quarta-feira, 22 de agosto de 2012

 
AMOR NÃO É BISCOITO
 
Em época de vínculos frágeis, os pais tentam assegurar o afeto do filho dando a ele tudo o que ele quer


Como tem sido difícil para muitas mães ensinar aos filhos a importância da boa alimentação. Há pouco tempo para preparar a comida em casa, para estar com os filhos nos horários das refeições, para fazer o lanche que levarão à escola etc.

No mundo da velocidade, ensinar a criança a comer e a conviver com a família em torno da mesa tem sido tarefa quase impossível.

Precisamos reconhecer: a oferta de porcarias deliciosas dirigidas às crianças está muito grande. E esses alimentos são muito, muito sedutores. Lanches dos mais variados tipos, biscoitos coloridos com ou sem recheio, salgadinhos crocantes de todos os formatos e cores, frituras mil, chocolates, refrigerantes e muitos, muitos doces.

Temos tentado resolver essa questão principalmente porque a saúde infantil tem reclamado. Sobrepeso e obesidade, hipertensão, taxas altas de colesterol, doenças do aparelho digestivo e distúrbios alimentares -problemas antes restritos ao mundo adulto- agora marcam presença na vida de muitas crianças.

Em função desse panorama, vários Estados brasileiros já elaboraram leis para obrigar cantinas escolares a vender exclusivamente alimentos saudáveis e proibir a comercialização de itens gordurosos e industrializados, por exemplo.

Muitas escolas também já começam a oferecer alguns recursos para colaborar com o enfrentamento do problema: contratam nutricionistas, oferecem lanches balanceados, orientam pais e professores, realizam atividades culinárias com as turmas e abordam o tema da alimentação com seus alunos.
A questão é difícil tanto para as famílias quanto para as escolas. Afinal, como ajudar a criança a aprender a comer bem? Vamos tentar localizar alguns focos dessa questão.

O relacionamento entre pais e filhos mudou muito nas últimas décadas. Uma dessas mudanças foi radical: os pais têm receio, hoje, de perder o amor de seus filhos. Antes era o oposto: os filhos obedeciam por medo de perder o amor dos pais.

Dá para entender essa virada: em um mundo de relacionamentos afetivos extremamente frágeis, precisamos ter a garantia da permanência de alguns vínculos. Numa época em que o prefixo "ex" se multiplica na frente de palavras como marido, sogra, cunhado etc., nada como tentar assegurar que o bom relacionamento com os filhos permanecerá.

O problema é que isso tem se concretizado de maneiras equivocadas. Uma delas é a atitude de muitos pais de tentar dar ao filho tudo o que ele quer.

E o que a criança quer comer? Aquilo que achamos gostoso e que oferecemos a ela justamente por esse motivo. Vamos falar a verdade: queremos que as crianças se alimentem bem por questões de saúde, não é verdade? Mas elas logo percebem que o que lhe oferecemos porque consideramos gostoso não coincide com o que queremos que comam porque faz bem.
A mãe de uma garota de menos de dois anos me disse que estava bem difícil fazer a filha almoçar, porque ela só queria biscoito.

Perguntei à essa mãe como a criança descobrira os tais biscoitos e ela me respondeu que ela mesma é que havia introduzido esse alimento em casa. "Por que eu deveria privar minha filha de comer coisas gostosas? Eu só não sabia que ela iria gostar tanto a ponto de passar a recusar as refeições."
E devo dizer: essa mãe permite que a sua filha substitua o almoço e o jantar por biscoitos. "Vou deixar que ela chore de fome?", perguntou ela.

A maior parte das dificuldades alimentares de uma criança tem, portanto, origem no tipo de relação que seus pais estabelecem com ela e também com as escolhas que nós, adultos, fazemos do que consideramos gostoso. É ou não é?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
FOLHA DE S.PAULO
21/08/2012

6 comentários:

  1. É uma questão difícil de se resolver...
    por falta de tempo, autoridade, paciência... sei lá... dá-lhe biscoito! E as consequências presenciamos no dia a dia... uma alimentação inadequada se generalizando e produzindo uma geração de pessoas nada saudáveis... física e psicologicamente.
    Mas não desistamos!

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  2. Excelente reflexão. Como nutricionista vejo como desequilíbrios de emoções são colocados na mesa das crianças, tornando a alimentação um problema para a vida e não como disse Hipócrates, o seu remédio para a vida.
    Angelina

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  3. Ótima reflexão minha amiga... Bom fim de semana!!!

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  4. Que reflexão fantástica, minha querida! como sempre saio daqui mais rica...beijos e até mais!

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  5. Eli,
    Sempre abordo este assunto com as mães novas que conheço. mas é quase impossível.
    Essa coisa do alimento industrializado é como uma doença. mais uma do mundo contemporâneo. Não consigo ver solução alguma para isso, pois existe por traz de tudo a máquina do comércio gerador de dinheiro que cresce com força total e desmedida. Que Deus tenha piedade de todos nós.

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  6. Ai, sabe que tive 3 filhos e não passei por essas aflições na alimentação com nenhum deles. Ensinei pra eles desde muito pequenos que eu perdi muitos prazeres alimentares por ser enjoada para comer e depois de adulta é que vi o quanto perdi. Fui para a Bahia e não quis comer acarajé. Depois de 10 anos, experimentei um aqui em SP, em plena praça da Sé, e adivinha: UMAS DAS 100 MARAVILHAS DO MUNDO! Eu contava esta historinha pra eles e eles desde cedo começaram a experimentar de tudo. E o melhor: gostavam. Sabe que está aí o grande problema? não experimentar. E criança não quer experimentar os alimentos. Se elas experimentarem mais, pode ter certeza que comerão mais, porque acabarão surpreendidas com os sabores dos alimentos. Devemos incentivá-las a experimentar. Quem sabe?

    Um beijo, querida amiga Eliete!! saudades de voce! não tenho entrado no FB, só blog. Espero que esteja tudo bem com voce!! beijos com carinho!

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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