quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Encurtando... - Martha Medeiros




“Passado e o futuro são dois períodos que já não interessam: cultua-se o presente como nunca. O que vale é este momento, agora, o instante vivido. Tudo digitalizado, virtual, instantâneo”Quanto tempo leva para superar a dor da perda? Quanto tempo para digerir uma rejeição? Absorver que um sonho terminou? Esquecer uma frustração? Uma mágoa de infância? Um trauma? Uma demissão? Os psicanalistas provavelmente responderão que é preciso respeitar o ritmo de cada um. Há quem seja rápido na retomada da vida, há os mais lentos, que necessitam de um acompanhamento mais intensivo. Não há como decretar: dois dias, dois meses, dois anos.

Só que a maioria da população não procura psicanalistas. Não tem dinheiro pra isso, e muito menos
disponibilidade. As pessoas não podem parar no meio do dia para se consultar, pois trabalham insanamente, e tampouco possuem tempo para, segundo elas, desperdiçar. Sabe-se que análises são demoradas, que buscam e rebuscam nossa intimidade, que não é num estalar de dedos que se atenuam as dores internas. E qualquer coisa que demore, hoje em dia: não, obrigada.

Que inquietação. O passado e o futuro são dois períodos que já não interessam: cultua-se o presente como nunca antes. O que vale é este momento, agora, o instante vivido. Tudo digitalizado, virtual, instantâneo. Quem ainda espera dias por uma resposta? Meses por uma solução? Na vida burocrática, governamental, a demora ainda é praxe e se vale da morosidade para arrecadar mais e mais dinheiro, mas no plano pessoal, encurtaram-se as durações. Vive-se tudo de forma mais compacta, o começo e o fim mais próximos do que jamais foram. E acabamos impregnados dessa urgência, dessa vontade de resolver todas as tranqueiras com a maior agilidade possível.

Porém, há tranqueiras e tranqueiras.

Você consegue resolver pendências profissionais de imediato, consegue tomar decisões práticas sem se alongar: parabéns. Salve a produtividade. Mas não foram essas as questões levantadas no início desse texto. Falávamos de tristezas, de cicatrizar feridas, de aceitar o destino que nos coube, de assimilar mudanças. Sentimentos não são regidos por megabytes por segundo, não se vinculam a relógios, não obedecem a leis objetivas — é o curso da natureza que manda. E a natureza é surda e cega para o desatino. Exige a introspecção devida, sem a qual nada se resolve, só se mascara.

Diante da dor emocional, só há uma ordem a respeitar: paciência. De nada adianta inventar alegrias fajutas e se oferecer para a cobiça do mundo sem antes estar com a alma serenada e forte. É preciso saber esperar, do contrário a gente se atrapalha e só reforça a miséria existencial que preenche as madrugadas. Basta de tanta gente evitando pensar, evitando chorar, evitando olhar para dentro de si mesmo, sorrindo de um jeito tão triste que só faz demorar ainda mais o reencontro com o sorriso verdadeiro — aquele aguardando a hora certa de voltar.

O GLOBO

29/07/2012

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

 
O  caminho que não tomei
 
 
Entre duas possibilidades, que caminho tomar?

Um dos poemas mais conhecidos da literatura norte-americana foi escrito por Robert Frost (1874-1963). É o famoso "The road not taken", e foi traduzido pelo poeta português Antônio Simões com o título "O caminho que não tomei". Está numa recente antologia onde ele verteu competentemente 112 poemas do inglês para a nossa língua.

Entre duas possibilidades, que caminho tomar?

Pode ser entre dois amores, dois empregos, duas ruas, dois países. Pode ser uma encruzilhada qualquer. O fato é que a escolha é às vezes algo complicado. Tão complicado que uns psicólogos norte-americanos criaram a "teoria da dissonância cognitiva" baseada nesse drama. Como escolhemos as coisas, seja uma simples geladeira, uma proposta, uma roupa, e que racionalizações fazemos para justificar a direção tomada?

