terça-feira, 1 de novembro de 2011



Artigo publicado em: 20/03/08 por Antonio Ricardo Nahas


Picolé da alma

Quando criança adorava os picolés.
O meu recorde foram oito picolés em poucos minutos. Cada um de um sabor! Morango, abacaxi, creme holandês, limão, chocolate, coco queimado e uva. Que delícia!
Os picolés são mágicos. O vendedor de picolés é um grande vendedor de cores e sabores, quem sabe de verdades metafísicas.
Aquele carrinho carregava dentro de si sonhos e paisagens. Cada gosto me levava para um lugar diferente.
Enquanto chupava o picolé, minha mente viajava pelo mundo todo. Meditava nos mistérios da vida e do universo.
Cada pingo que caia fazia-me lembrar o quanto a vida é transitória.
Quando a gente chupa picolés não se pode perder tempo. Isso porque o calor também gosta dos picolés.
Talvez sejamos picolés! Cada um tem o seu sabor e a sua cor. Alguns são doces como o creme holandês, outros azedos como tamarindo.
Ou quem sabe somos todo o carrinho, lotado de picolés com todos os sabores e cores.
Mas todos os picolés têm o seu tempo. Alguns derretem mais rapidamente, outros demoram mais.
O fato é que todos nós derretemos no calor do tempo e da vida.
A cada dia um pingo de vitalidade se perde no calor da temporalidade.
Ficamos mais velhos e mais líquidos. O tempo tem o poder de derreter a solidez de nossos egos picolés.
O sólido ego no fluxo da existência vai transformando-se no líquido “self” da essência.
Todos os dias nós derretemos um pouquinho mais no calor da vida. E a vida é quente, muito quente.
Alguns derretem com sabedoria. Mas a maioria briga com os pingos coloridos que caem na terra.
Envelhecer não é nada fácil. Aceitar a transitoriedade da vida e o fato de que somos “hebreus”, para muitos, é experiência de terror.
Hebreu significa aquele que está de passagem. Somos passantes. Somos picolés.
A única coisa que não derrete é o palito. Mas o que é o palito?
O palito é a estrutura dos picolés. A coluna vertebral que dá suporte e base para o sólido que tem como destino o líquido.
O palito não derrete e pode até ser reaproveitado.
O que em nós não derrete com o tempo?
O que em nós permanece quando tudo é transitório?
Naqueles tempos já sabia que os picolés eram metáforas humanas. Brincar com os picolés é arte iniciática. É penetrar nos mistérios da vida e da morte.
Cabe a nós derreter com sabedoria e amor.
Porque cada gota que cai na terra será um dia uma nuvem no céu.
http://www.intirp.com.br/index.php

8 comentários:

  1. Olá Eliete agradeço e retribuo sua visita. Vc é muito bem vinda.
    bjs

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  2. Bela metáfora! Fomos formados por picolé e palito.
    Sabor e estrutura. O último pedaço é o que saboreamos com mais intensidade e pezar.
    Bisou.

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  3. Oh Elite que texto maravilhoso, lindo demais...emociona-me do principio ao fim. Aguardei na minha pastinha. Obrigado por trazer sempre grandes reflexões e acima de tudo nele contém o sumo poético.

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  4. Juro que pensei que estava lendo Rubem Alves. Parecia muito. Texto belíssimo.

    Não me importo de derreter, o importante é que um dia, de passagem por aqui, fui um geladinho e saboroso picolé...

    Bjocas
    Liz

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  5. aqui picolé, diz-se chupa-chupa

    e derrete-se, como as palavras bonitas

    um abraço

    manuela

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  6. Oi Eliete! maravilhoso texto, gostei muito e fiquei pensando quando era criança! Temos que aproveitar a nossa vida a cada momento, vivendo com os aqueles que nos amam... estamos em passagem... e fico pensando na minha vida é preciso derreter com sabedoria e amor....
    Este texto é uma ótima reflexão!
    Abraços e fique com Deus

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  7. Muito bom para se refletir a cerca da nossa passagem por aqui. acho que somos um pouco disso mesmo. tudo é transitório...

    Beijo , querida !

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  8. O palito é o que fica... se toda a transitoriedade for vivida com amor, espalhando-se pelo caminho pingos dos doces sabores de alegria, gentileza, perdão, solidariedade... então quando nosso tempo acabar, restará para ser reaproveitado, tudo de bom que tivermos cultivado...
    Belo texto!
    Bjs no seu coração

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"A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas... Mas não posso explicar a mim mesma." (Lewis Carroll)

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