terça-feira, 1 de setembro de 2015

Minhas vizinhas 


Não importa! Não importa mesmo quem mora mais perto, em que direção, o quanto de distância, ou qualquer outra coisa do gênero.
O que vale é que elas são minhas vizinhas e, com certa frequência, me visitam. Fico a imaginar a casa delas. Dona Tristeza deve morar em uma casa cinza, apertada, janelas bem trancadas e sem alpendre.
Dona Alegria, por sua vez, deve ter uma casa toda ensolarada, com janelas azuis, vasos de flores nas paredes, amplas varandas. Nas varandas, periquitos, passarinhos, cachorro, gato e uma rede bem rendada.
Dona Tristeza, quando me visita, vem com uma mala pesada e vai entrando sem pedir licença. Pouco fala, pouco se explica. É cheia de rodeios, não se revela. Faz questão de avisar que está chegando, pois  arrasta seus chinelos fazendo um barulho irritante. Tem uma peculiaridade: geralmente chega à noite, quando o sol, há muito, já se pôs. É de uma mudez e de uma teimosia...
Prende-me em sua energia, afasta-me de todos e de tudo e leva-me a lugares que sempre evito explorar.
Dona Alegria parece-me mais tímida e é muito respeitosa.  Sempre espera por um sinal, um gesto, um convite para se aproximar. Nunca vem sozinha; sempre lhe acompanha um cheirinho de alecrim, um calor gordinho, uma fita de filó que enlaça nossas mãos. Quando percebo, já estou rodopiando na sala, apaixonada por tudo que existe ao meu redor. São muitas horas, dias, meses em que somente falo bobeiras, sorrio à toa, canto bem alto, telefono para os amigos e faço mil planos com o tempo futuro, que sempre é recebido como um querido amigo.
Não sei como chegar à casa delas:  se viro à esquerda ou à direita do meu coração, apenas elas é que sabem me encontrar. Confesso que, por muito tempo, quis decifrá-las, conhecer suas origens, compreendê-las para dominá-las. Conseguiria, assim, levantar muros bem altos, colocar  câmeras  a fim de detectar e evitar a visita indesejável  da vizinha  Dona Tristeza. Ansiava, no entanto, por descobrir a casa da Dona Alegria, pois construiria uma chaminé que levasse uma fumacinha branca de boas vindas ou, então, o cheiro de um café passado e coado na hora.
Hoje estou em paz. Recebo-as, igualmente, porque sei que as duas têm muito a me ensinar.  Vivo os arredores dessas emoções procurando não afugentá-las, dando a cada visita a maior consideração, pois, somente  assim, tenho a possibilidade de me conhecer melhor e ser a pessoa que hoje sou.

texto: Eliete T. Cascaldi Sobreiro
imagem: internet




4 comentários:

  1. Maravilhoso texto e essas vizinhas est~çao sempre pertinho,mas podemos escolher com quem conviver! bjs, chica

    ResponderExcluir
  2. Oi, Eliete, que linda prosa poética com tantas verdades contidas. Gostei muito...pode continuar explorando a vizinhança (rs).
    um abraço

    ResponderExcluir
  3. Olá Eliete, vi seu texto no Claudiaroma, amei e quis conhecer seu espaço.
    Se me permite, gostaria de lhe seguir, obrigada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

    ResponderExcluir
  4. Oi! Vim lá do "Claudiaromas". Não resisti e quis te conhecer. Simplesmente encantada!!!
    Volto, volto sim, muitas e muitas vezes.
    bjs
    http://garotas-vintage.blogspot.com.br

    ResponderExcluir

Apontadora de Idéias

Minha foto
São Paulo, Brazil
"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

Arquivo do blog