O poema é simples, Robert Frost foi um poeta que escrevia simples, e de tão popular que era foi chamado para ler um poema na posse do presidente Kennedy, em 1961.

Diz o poeta que duas estradas divergentes surgiram-lhe num bosque amarelado, e infelizmente ele não podia viajar ao mesmo tempo pelas duas. Eram duas estradas e ele era uma pessoa só. Ele estendeu os olhos sobre a primeira delas tão longe quanto podia até que ela se perdesse na folhagem.

No entanto, mesmo diante dessa sedução, ele tomou a outra via, que tinha uma agreste vegetação dificultando-lhe o caminho. Fazer tal escolha foi, ao mesmo tempo, obter e perder alguma coisa.

Na última estrofe, que reproduzo aqui em português e inglês, ele resume a perplexidade da situação:



"Suspirando, estarei contando a ti,


Daqui a mil anos, o que aconteceu:

Dois caminhos bifurcavam, e eu -

O menos pisado tomei como meu

E a diferença está toda aí."


I shall be telling this with a sigh

Somewhere ages and ages hence:

Two roadas diverged in a wood, and I -

I took the one less traveled by,

And that has made all the difference.


Ou seja, em minha vida eu tomei a estrada mais difícil, menos usada, e isto fez toda a diferença.(...)

O poema de Frost fala de algo mais ético e existencial. É inevitável associar a ele um outro poema, do poeta português José Régio, intitulado "Cântico Negro", e que começa assim:

"Vem por aqui!" - dizem-me alguns com olhos doces,

estendendo-me os braços e seguros

de que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: "Vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)

e cruzo os braços

e nunca vou por ali..."

E depois de repetir que não segue os outros, que só vai por onde bem quer, o poema assim termina:


"Não sei para onde vou
 

não sei para onde vou.

- Sei que não vou por aí!"


André Gide dizia que , nessa vida, o diabo é que dos cem caminhos a gente tem que escolher um e ficar com a nostalgia dos outros 99.

É possível. E há quem sinta nostalgia de todos os cem. Esse tipo de frase de efeito antigamente me tocava. Mas hoje, menos pretensiosamente, acho que nos cabe tornar o caminho escolhido mais belo e nele descobrir seus fascinantes mistérios.

 
Affonso Romano de Sant'Anna -
Tempo de delicadeza

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

 
AMOR NÃO É BISCOITO
 
Em época de vínculos frágeis, os pais tentam assegurar o afeto do filho dando a ele tudo o que ele quer


Como tem sido difícil para muitas mães ensinar aos filhos a importância da boa alimentação. Há pouco tempo para preparar a comida em casa, para estar com os filhos nos horários das refeições, para fazer o lanche que levarão à escola etc.

No mundo da velocidade, ensinar a criança a comer e a conviver com a família em torno da mesa tem sido tarefa quase impossível.

Precisamos reconhecer: a oferta de porcarias deliciosas dirigidas às crianças está muito grande. E esses alimentos são muito, muito sedutores. Lanches dos mais variados tipos, biscoitos coloridos com ou sem recheio, salgadinhos crocantes de todos os formatos e cores, frituras mil, chocolates, refrigerantes e muitos, muitos doces.

Temos tentado resolver essa questão principalmente porque a saúde infantil tem reclamado. Sobrepeso e obesidade, hipertensão, taxas altas de colesterol, doenças do aparelho digestivo e distúrbios alimentares -problemas antes restritos ao mundo adulto- agora marcam presença na vida de muitas crianças.

Em função desse panorama, vários Estados brasileiros já elaboraram leis para obrigar cantinas escolares a vender exclusivamente alimentos saudáveis e proibir a comercialização de itens gordurosos e industrializados, por exemplo.

Muitas escolas também já começam a oferecer alguns recursos para colaborar com o enfrentamento do problema: contratam nutricionistas, oferecem lanches balanceados, orientam pais e professores, realizam atividades culinárias com as turmas e abordam o tema da alimentação com seus alunos.
A questão é difícil tanto para as famílias quanto para as escolas. Afinal, como ajudar a criança a aprender a comer bem? Vamos tentar localizar alguns focos dessa questão.

