhar para as pessoas e não rotulá-las só porque são gordas, magras, porque usam pirçes, tatuagens, ou porque são negras ou homossexuais.
Quem sabe um dia possamos olhar pessoas com deficiências físicas ou mentais e desejar tê-las conosco para completar as nossas deficiências, tais como as de carinho, amizade, inocência, alegria.
Para que tudo se torne real só depende de cada um de nós. Que tal começar hoje um novo tempo.
escrito em 2005 para o Jornal da APAE de Jaboticabal

Um comentário:

  1. Bela reflexão! Com efeito, ela me fez pensar umas coisas e repensar outras. Mas o que gostaria de compartilhar é o que recebi do Pe. Raul Paiva, jesuíta, no retiro que ele pregou aos seminaristas no início deste ano. Ele dizia que há duas formas, dois olhares diferentes com os quais podemos enxergar a realidade, o mundo, enfim, nossa vida: um é o do urubu; o outro, do garimpeiro. Temos os dois. Mas qual devemos cultivar? O do garimpeiro, sem dúvidas! Veja porque: o olhar do urubu é aquele que, em meio a um bando com cem bois vivos, enxerga um morto. Só busca a podridão. Para nós não serve. Já o do garimpeiro é bem diferente: no meio da lama e de toda a sujeira do fundo de um rio, por exemplo, ele consegue enxergar uma pequena pepita de ouro. Esse sim sabe como ver as coisas! Quem dera nós pudéssemos aprender a ver tudo assim! Como isso é rico: a diferença do outro pode me tornar mais humano, na medida em que eu o aceito e compreendo e, assim, passo a me conheçer sempre mais. O que é isso, senão o olhar do garimpeiro?! Carlos Drummond de Andrade diz algo parecido; diz, mais ou menos, isso: mudem as formas de vocês olharem o mundo ou terão de reinventar novos olhos, para serem dignos do espetáculo de que participam (acho que é isso... se não for ipsis literis, serviu para dizer o que eu queria).
    Sebastião

    ResponderExcluir

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

Arquivo do blog