O relacionamento entre pais e filhos mudou muito nas últimas décadas. Uma dessas mudanças foi radical: os pais têm receio, hoje, de perder o amor de seus filhos. Antes era o oposto: os filhos obedeciam por medo de perder o amor dos pais.

Dá para entender essa virada: em um mundo de relacionamentos afetivos extremamente frágeis, precisamos ter a garantia da permanência de alguns vínculos. Numa época em que o prefixo "ex" se multiplica na frente de palavras como marido, sogra, cunhado etc., nada como tentar assegurar que o bom relacionamento com os filhos permanecerá.

O problema é que isso tem se concretizado de maneiras equivocadas. Uma delas é a atitude de muitos pais de tentar dar ao filho tudo o que ele quer.

E o que a criança quer comer? Aquilo que achamos gostoso e que oferecemos a ela justamente por esse motivo. Vamos falar a verdade: queremos que as crianças se alimentem bem por questões de saúde, não é verdade? Mas elas logo percebem que o que lhe oferecemos porque consideramos gostoso não coincide com o que queremos que comam porque faz bem.
A mãe de uma garota de menos de dois anos me disse que estava bem difícil fazer a filha almoçar, porque ela só queria biscoito.

Perguntei à essa mãe como a criança descobrira os tais biscoitos e ela me respondeu que ela mesma é que havia introduzido esse alimento em casa. "Por que eu deveria privar minha filha de comer coisas gostosas? Eu só não sabia que ela iria gostar tanto a ponto de passar a recusar as refeições."
E devo dizer: essa mãe permite que a sua filha substitua o almoço e o jantar por biscoitos. "Vou deixar que ela chore de fome?", perguntou ela.

A maior parte das dificuldades alimentares de uma criança tem, portanto, origem no tipo de relação que seus pais estabelecem com ela e também com as escolhas que nós, adultos, fazemos do que consideramos gostoso. É ou não é?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
FOLHA DE S.PAULO
21/08/2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

No livro FACES OCULTAS, o pintor Salvador Dalí cita a instrução que o soberano espanhol Filipe II costumava dar ao criado na véspera de eventos importantes:"Vista-me devagar, pois estou com muita pressa".

...Só quando estamos realmente presentes ao que fazemos- que é o significado desse "vista-me devagar"- é que podemos ser mais eficazes. Se a mente está atribulada, pensando nisso ou naquilo, nossa atenção fica bipartida, não nos concentramos, e, com isso, a ação acaba malfeita.
Monja Coen no livro de Lauro Henriques Jr/Palavras de Poder

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Luis Carlos Ferracioli
...Ele me ensinou que coragem só é mesmo coragem quando sentimos um imenso medo.Dizia ele que, quando nos arremessamos a fazer alguma coisa que em princípio exige coragem, deve existir junto uma dose de medo, senão a empreitada se revela irresponsável. Pode-se estar diante de uma loucura, de um desatino ou estupidez.
A coragem, é justamente sentir o medo que enrijece a alma e o poder de enfrentar o desafio serena e positivamente. Dizia ele que o medo faz parte da história, é necessário para acordar o organismo e fazê-lo reagir com todos os seus recursos.
Nuno Cobra/A semente da Vitória

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O conceito maduro de felicidade no seu mais elevado desdobramento poderia ser expresso da seguinte maneira:
"Sou independente das circunstâncias externas, sejam elas quais forem. Posso ser feliz em qualquer circusntância, porque sei que até os acontecimentos desfavoráveis ou desagradáveis têm uma finalidade. Eles me ensinam alguma coisa e, assim, levam-me para mais perto da liberdade e da felicidade."
O conceito imaturo de felicidade poderia ser enunciado da seguinte maneira:
"Só posso ser feliz se tiver o que quero, do jeito que eu quero e quando quero. Caso contrário, serei infeliz."
Evas Pierrakos.Judith Saly em Criando União

terça-feira, 31 de julho de 2012

Devemos encontrar algo que funcione como uma viga sobre a qual a personalidade inteira vai se acomodar, se apoiar, se fundamentar e finalmente relaxar. Precisamos nos perguntar o que nos serve de apoio e ser capaz de prover esta fonte de apoio, cuidando de nunca deixar a personalidade sem retarguarda.Para cada pessoa este apoio vem de "lugares" diferentes. Seja lá de onde venha o seu, trate de buscá-lo.

O livro ds Atitudes astrologicamente corretas/Marcia Mattos

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Se não se sabe para onde se está indo, o melhor que se pode fazer é acreditar que se está indo para um bom lugar.

Uma renúncia ao controle, uma sujeição às circunstâncias que nos ultrapassam, uma abdicação do "Eu" onipotente para realização de um desejo e um alinhamento da própria vontade com aquilo que corriqueiramente chamamos de seja feita a vontade de Deus é difícil de se praticar, mas é a mais sábia das atitudes.

O livro das Atitudes astrologicamente corretas/Marcia Mattos

segunda-feira, 23 de julho de 2012


ILHA

Ilha não é só um pedaço de terra cercado por água por tudo quanto é lado.

Ilha é qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente.

Por exemplo: um garoto tímido abandonado pelos amigos no recreio, é uma ilha.

Um velho que esperou a visita dos netos no Natal e não apareceu ninguém, é uma ilha.

Até um cara assoviando leve, bem humorado, numa rua cheia de trânsito e stress, é uma ilha.

Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo o que mataram, é uma ilha.

Toda ilha é verde.

Uma folha caindo é ilha cercada de vento por tudo quanto é lado.

Até a lágrima é ilha, deslizando no oceano da cara.

Oswaldo Montenegro

terça-feira, 17 de julho de 2012



De quanta dor é feita nossa vida?
De quanta dor evitável?
Ás vezes penso que na hora da morte não veremos correr diante dos olhos toda a nossa vida, como costumam dizer, mas somente uma parte dela: os gestos de amor que faltaram, as carícias que não foram feitas, a compreensão que não foi dada, a cara amarrada mantida por tempo demais, aquela teimosia que só se alimentava de si mesma.

livro: Para sempre/Susanna Tamaro

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Para ser, temos que nos narrar, e nessa conversa sobre nós mesmos há muitíssima conversa fiada; nós nos mentimos, nos imaginamos, nos enganamos.
A louca da casa/Rosa Montero

quarta-feira, 27 de junho de 2012

James Jean
Pois os homens e as mulheres não são somente eles mesmos. São a região onde nasceram, o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, as brincadeiras que brincaram na infância , as conversas fiadas que ouviram por acaso, os alimentos que comeram, as escolas que frequentaram, os poemas que leram e o Deus em que creram.
Somerset Maugham

segunda-feira, 25 de junho de 2012


Oração da Criança

Abençoai o leite e o pão
E este macio colchão
Em que vou ficar deitada
Descansando, sossegada.
E fazei com que eu não tenha
Medo da noite que passa,
E durma até que o sol venha
Bater na minha vidraça.



Abençoai meus brinquedos
Que para mim não têm segredos;
Meus sapatos que aonde eu queira
Me levam; minha cadeira;
E a lâmpada, e o fogo ardente;
E essa mão boa e paciente
Que cuida tão bem de mim;

E os meus amigos; e enfim,
Minha mamãe, meu papai,
Sempre unidos. Abençoai Pelo mundo diferente
Os filhos de toda gente.
E fazei com que eu também
Durma e acorde em paz. Amém!

Versão de: Guilherme de Almeida

quinta-feira, 21 de junho de 2012


ALICE NO PAÍS DO PLEBISCITO


Há uma passagem muito conhecida de Alice no País das Maravilhas, na qual a pequena
heroína de Lewis Carroll dialoga com um gato. Ela não quer mais continuar onde está e pergunta ao animal:
"Como posso sair daqui?" O gato responde: "Depende".
A menina indaga: "Depende de quê?" E o gato esclarece: "Depende de para onde você quer ir."

O diálogo prossegue. A garota diz que quer sair de onde está, mas não tem nenhuma
preferência quanto ao lugar para onde vai. Então o bicho lhe retruca: "Se você não sabe para onde quer ir, então é indiferente o caminho que venha a seguir."

O episódio tem fascinado os leitores de Lewis Carroll desde o século passado. Como toda criação importante da fantasia literária, ele comporta diversas interpretações e não se deixa esgotar por nenhuma delas.

 Todos nos identificamos com Alice, na medida em que já vivemos situações nas quais estávamos em lugares de que desejávamos sair, fosse para onde fosse. E todos reconhecemos a sabedoria do gato, que nos lembra que o sentido do nosso movimento é aquele que nós mesmos lhe imprimimos.
 Sem garantias antecipadas de sucesso.

A advertência do gato vale para a experiência de cada um e vale, também, para a história política, que somos chamados a fazer coletivamente. Na vida privada, cada um faz suas escolhas, tenta decidir seu futuro: opta por um trabalho, por um casamento, por uma determinada estruturação da família, por uma determinada organização da existência quotidiana (com seus prazeres e suas responsabilidades). Na história política, procuramos nos articular com o nosso grupo, assumimos nossos compromissos, discutimos, fazemos propostas, optamos por um programa de transformações que consideramos exeqüíveis e convenientes à nossa sociedade. Em ambos os casos, implícita ou explicitamente, estamos
decidindo para onde pretendemos ir.

Quando têm consciência, efetivamente, das escolhas que estão fazendo quanto à direção que decidem seguir (e sabem dos riscos que tais escolhas sempre comportam), é normal que as pessoas fiquem tensas, é compreensível que elas tenham momentos de hesitação e angústia.
Convém recordarmos, entretanto, que a hesitação, tanto na vida particular como na história política, tem sua legitimidade. E às vezes as pessoas ou correntes que não vacilam nunca são apenas aquelas que jamais param para pensar na gravidade da advertência do gato de Lewis Carroll:
 simplesmente fecham os olhos diante dos perigos.
Algumas embarcam no ônibus da utopia, sem examinar o itinerário que ele vai percorrer;outras enveredam por qualquer caminho (só para sair de onde estão); e há as que acabam se resignando a ficar onde já se encontram, aguardando passivamente uma salvação mágica.
(Leandro Konder in “O Globo”, 20/03/1993)

quarta-feira, 20 de junho de 2012


"Há sempre uma diferença entre querer e desejar.
 Querer corresponde a uma necessidade. Querer é algo que o indivíduo compreende. Eu quero tomar água, eu quero dormir, eu quero me proteger do frio.

 Enquanto desejar é aquilo que ninguém compreende, é algo muito particular, singular de cada um e jamais nós temos uma resposta que nos satisfaça completamente. Essa é a base da criação ou é a base do sofrimento.
 Na psicanálise o que acontece quando um desejo é realizado? São raros os momentos e nesse momento a pessoa tem uma sensação de uma quase morte. Os franceses chegam a chamar o orgasmo de uma pequena morte. A pessoa tem a sensação como se estivesse no olho de um furacão, uma sensação de perda de identidade, uma sensação de tontura, uma sensação de querer se agarrar no outro, e isso passa. O que é que vem depois? Pode vir uma depressão, de algo perdido, pode vir uma vontade de reinventar esse prazer tão rápido que é a realização de um desejo".
(Jorge Forbes)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mario de Andrade

Depois de mim existe uma cerca

Depois dessa cerca existe uma estrada

Depois outra cerca

Depois dessa outra cerca, um Ipê

Depois desse Ipê uma cerca
Depois outra estrada

Depois outra cerca

E depois existe você

quinta-feira, 14 de junho de 2012


TEMPO DE CRIANÇA

 

     Valdemiro Mendonça

O tempo que as princesas tinham tempo,

se foi no tempo das horas que já passou,

entre bordados, pincéis e bailes da corte.

ficou curto o tempo para coisas que amou.

 

Até o caramanchão de erva de passarinho

que eu fiz obedecendo à sua real quimera

não rebrotou com as chuvas  deste verão

também não quer florescer nesta primavera.

 

Quem sabe seja este jardineiro sem pratica

que não sabe cuidar de flores tão belas assim,

Ou quem sabe seja o doce olhar da princesa

Que não passeia mais pelo seu triste jardim.


Por isto desesperado plantei um canteiro

trevos de quatro folhas e arruda do norte,

quem sabe a princesa se lembre do jardim

e possa vir nos dar um pouquinho de sorte.

 


Pois ela nos mais loucos desejos se espalha

e suspira inebriada em seu sonho proibido,

tenta um reencontro da alma e seu encanto

na musica antiga que não tem mais sentido.


 
Hoje a torre norte não tem aquele doce canto

a voz bem timbrada saudando o brilho do luar,

pois fizeram um feitiço para a nossa  princesa

trocar o jardim sem flores pela estrela do mar. 

 

O cavalo alado que o príncipe deu de presente

anda tristonho, com saudade no esquecimento,

pois sua princesa nunca mais desejou cavalgar

voando nas nuvens brancas ao sabor do vento.


Vou fazer promessas para o São Jorge lá da Lua

para ele quebrar o feitiço desmanchando a teia,

para que toda noite que ela olhar da torre norte

veja sempre o brilho prateado de uma lua cheia.

 

Assim ela há de ver o jardim e talvez se lembre

da gangorra que eu fiz no pé de ipê antes florido,

quando eu empurrava e ela gritava, mais alto vai,

 hoje até ele não floresce pois se acha esquecido.

 
         Acho que a culpa não é só dela, sim da mãe natureza!

Que fez a princesa mudar modificando todo o seu ser,

e agora ela só fica sonhando aqueles sonhos malucos

por culpa desta tal natureza que fez a menina crescer.


terça-feira, 12 de junho de 2012

Vergonha
Aceitar-se com defeitos é o único jeito de suportar o olhar do outro sem ser aniquilado.
Se tiver que escolher entre sentir vergonha ou sentir culpa, o que você preferirá? Já respondeu? Agora respondo eu: prefiro sentir culpa.

Quando digo que errei, quero dizer que conheço o certo, mas não quis, não pude, não consegui fazer certo. Posso relatar circunstâncias que me levaram ao erro, pecado, transgressão. Se me sinto culpada, é porque acho que deveria ter feito o certo. Caberia a mim lançar mão do necessário para acertar.

A culpa parte de um conhecimento de causa ou de um conhecimento que eu supostamente deveria ter. Parece até que é de lei que o desconhecimento da regra pode atenuar, mas não isentar de culpa. Por aí se vê que a culpa é resultante de uma relação falha entre o sujeito e as regras do mundo. Cabe julgamento, perdão, absolvição. A culpa pode desaparecer sem deixar nódoa.

E a vergonha? A vergonha tem a ver com a autoestima. Com o que você imagina que deve ser para se gostar e se aprovar. Você pode morrer de vergonha de coisas pelas quais ninguém vai culpá-lo.

Quando nos envergonhamos, o olhar do outro se torna insuportável. O envergonhado quer deixar de existir para não ser visto na sua falha. A vergonha tem a ver com a depreciação instantânea de nós mesmos. Escorregar e cair nos deixa envergonhados. Sem condenação, sem perdão, sem absolvição.

Antigamente, chamava-se a área genital de "vergonha". O homem nu cobre seus genitais como último recurso para evitar a vergonha total. O tema chega a ganhar leis: é proibido desnudar-se em certos lugares. "Pode despir-se, eu sou médico", dizem os profissionais nos consultórios.

Temos vergonha de não poder pagar a conta de algo já consumido. Dizer que deixaremos nosso relógio em pagamento ou lavaremos pratos no restaurante são situações constrangedoras.

A vergonha pode ser paralisante. Vergonha do próprio corpo pode impedir a frequência a lugares esportivos. O gago fica mais gago por vergonha de ser gago. Quem enrubesce fica mais vermelho por vergonha de ter enrubescido. Quem sua nas mãos sua mais de medo de que percebam seu suor.
Todos queremos funcionar bem. Disfunções que não são culpa de ninguém diminuem a autoestima. Não saber quais talheres usar num banquete pode ser uma situação paralisante para quem se acha no dever de saber tudo. Quem acha que todos devem saber tudo tem vergonha de perguntar. Pedir orientação no trânsito é impossível para quem acha que tem que saber tudo.

A culpa não é paralisante. O juiz, as leis, os estatutos podem deliberar pela sua exclusão, por exemplo.

A vergonha só tem um remédio: aceitar-se com defeitos, o que significa se sentir com maior valor, melhorar a autoestima. Isso nos permitiria suportar o olhar do outro sem que esse olhar nos aniquilasse.


ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) e "Educação ou o quê?" (Summus)
Folha de S.Paulo
12/06/2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012


O DESAFIO DO MAR

A construção de um navio parece com a formação das pessoas. Durante a gestação, o casco é construído até que é lançado ao mar: A Maior parte de um navio é colocada depois , como acontece com a gente.

Camarotes, porões, motores, guindastes, pinturas, enfeites, são acrescentados durante a infância e a adolescência, até o navio ficar pronto para a primeira viagem. Um navio fica pronto quando sai do estaleiro, mas com a gente é diferente e este é o desafio de cada um – pois crescemos todo dia e nunca ficamos prontos Apesar disso é preciso partir... mas nem todos tem coragem de ir e continuam atracados aos cais julgando-se incapazes de navegar sozinhos.

Alguns mal o dia amanhece, já partiram. Parecem muito ocupados e logo somem no horizonte. Desde cedo sabem o que querem e têm pressa de viver.

Outros navios também saem logo que podem, mas ficam dando voltas e mais voltas sem-chegar a lugar algum e acabam navegando só para comprar mais combustível todo dia e, o que ganham , mal dá para reformar o casco....

Os maiores desperdiçadores de seus próprios recursos são aqueles que não sabem  o que querem ...e o pior é que quando a gente não sabe direito o que espera do rumo que está tomando ou nem se tem um rumo , não pode corrigir a rota se estiver no caminho errado...

Nós somos os maiores responsáveis pelas tempestades que não conseguimos evitar.

Já outras pessoas deixam de navegar milhares de milhas para se conformarem com umas poucas centenas , porque têm medo de atrair ventos contrários ou então querem agradar ou impressionar alguém ..

Ninguém nos conhece melhor do que nós mesmos e, por mais que digam o que temos – ou não temos - que fazer,  ninguém pode viver a vida em nosso lugar .

Outras pessoas vivem frustradas e infelizes porque não conseguem ter as mesmas coisas que viram em outro navio. Algumas também ficam furiosas quando alguma coisa ou alguém não age ou sai como gostaria.


Não existe navio que não tenha passado por tempestade, e muitos afundam por não saberem evita-las por falta de comunicação ou por acharem que não precisam dos outros.
Vilmar Berna




·                                  


sexta-feira, 8 de junho de 2012


"A gente perde tempo respeitando as placas de sinalização da vida - pense, pare, reavalie, pondere, siga. Meu coração não tirou carta de motorista. 


Não entende de freios, pisa leve na terra. Segue cantarolando pelo caminho, pega atalho, planta flores, corre de medo, fala sozinho, chora, descobre paisagens surpreendentes, aprende com pessoas simples, inventa receita de bolo com cobertura de sorrisos. Deixou de se desesperar por pequenas batidas, poucas avarias. Sabe onde fica a estrada dos sonhos e quando se perde, se encontra, porque o caminho é físico, mas a direção é coisa divina."
(Renata Fagundes)



Apontadora de Idéias

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São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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